O estabelecimento das Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) teve início em 1990 com o reconhecimento pelo Ibama de dez delas. Este foi o passo mais importante dado pelo governo para que o setor privado colabore com a conservação da natureza, conforme preceitua a Convenção para a Diversidade Biológica de 1992.
Esta importante iniciativa foi ganhando espaço e crescendo expressivamente, para a felicidade do Brasil, até o ano 2002. Vários estados adotaram também a medida e passaram a estimular o estabelecimento de reservas particulares. Segundo as estatísticas do Ibama, os anos de maior número de estabelecimentos de RPPNs federais foram: 1997 (45), 1998 (49), 1999 (58), 2000 (46), 2001 (72) e 2002 (41). De 1990 até 2002 se implantou 440.000 hectares deste tipo de reserva particular. De repente tudo parou sem se saber bem o motivo deste estancamento. No ano 2003, duas RPPNs foram reconhecidas, em 2004 dez e em 2005 mais 10. Quer dizer que, nos últimos três anos foram reconhecidas apenas 22 RPPNs federais, somando pouco mais de 3 mil hectares. Que aconteceu?
Mais burocracia
O Sistema Nacional de Unidades de Conservação, mais conhecido por SNUC, foi instituído pela Lei nº. 9.985 de julho de 2000 e em seu artigo 14 reconhece as RPPNS como uma categoria do sistema nacional, a define e dá seus objetivos de manejo. O decreto Nº. 4.340 de 2002, que regulamenta a lei do SNUC, exige plano de manejo para as reservas particulares, o que deverá ser aprovado pelo órgão executor, ou seja, quando são no nível federal, pelo Ibama. Fico matutando. Se nem as unidades de conservação ou áreas protegidas do Poder Público, na sua grande maioria, têm plano de manejo, como pode o mesmo Poder Público exigir que proprietários particulares que querem ajudar a preservar a natureza sejam obrigados a fazer estes documentos que são complexos e caros?
Não satisfeitos com as dificuldades já impostas pelos diplomas legais, o MMA soltou uma instrução normativa IN nº. 24 de 2004 aprovando um “Roteiro Metodológico para a Elaboração de Plano de Manejo para Reservas Particulares do Patrimônio Natural”. São nada menos que 67 páginas de textos complexos, altamente técnicos, que tentam orientar, através do roteiro, como fazer os Planos de Manejo de RPPNs. O detalhamento exigido é tão grande que, inevitavelmente, o interessado deve convocar uma equipe de especialistas para fazê-lo com propriedade. Se eu mesma, que tive a oportunidade de coordenar a preparação dos primeiros planos de manejo de áreas protegidas elaborados no país, tenho enormes dificuldades para entender este roteiro metodológico, como o estarão enfrentando os donos destas reservas particulares? Eles não têm obrigação de ser biólogos ou engenheiros. Apenas amam a natureza e querem protegê-la nas suas terras. Escutam a propaganda do governo e quando se engajam na ação, descobrem que foram iludidos. Assim, ao contrário de apoio técnico e financeiro, defesa das suas terras e outros benefícios prometidos, só recebem descaso e, muitas vezes, maus tratos, gastos adicionais e, agora, também se lhes exige essa monstruosidade burocrática que o próprio governo não cumpre nas suas unidades de conservação.
As exigências dos planos de manejo são tão extremas como em unidades de conservação federais. As descrições dos limites do imóvel têm de ser georeferenciadas, de acordo com o Sistema Geodésico Brasileiro. Precisa de listas detalhadas da flora e fauna, que se defina o zoneamento, preparar programas de manejo, cronogramas físico-financeiros de investimentos e de outras inúmeras informações que são custosas de obter e de reunir num documento que logo deverá sofrer o calvário burocrático habitual inclusive a inspeção dos técnicos do Ibama,que quiçá esperam que o almoço na fazenda visitada esteja à altura da importância das opiniões que incluirão nos seus relatórios sobre a Reserva e o plano de manejo.
Como se isso fosse pouco, o novo regulamento exige que ao se estabelecer uma RPPN é necessária uma consulta pública prévia. Esta medida é o cúmulo das aberrações. O mesmo proprietário pode desmatar e queimar, plantar o quem bem quiser, criar vacas ou porcos, aplicar pesticidas e outros venenos, fazer cercas, queimar os resíduos da coleta, construir qualquer instalação, retirar água do rio e do subsolo, etc., etc. sem pedir autorização a ninguém, se está dentro da legislação orgânica. Mas, para preservar a natureza, o que é mandado constitucional e que é “promovido pelo governo” deve se submeter à consulta pública! Verdade é que a consulta é por “internet”, mas, ainda assim, isso é um absurdo monumental, um atentado contra a propriedade privada e só pode ser produto de algum anarquista de esquerda disfarçado de funcionário ambiental.
Diga-se de passagem, que outra violação inaceitável contida nessas novas normas é a obrigação do proprietário de apresentar, no plano de manejo, um cronograma físico-financeiro dos investimentos a serem realizados na reserva. Isso significa que o dono deve revelar (os planos de manejo são públicos… ademais vão estar na internet) suas intenções de investimento e também quanto dinheiro vai aplicar a cada ano. Assim, seus competidores na área de ecoturismo conhecerão seus planos e os seqüestradores da região terão a informação de quem é rico e merece ser a próxima vítima. Isso é uma violação da privacidade. É tanto mais ultrajante quando se sabe que o governo tem as unidades de conservação federais literalmente abandonadas e que nunca cumpre seus famosos “cronogramas” que, esses sim, como o dinheiro é público, devem ser públicos.
Menos RPPNs
A tudo isso, que já é revoltante, deve se somar que mesmo nos casos em que se cumpre todo o ritual exigido, o Ibama demora agora vários anos para aceitar o estabelecimento de RPPNs. Tanto tempo que muitos dos entusiastas perdem o interesse e preferem desmatar suas áreas ou vender a propriedade. O governo perde excelentes oportunidades de conservar a natureza, apenas como conseqüência da mentalidade controladora de alguns esquerdistas ridículos.
Desde seu começo foi óbvio que os incentivos a quem faz RPPNs são mínimos. O único palpável é a isenção do Imposto Territorial Rural, que em geral é tão baixo, que nada significa para quem tem de manter e manejar uma área protegida, que em contrapartida trás benefícios incontestáveis à sociedade local e ao país. Tampouco existe apoio técnico e, muito menos, linhas de financiamento para RPPNs. Não obstante, legiões de proprietários ou ONGs pretendem fazer RPPNs. Mas, tenham paciência, pois esse momento está difícil, o atual governo está acabando também com essa opção para se conservar a nossa biodiversidade.
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