Verde-musgo por fora e cor de papel reciclado por dentro, A Peleja do Eucalipto caiu-me nas mãos como uma folha, meses atrás, no campus da Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis. O autor, João Werner Pflüger Grando, apresentou-o como seu trabalho de conclusão do curso de Jornalismo, sem tempo para conversa. O carro zarpava para o aeroporto, em cima da hora. O livro teria de falar sozinho.
No aeroporto, o vôo atrasou, para não perder o costume. E, antes que o avião pousasse, senão em terra, ao menos no placar eletrônico com a previsão de chegada, as 115 páginas estavam lidas. Primeiro, com benevolência, pois não passava de uma candidatura a repórter. Mas, na quinta linha, a benevolência virou atenção genuína. Não é todo dia que se encontra um texto acadêmico onde o começo da história não fica nos últimos parágrafos.
No caso, os parágrafos iniciais noticiavam a demissão, no governo gaúcho, da secretária de Meio Ambiente. Ela caiu em meados de 2007, soprada pelo bafo azedo do debate entre empresários, políticos e ambientalistas, que agita os eucaliptais do Rio Grande do Sul. Plantados por gigantes da indústria da celulose, estão mudando a paisagem imemorial que acolheu os colonizadores do pampa, com 180 mil quilômetros quadrados de campos naturais, habitados por 3 mil espécies de plantas, 385 de aves e 90 de mamíferos.
Ao contrário da aviação comercial, que remanchava, Grando deu seu recado a jato, na sala de embarque lotada. Apesar do sotaque regional, A Peleja do Eucalipto, segundo ele, integra o enredo sem fim da novela que, no País e no mundo, opõe desenvolvimento econômico e meio ambiente, quando eles prevalecem a qualquer custo. Bom tema para um aprendiz de repórter extravasar seu radicalismo estudantil.
Mas Grando conseguiu se equilibrar nas arestas da polêmica, afiadas por investimentos de US$ 4 bilhões, vitais à economia do Estado, por denúncias de que os projetos papeleiros da Stora Enso, da Votorantim e da Aracruz foram lubrificados pelas avaliações panglossianas de impactos ambientais nos estudos das empresas e por regulamentos frouxos do governo.
Era a mesma história de sempre, mas contada com uma profusão de detalhes que a urgência diária das redações raramente encoraja nos profissionais. Entre consultas a bibliotecas, fontes presumíveis dos 29 livros e documentos citados na monografia, entrevistas de gabinete e longas conversas no campo, a apuração consumiu R$ 5.846 – incluindo os R$ 625 da comida e os R$ 320 da hospedagem, gastos modestos para 25 dias de viagem. Até na prestação de contas Grando deu uma aula de rigor jornalístico.
Quando os alto-falantes chamaram os passageiros, o livro, já lido, sumiu na sala de embarque apinhada, junto, um telefone celular cuja memória para endereços até hoje faz falta. O livro, ao contrário do aparelho, voltou. Veio acompanhado de uma carta do professor Carlos Locatelli, anunciando que Grando abrirá a série Projeto Final, uma coleção de livros do Departamento de Jornalismo, com reportagens de alunos. “E, acredite, temos muitas”, diz Locatelli, enumerando “a vida nas Farc” e “os campos de refugiados em Angola”. Pela amostra, presume-se que um dos títulos tem tudo para fazer barulho.
Cobre “os EIA-Rima falsificados para favorecer grandes empresas”, um assunto que a imprensa brasileira está devendo há muito tempo.
Leia também
COP da Desertificação avança em financiamento, mas não consegue mecanismo contra secas
Reunião não teve acordo por arcabouço global e vinculante de medidas contra secas; participação de indígenas e financiamento bilionário a 80 países vulneráveis a secas foram aprovados →
Refinaria da Petrobras funciona há 40 dias sem licença para operação comercial
Inea diz que usina de processamento de gás natural (UPGN) no antigo Comperj ainda se encontra na fase de pré-operação, diferentemente do que anunciou a empresa →
Trilha que percorre os antigos caminhos dos Incas une história, conservação e arqueologia
Com 30 mil km que ligam seis países, a grande Rota dos Incas, ou Qapac Ñan, rememora um passado que ainda está presente na paisagem e cultura local →