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Sem dinheiro e sem gente

As unidades de conservação proliferaram no Brasil nos últimos anos, mas a verba e o número de funcionários para protegê-las minguaram de forma assustadora.

21 de julho de 2006 · 18 anos atrás
  • Maria Tereza Jorge Pádua

    Engenheira agrônoma, membro do Conselho da Associação O Eco, membro do Conselho da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Nat...

Essa, sem dinheiro e sem gente, é uma constatação estarrecedora sobre a situação atual das nossas unidades de conservação ou áreas protegidas. Fica pior ainda se prestarmos atenção no que aconteceu com o seu orçamento e o pessoal, na última década. De uma parte, a criação de unidades de conservação aumentou em número e hectares significativamente, mas fato curioso, o orçamento dedicado a elas caiu a níveis sem precedentes.

Crescimento da área protegida

Já publicamos no O Eco quanto de Parques Nacionais ou outras categorias foram estabelecidos, apenas no período de 2003, até hoje. É um dado impressionante e mais ainda porque a grande maioria é na Amazônia, bioma centro de atenção da humanidade. Mas, de outra parte: e daí? Assinar decretos é, às vezes, fácil. Como estão estas jóias da República no campo? Melhorou ou piorou a situação de funcionários e de recursos financeiros?

Aí é que os números nos deixam boquiabertos. Como se pretende preservar e conservar a biodiversidade de nosso país, a maior do mundo, sem dinheiro e sem pessoal adequado em número e, também, sem capacidade para o trabalho requerido? O Brasil possui hoje perto de 80 milhões de hectares em unidades de conservação decretadas no nível federal, ou seja, aproximadamente 9 % da nossa extensão territorial, sendo 43% de uso indireto ou de preservação integral, como diz a Lei do SNUC ( Sistema Nacional de Unidades de Conservação) e 57% de uso direto dos recursos naturais ou de desenvolvimento sustentável. Em maior número e extensão estão as Florestas Nacionais. Como se sabe bem, as áreas protegidas de uso direto, pela própria natureza, não podem proteger tanto a biodiversidade como as de uso indireto que, é bom enfatizar, representa menos da metade do total do sistema federal.

As realidades orçamentárias

Em 1994 nós possuíamos perto de 50 milhões de hectares de unidades de conservação com um orçamento de 28 milhões de dólares, ou, em outras palavras, nós tínhamos para cada hectare 0,6 centavos de dólares. Pode parecer muito pouco, em especial se comparado a outros paises com os que pretendemos nos igualar, mas em 2004 o orçamento caiu para 5 milhões de dólares, ou seja, US$ 0,08 por hectare, quando chegamos a ter mais de 56 milhões de hectares em áreas protegidas. É ou não é de arrepiar? Não há dinheiro, portanto, por mais que falem as autoridades constituídas, não há prioridade política. Este fato é inconteste. Mais grave, ainda, se é que é possível, de 2003 até hoje foram adicionados ao sistema federal de unidades de conservação mais de 20 milhões de hectares. Assim, como o orçamento continua o mesmo, ou seja, 5 milhões de dólares para 2006 o sistema conta com 0,06 centavos de dólar por hectare de área protegida.

Pessoal escasso

No que concerne a pessoal, o quadro talvez seja mais dramático. Em 1995 existiam 3,8 funcionários por 1.000 km². Em 2004 o sistema nacional, que então possuía 1.460 funcionários entre contratados de distintas formas, cargos de confiança (DAS), funcionários de prefeituras municipais ou de organizações não governamentais, mantinha no campo praticamente a mesma situação, ou seja, 3,8 funcionários por 1.000km². Atualmente nossa média é ainda pior, pois como já acima mencionado, desde então 20 milhões de hectares foram adicionados ao sistema e o número de funcionários não aumentou expressivamente. Neste momento talvez seja oportuno dizer que a média dos países em vias de desenvolvimento é de 26,9 funcionários por 1.000 km². Já os Estados Unidos da América apresenta a média de 33 funcionários por 1.000 km², a Nova Zelândia 15. A média mundial é de 27 funcionários por 1.000 km². Bom, se os governantes quisessem dar mais emprego, aí está uma boa oportunidade. Mas que não sejam os DAS, pois o que se precisa é gente no campo e não nos escritórios. Além do mais, 11% do total de funcionários do sistema nacional de unidades de conservação estão na sede do IBAMA e no Ministério do Meio Ambiente. Nossas médias por regiões do Brasil oscilam de 23,2 no Sudeste até 0,5 na Amazônia, o berço da nossa Ministra de Meio Ambiente. No Sul temos 12,8 funcionários, 10,7 no Nordeste e 7,1 no Centro oeste. Na verdade, se juntarmos o Sul e sudeste, têm-se o mesmo número de funcionários por superfície que o Canadá. Mas, onde se requer mais pessoal é, precisamente, do outro lado do país, lá onde a lei é freqüentemente letra morta e onde as unidades de conservação são invadidas por madeireiros, garimpeiros, fazendeiros e agricultores migratórios.

Um recente concurso público do IBAMA para dotar as unidades de conservação com mais pessoal, resultou na curiosa situação de se ter oceanógrafos no meio da selva amazônica e no pantanal e engenheiros florestais nas ilhas protegidas da costa, dentre múltiplas outras raridades, fruto da demência burocrática. Capacitação é outra das grandes necessidades de pessoal, do mesmo modo que treinamento, principalmente para guardas parques, que não deveriam vir de empresas de segurança ou de serviços terceirizados, mas sim pertencerem ao quadro da instituição.

Como resolver o problema?

No que concerne a recursos financeiros há, felizmente, muitos mecanismos e fontes de financiamentos, doações e arrecadações governamentais. A começar pelo ARPA, ou seja, o programa de áreas protegidas para a Amazônia, estabelecido no governo anterior, onde se prevê que serão protegidos 50 milhões de hectares na região no prazo de uma década. O Programa já tem recursos prometidos para a década de 100 milhões de reais, entre as doações de organismos internacionais e ONGs, bem como do setor privado, por exemplo, os 2 milhões de dólares doados pelo Boticário e pela Natura.A previsão total dos custos gira em torno de 800 milhões de reais para se atingir aquele montante de unidades de conservação. Ressalte-se que pelo menos no que concerne à criação de unidades de conservação o governo atual está imbatível, com os 20 milhões de hectares já decretados, embora a maioria seja daquelas unidades passíveis de uso direto e com populações no seu interior, que podem, sob certos parâmetros, usarem os recursos naturais.

Os 0,5% do total de grandes empreendimentos que ocasionam forte impacto ambiental, ou as compensações ambientais, como se acostumou a dizer, também podem dar somas expressivas para a implantação do sistema. O ICMS ecológico ajuda, em alguns estados, onde existem as leis estaduais e mecanismos de retorno para as áreas protegidas. Finalmente a própria cobrança de ingresso em alguns Parques Nacionais mais visitados ajudaria, pelo menos, a comprar combustível. Somente 15 Parques Nacionais dos 64 existentes arrecadam ingressos ou outras taxas. Dentre os que mais arrecadam estão com 39,3% o Parque Nacional do Iguaçu; 25,4 % Tijuca e 10,5% Brasília. Outras taxas ainda não cobradas podem ajudar como os serviços ambientais, entre eles, uso da água proveniente de áreas protegidas.

Quanto a pessoal creio que é uma atitude governamental e um reflexo dos recursos disponíveis sejam eles do orçamento da União, ou das fontes acima mencionadas.

Conclusão

Se bem que é desejável e elogiável se aumentar o número de unidades de conservação, fazer deste fato uma moda é muito perigoso, pois traz no seu bojo a irresponsabilidade de não se garantir ao mesmo tempo os recursos humanos e financeiros para se bem manejar o sistema. Quer seja este governo a ser reeleito, ou outro a entrar, eles precisam colocar o tema como uma prioridade nacional, ou senão estarão enganando a todos com sua falsa preocupação com a proteção da biodiversidade.

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