Num país como o nosso, que apresenta as maiores taxas de desmatamentos e queimadas do planeta, o último argumento que se deseja ouvir é o já famoso jargão: “Se os países do primeiro mundo destruíram tudo, por que querem que nós protejamos nossas matas?”.
Resposta míope como esta questão de soberania, não dá para se considerar. Outros argumentos podem ser levantados, como, por exemplo: embora seja verdade que os países do primeiro mundo destruíram muito dos seus ecossistemas naturais e suas florestas prístinas, o fizeram em centenas ou até milhares de anos e não num estalo de três décadas, como vem ocorrendo com o Cerrado no Brasil, para dar lugar à soja. Além do mais, eles estão conscientes do dano produzido, fazem e fizeram muitas pesquisas sobre os impactos de sua destruição de ambientes naturais e tentam, ainda, recuperá-los. Hoje, extensas regiões da densamente povoada Europa têm mais florestas e fauna selvagem que grande parte do Brasil.
Resultados dessas pesquisas revelam dados assustadores. Somente o uso de combustíveis fósseis e o desmatamento aumentaram a concentração de gás carbono na atmosfera em 30% nos últimos dois séculos, sendo mais de 50% deste aumento concentrado nos últimos 40 anos. Nossa espécie já causou a extinção de quase 20% das espécies do planeta e as taxas atuais de extinção estão estimadas em perto de 1.000 vezes mais do que em eras pré-históricas. Semana passada foi divulgada a notícia de que os ursos polares desaparecerão antes do final deste século, devido ao efeito estufa.
A biodiversidade, além de seu valor intrínseco e das suas funções nos ecossistemas, tem valores culturais, estéticos e espirituais essenciais para a identidade social. Alterações na biodiversidade que mudam ao infinito as suas funções apresentam impactos econômicos incalculáveis, especialmente nas provisões de serviços dos ecossistemas para a sobrevivência da vida na Terra. Ainda mais para a coletividade. Alterações na diversidade podem reduzir as fontes de comida, combustíveis, materiais estruturais, recursos genéticos e medicinais.
Alguns desses impactos já pesquisados confirmam um alto custo para a sociedade. Por exemplo, uma coisa tão banal como as perdas de água com espécies exóticas de raízes profundas em regiões áridas, que reduzem o abastecimento de água para o uso humano, foram estimadas no vale do rio Sacramento, Califórnia, entre 16 milhões e 56 milhões de dólares por ano (J.D.Gerlach, no prelo). Na África do Sul, a presença de pinheiros exóticos de rápida transpiração aumentou o custo da água em 30%. O aumento da evapotranspiração devido à introdução de Tamarix, um arbusto do Oriente Médio, nos Estados Unidos, tem um custo calculado de 65 milhões a 180 milhões de dólares por ano, somente com a redução de suprimento de água para a agricultura e para os municípios da região.
Veja bem! Se apenas o uso descuidado de poucas espécies exóticas ocasiona tais transtornos e tão tremendos custos, o que não ocasionará o desmatamento de milhões de hectares de nosso verde país? Quais serão as conseqüências de milhões de metros cúbicos de venenos aplicados nos nossos campos? O que acontecerá com a destruição dos manguezais para cultivar camarões asiáticos? E assim por diante…
Enquanto isso, surgem mais novidades ruins e outras nem tanto. O governo de Mato Grosso anuncia que está recuperando um trecho da BR-163 com o custo de 800 mil reais. “Não é uma obra arranca-safra, mas para salvar vidas”, afirma o secretário de Obras de Lucas do Rio Verde. Que vidas? Quais as que serão destruídas? Mas o Presidente da República, entrementes, assinou os decretos de criação de duas Reservas Extrativistas no Pará, que somam aproximadamente 2 milhões de hectares. Uma se chama “Riozinho do Anfrísio”, com 736 mil hectares, em Altamira, e a outra “Verde Para Sempre”, com 1,28 milhão de hectares, em Porto Moz. Apesar dos nomes dessas novas unidades, entre ridículos e bregas, pelo menos se supõe que, nestas áreas de uso direto dos recursos, não teremos soja, embora sabendo que a diversidade não estará totalmente protegida, como já demonstram trabalhos científicos, entre eles o do Dr. Carlos Peres, conhecido cientista brasileiro.
Para diminuir um pouco o estado de nossa megadestruição, precisamos de muitas outras áreas protegidas, em especial as de uso indireto dos recursos naturais e as de proteção integral, que este governo teima em não estabelecer, não obstante todos os recursos de doações milionárias do projeto de Áreas Protegidas da Amazônia (o famoso ARPA).
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