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A bancada anti-araucária

A briga salvar as araucárias do Paraná e de Santa Catarina mostra que há deputados no Brasil capazes de qualquer coisa para não fazer o que o povo quer.

6 de maio de 2005 · 20 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

A maioria dos paranaenses pode até não saber muito bem para que serve uma floresta com araucária, embora ela seja a paisagem típica de seu estado. Mas, ouvidos em março pela MQI/Ibope a pedido da The Nature Conservancy, uma ONG internacional que pretende salvar da extinção os últimos paraísos terrestres, 82% dos entrevistados, mesmo hesitando em outros detalhes, mostraram que conhecem do assunto pelo menos o essencial. Ou seja, que ela está agonizante. Afinal, restam no Paraná 0,4% dessa rara combinação da mata atlântica com um pinheiro nativo que se instalou no planeta há 250 milhões de anos e começou a sumir do mapa em meados do século XIX, quando os madeireiros decidiram que sua madeira dava excelentes caixotes.

Mesmo em Santa Catarina, onde a liquidação total das florestas com araucárias vai um pouco menos adiantada, 78% dos moradores acham que elas andam com os dias contados. E desse índice para a frente, com variações insignificantes de um lado da fronteira para o outro, a pesquisa descobriu que os habitantes da região beiram a unanimidade, quando se trata de manifestar seu apoio mais ou menos póstumo à mata condenada.

Nada menos de 55% dos paranaenses consideraram sua conservação “muito importante” e 44% lhe deram no mínimo a nota “importante”. Entre os catarinenses, o placar ficou em 47% e 50%. Quer dizer: é praticamente todo mundo. E o que eles pensam nesse caso das propostas para criar reservas que protejam essas matas? No Paraná, 97% se declararam a favor da iniciativa. Em Santa Catarina, 98%. Estariam prontos a colaborar com ela? “Sim”, afirmaram 81% dos paranaenses e 77% dos catarinenses. Em outras palavras – ou melhor, números – 94% dos paranaenses e 90% dos catarinenses desaprovam o corte dos pinheiros nativos, enquanto 82% e 81% têm simpatia por empresas que tratem de presevá-los.

A pesquisa veio em boa hora. Pegou o último round das consultas públicas que fecharam este mês um processo que rolava desde o governo Fernando Henrique Cardoso, quando em 2002 as portarias 507 e 508 designaram no Paraná e em Santa Catarina áreas prioritárias para se instalarem unidades de conservação. Tratava-se, tarde demais, de estancar a queima total dos últimos estoques das matas que um dia cobriram 40% do Paraná e 30% de Santa Catarina.

Para demarcar as últimas trincheiras da floresta com araucárias trabalharam por mais de um ano e meio um grupo de trabalho formado por trinta especialistas. A equipe – misturando funcionários do Ministério do Meio Ambiente, do Ibama e das secretarias estaduais de meio ambiente com técnicos da Embrapa, cientistas, técnicos da Embrapa, representante de federações das indústrias e de trababalhadores, gente de ONG e olheiros das associações de prefeitos de três estados – viajou durante um ano e meio por mais de 40 mil quilômetros.

Correu contra o tempo. Muitas vezes, chegando às áreas escolhidas para virar reserva nos dois estados, encontraram matas inteiras derrubadas às pressas, antes que fossem tombadas no inventário das unidades de conservação. No fim, sobrou o suficiente para dois parques nacionais, duas reservas biológicas, dois refúgios de vida silvestre, uma estação ecológica e uma área de proteção ambiental, a APA das Araucárias.

De repente, para lembrar que nem a raspa do tacho seria entregue assim, sem mais nem menos, na hora de arrematar o processo com audiências públicas nos municípios “atingidos” – ou melhor, “agraciados”, como diz o botânico João de Deus Medeiros – o tempo virou. Madeireiras e plantadores de pinus passaram a espalhar pelas cidades, antes das consultas, que todos os seus empregados iriam para o olho da rua, se as reservas vingassem.

Pequenos agricultores, que sequer estavam na mira das desapropriações,entraram na briga. O MST, que não pode ver confusão sem bandeira vermelha, tomou-lhes as dores. O debate transbordou em campanhas de rádio. E no dia 26 de abril entupiu as portas do Clube Real, em Abelardo Luz, onde as madeireiras dispensaram mais cedo os operários para que eles engrossassem os piquetes diante do prédio.

E a consulta acabou em pancadaria. “Até hoje não sei como consegui subir aquelas escadas”, conta a ambientalista paranaense Teresa Urban, que trouxe da audiência a marca de uma cotovelada nas costas. Teresa Urban não apanhava por causa de política desde que foi presa e exilada na ditadura militar.

Dentro do clube, ela encontrou um palco cheio e um auditório vazio. “Deputados me esfregavam cartões na cara, querendo falar antes que a sessão começasse”, diz ela. Tomaram o microfone à força. E literalmente viraram a mesa do grupo de trabalho, que saiu dali com escolta da Polícia Federal pelas portas dos fundos.

Revolta popular? Antes fosse. O que houve em Abelardo Luz foi rebeldia de bolso, uma forma de manifestação cada vez mais típica da democracia brasileira. Produzida numa parceria público-privada pela indústria local da motosserra e por cinco deputados da bancada de oposição à araucária – Odacir Zonta, federal, e Reno Caramori, Gervásio Silva, Sérgio Godinho e Gerson Sorgato, estaduais – ela mostrou que em Abelardo Luz ainda há políticos capazes de tudo pela causa. Pena que a sua causa não seja a da opinião pública.

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