Até que é bonita a paisagem de pastagens verdejantes e o gado pastando, principalmente quando o terreno é um pouco ondulado e se tem alguns remanescentes florestais ou plantios de florestas, mesmo que seja o tão mal compreendido eucalipto. Às vezes até esquecemos da recôndita culpa de sermos carnívoros. Mas, quando nos pomos a pensar que a pecuária em muitos estados ocupa 70% ou mais do uso do solo, realmente dá um calafrio. Principalmente nestes dias em que tanto sofre a área ambiental.
De todos os recordes conseguidos pela política econômica brasileira – com louvor, diga-se de passagem – nenhum, no entanto, faz sombra ao maior de todos os recordes que a administração atual conseguiu galgar! Querendo ou não. Hoje o Brasil pode comemorar, com entusiasmo por alguns, por mais absurdo que possa parecer, que é reconhecido pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês) e pelo Guinness, o Livro dos Recordes, em sua edição 2006, como sendo o país que mais desmata os remanescentes nativos no mundo! O avanço da pecuária e da agricultura são de longe os maiores responsáveis por esses recordes que não nos honram.
A destruição sistemática de vegetação nativa traz à tona uma série de impactos diretos, não só na perda de recursos bióticos (fauna e flora), mas também na alteração, por vezes irremediável, do ambiente físico. Toda a fauna e flora perde seus nichos e a rede de interação intra e inter-específicas desaparece, ao mesmo tempo em que os solos se erodem, o ciclo-hidrológico se altera e o micro clima é afetado. Portanto, a escolha natural de prioridade sobre a melhor alternativa da atividade que se dará ao solo deve levar em conta aspectos variáveis, que atenuem ou cessem esses impactos negativos esperados.
Como grande parte da área territorial brasileira já desmatada é usada para a atividade de pecuária extensiva e semi-extensiva, tanto leiteira quanto para produção de carne – e tratando-se de atividades extremamente impactantes – alternativas precisam ser incentivadas. No resto da terra desmatada primam os cultivos anuais como a soja e o milho, que demandam um enorme aporte de recursos minerais e hídricos durante quase todo o ano e que são insuficientes para a cobertura do solo, por serem constantemente revolvidos com implementação pesada. De outra parte, nenhuma dessas culturas constitui-se ainda em exemplo de áreas adequadas para o fornecimento de habitats ou para o escoamento e livre trânsito da fauna nativa.
Muito já foi falado aqui sobre como estão sendo executados e direcionados os esforços, quase que nulos na prática, para a aquisição e manutenção de nossas unidades de conservação federais. Embora seja indispensável insistir em estabelecer unidades de conservação e manejá-las adequadamente (já que no país detentor de notável recorde mundial de desmatamento, as medidas para a conservação de remanescentes nativos não estão obtendo sucesso) faz-se necessário considerar seriamente políticas de uso alternativo do solo que visem minimizar os impactos decorrentes da perda da vegetação nativa.
Vantagens do eucalipto
Assim, neste contexto, dentro das limitadas possibilidades de espécies exóticas ou nativas economicamente viáveis, como uso alternativo para nossa cultura colonizadora, o eucalipto aparece como a escolha que oferece as maiores qualidades intrínsecas. Com efeito, o eucalipto é uma espécie que oferece vantagens econômicas comprovadas, bem como no que diz respeito à sua capacidade ímpar de gerar benefícios ambientais indiretos.
Muitos são os que mitificam o eucalipto como responsável por influir negativamente no regime do ciclo hidrológico e como cultura pivô de desmatamento de áreas territoriais de remanescentes nativos, ocasionando problemas ambientais e sociais. Mas, ao contrário do que decreta o senso comum, o uso de determinados solos com cobertura florestal, seja lá qual for sua origem, pode vir a ser um exemplo de uso racional, tanto para a conservação do solo e dos recursos hídricos, como para aporte de condições para fauna e conseqüente fluxo gênico de espécies de flora.
Estudos recentes apontam a silvicultura de eucalipto como tipo de uso do solo que favorece a infiltração de água para os aqüíferos e como responsável pela manutenção dos índices de erosão de solos dentro de padrões aceitos como naturais, devido a um regime de menor escoamento superficial da parcela pluvial. Outros estudos afirmam que os plantios homogêneos de eucalipto, quando sujeitos a regime de déficit hídrico, comuns em zonas subtropicais sujeitas a estações secas, apresentam uma alta capacidade de controle estomático do dossel, tal qual o Cerrado strictu sensu, diminuindo drasticamente sua demanda de água nos períodos de seca.
Um simples cálculo pode esclarecer os benefícios hídricos da cultura de eucalipto em relação a cultivos anuais que demandam uma suplementação de irrigação. Tomando como exemplo uma cultura da soja e um plantio de eucalipto em período de seca, que segundo estudos apresenta uma taxa de transpiração de 1,0 mm, e utilizando-se um número médio de transpiração da cultura da soja, com uma taxa de 6,9 mm/dia, a demanda suplementar de água neste caso seria de 5,9 mm/dia, ou seja, 5.900.000 litros/dia/100 hectares (ha), com um uso consuntivo (90%) total de 5.310.000 litros/dia/100 ha.
Por outro lado, estudos recentes feitos por Borsoi e Torres citam que o planejamento de serviços de água no Rio de Janeiro delimita a demanda média residencial em 100 litros/habitante/dia para as populações faveladas e 300 litros/habitante/dia para as populações de médias e altas rendas, com um uso consuntivo de 10 litros/habitante/dia para as favelas e 30 litros/habitante/dia para a parcela da população mais abonada. Portanto, a demanda suplementar de água necessária para irrigar apenas 100 ha de soja em comparação com o plantio de eucalipto em áreas sujeitas a déficit hídrico, em períodos de seca, poderia abastecer 536 mil habitantes (mais que meio milhão de habitantes!) de favela ou 177 mil habitantes de média ou alta renda por dia na cidade do Rio de Janeiro.
A perspectiva de que o eucalipto constitui-se em um agente que promove o êxodo rural e implica no desmate de novas áreas não corresponde ao que se observa no novo milênio, muito pelo contrário. Cada vez mais o seu uso se concentra em áreas antes destinadas a pastagens e é feito por pequenos e médios produtores rurais. As empresas florestais que antes adquiriam grandes glebas territoriais para o plantio e desmatavam, hoje percebem que esta prática não se sustenta. Produz-se mais barato em terras fomentadas (não existe o custo do imóvel no custo de produção) ao mesmo tempo em que se difunde, embora ainda de maneira muito incipiente e sem um devido apoio governamental, a cultura do fazendeiro florestal no Brasil. O mesmo ocorre em vários países da América do Norte e da Europa distribuindo-se renda e fixando pessoas no campo.
Em contrapartida, se tivermos uma base florestal plantada capaz de ofertar madeira para atender o mercado de energia e celulose esperar-se-á uma diminuição expressiva na pressão de uso de lenha de origem nativa, que hoje equivale a, aproximadamente, 50% do consumo total de material lenhoso comercializado.
Resta às autoridades deixar que a parcela de seu discurso infalivelmente equacionado sobre a competência de sua administração seja de fato posta em prática para que num futuro não se volte a afirmar: “Não sei de nada! Não vi nada! Ninguém me disse nada!”.
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