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Facilidades ambientais

Tanto se discute, mas no Brasil as licenças ambientais sempre são concedidas. Bom seria se começassem a dizer não a projetos que colocam em risco a nossa biodiversidade.

17 de maio de 2007 · 17 anos atrás
  • Maria Tereza Jorge Pádua

    Engenheira agrônoma, membro do Conselho da Associação O Eco, membro do Conselho da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Nat...

Dois assuntos na área governamental, no que concerne a meio ambiente, têm sido motivo de discussões acaloradas esses dias: licenciamento ambiental de hidroelétricas e a divisão do IBAMA, que desaguou no Instituto Chico Mendes para a Conservação da Biodiversidade. Até o Presidente da República andou, segundo o que se publicou, se desesperando a ponto de desesperar a nós ambientalistas, quando, esquecendo que o IBAMA é um órgão do governo, pertencente ao Ministério do Meio Ambiente, dirigido por pessoas do partido que está no poder, o julga tão inútil que poderia desaparecer. Neste momento eu pergunto: qual órgão então iria fazer cumprir a legislação ambiental em vigor, legislação esta conseguida principalmente nas três últimas décadas, no que diz respeito a impactos ambientais de grandes obras?

Bem, mas vamos começar com os famosos EIA/Rimas, ou seja, o Estudo de Impacto Ambiental e o conseqüente Relatório de Impacto Ambiental, obrigações legais para as grandes obras, entre elas as de hidroeletricidade. Esta obrigatoriedade de avaliação de impactos ambientais começou na década de 1980 e não obstante ser um marco na conservação da natureza se transformou em uma nova e segura fonte de recursos muito bem recepcionada pelas empresas de consultorias. Um bom exemplo da fartura de recursos extras gastos em custos do EIA/RIMA foi o de uma usina no rio Paraná, que atingiu a astronômica cifra de 4 milhões de dólares, conforme citação do Dr. Luiz Fernando Galli, no artigo “O EIA/Rima não é somente um instrumento de licenciamento ambiental”, publicado na revista da Associação Brasileira de Engenheira Sanitária e Ambiental (ABES, Capítulo Goiás) de abril 2003. Desnecessário se despender tanto, como adiante veremos, porque tudo acaba sendo aprovado. Assim mesmo, as empresas estatais costumam incluir nos custos das obras, além das medidas mitigadoras dos impactos ambientais, que são exigidas pelo licenciamento, outras obras complementares que não guardam relação com a obra principal, nem com os temas ambientais, para atender demandas políticas ou interesses locais, encarecendo a obra e que ficam “por conta” das medidas mitigadoras dos impactos ambientais.

O importante é notar que não se conhece qualquer empreendimento que tenha sido negado peremptoriamente durante o processo de licenciamento. Por incrível que possa parecer nenhum estudo até o presente concluiu pela inviabilidade da obra. Projetos que foram inviabilizados o foram por outros motivos, sejam eles políticos, econômicos ou técnicos. Assim, os EIA/Rimas são feitos e refeitos tantas vezes quanto necessário até que a obra seja autorizada. As autorizações podem levar muito tempo, como no caso das demoras atualmente tão criticadas pelos governantes dos mais altos escalões, mas eles sabem bem que as obras que patrocinam serão inelutavelmente aprovadas. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) deverá andar a qualquer custo, incluindo o futuro de muitos brasileiros.

Muitos especialistas sugerem que os aproveitamentos hidroelétricos sejam planejados se considerando toda a bacia, utilizando as avaliações ambientais estratégicas e se deixando pelo menos 50% dos rios da mesma sem aproveitamentos para viabilizar a conservação da vida aquática e evitar as conseqüências da sua destruição na economia, na saúde e nos processo naturais. Muitas vezes o grande especialista Michael Goulding disse e escreveu sobre esta necessidade, em especial para a Amazônia. Além do mais os estudos de impacto ambiental, como diz a teoria, deveriam em muitos casos, já no momento do início do planejamento, simplesmente negar a obra, se a mesma na realidade causar impactos irreparáveis ao meio ambiente. Que isso se resolva mediante o estudo de alternativas, ou que sejam feitas em outros locais, ou que não sejam feitas. Que se procurem outras fontes energéticas mais limpas ou adequadas. Mas não, no país se insiste apenas na mesma opção, apelando para táticas não tão éticas, como a de acusar o setor ambiental de “obstruidor do desenvolvimento” ou, pior, de “inimigo do povo”.

Já com os empreendimentos considerados de pequeno porte e que, portanto, teoricamente, não causam danos ou causam pequenos danos ambientais, o empreendedor não necessita mais se submeter aos EIA/Rimas. É só fazer as obras e se porventura chegar a fiscalização de algum órgão ambiental e constatar algum problema em que ninguém pensou, ou alguma irregularidade, poderiam até ser embargadas. Se isso acontecer, o que é raríssimo, a solução é facílima: basta assinar um TAC (termo de ajustamento de conduta), feito junto ao Ministério Público que mais tarde, provavelmente, ninguém controlará para saber se foi cumprido ou não. Essa permissividade tem trazido prejuízos locais, pois obras pequenas podem, também, ter gravíssimas conseqüências locais que, somadas, implicam em desastres nacionais.

Assim podemos dizer que a luta de ambientalistas desde os 1980 para se conseguir dar um paradeiro em obras faraônicas ou bem menores que degradam o meio ambiente tão necessário para todos, terminam com um TAC, que facilita a vida do infrator ao apontar o que precisa ser contemplado e elaborado, nos casos menos graves. Ou, então, nos casos mais cabeludos, com o se fazer e refazer EIA/Rimas até a liberação. Mas a liberação, por mais que demore, vai ocorrer de todas as formas e quanto menos turrão for o empreendedor, ou seja, se ele atende as exigências dos órgãos ambientais com facilidade, mais rapidamente sairá o licenciamento. Agora se todas as exigências são cumpridas na operação é difícil dizer, pois o monitoramento nem sempre é adequado, ou melhor, é inadequado.

Se realmente a intenção do governo foi enfraquecer o IBAMA, com a criação do Instituto Chico Mendes, foi um tiro no pé, pois não há como se evitar, segundo a legislação em vigor, a preparação e análise dos EIA/Rimas para grandes obras de geração de energia hidroelétrica, bem como para todas as grandes obras. Mas, como dito acima, a licença pode demorar, pode-se gastar mais com os estudos e até com medidas mitigadoras ou não dos impactos ambientais gerados e isso é tudo, infelizmente. Sério seria um país que dissesse não a obras que realmente destruíssem muito da nossa tão decantada biodiversidade.

O querer resolver os problemas de demora de licenciamentos de grandes obras com mudanças estruturais no IBAMA não dá certo. Pelo contrário, vai se gastar muito tempo nessa reestruturação até que os órgãos dela saídos possam vir a funcionar a contento, como é lógico. Estão gastando energia e tempo em algo que não tem nenhuma urgência e não precisaria ser gerado através de uma Medida Provisória. Outra vez, pelo contrário. Se o Instituto Chico Mendes tivesse sido discutido com todos os segmentos envolvidos da sociedade, durante dois anos, como foi a criação do Serviço Florestal do mesmo Ministério, talvez nós estivéssemos comemorando, ao invés de criticar. O Instituto Chico Mendes, que nasceu capenga, tem a responsabilidade de gerir o maior patrimônio territorial do país e o maior patrimônio genético protegido através das unidades de conservação. Essa sim é uma tarefa mais que hercúlea. Pode-se até achar que é mesmo conveniente que não se misture os assuntos: licenciamento ambiental e áreas protegidas. São mesmo áreas bem diferentes de um mesmo Ministério. Porém ter esse instituto neste momento e nas condições em que saiu é uma temeridade. A forma como foi concebido, a falta de transparência e agora como vem sendo gerido, ou seja, tem um presidente interino que também é o Secretário Executivo do Ministério do Meio Ambiente, tudo leva a crer que não se pensou seriamente sobre esta nova cria. Mais parece um filho bastardo.

Sobre o instituto Chico Mendes muito tem sido dito e escrito, também aqui no O Eco, entretanto até agora eu não vi ninguém se preocupar com o que aconteceu com a fauna silvestre, ou selvagem, como queiram. O Brasil tradicionalmente esquece-se da fauna. Fauna esta que é das maiores do mundo. Onde ela está? Ficou com o tão malquisto IBAMA ou está com as áreas protegidas no novo Instituto Chico Mendes? Parece que está com os dois e mais com o Serviço Florestal.

Deixe-me tentar explicar como era a idéia de muitos entendedores do assunto, nesta situação de mudanças institucionais. O IBAMA fora criado para ter sob uma mesma égide o que estava na antiga SEMA, no ex IBDF e na extinta SUDEPE. Em 1989, quando foi criado, isso era necessário, pois os assuntos ambientais estavam espalhados em diferentes Ministérios. Aquele IBAMA nasceu bem e esteve bem por muitos anos. Era até respeitado pelos nossos cidadãos. Mas o Ministério do Meio Ambiente foi enfim criado, primeiro como uma Secretaria Especial, logo como Ministério mesmo. E tinha só um órgão executivo a ele subordinado: o dito cujo IBAMA, que era mais forte que o Ministério, tanto em termos de recursos humanos e financeiros, como de flexibilidade administrativa, por ser uma autarquia de administração indireta. Com o passar dos anos foi perdendo terreno: os recursos hídricos, a pesca e ultimamente até as florestas com o estabelecimento, neste governo, do Serviço Florestal. A égide passou a ser única: o Ministério de Meio Ambiente. Ficavam então, antes do advento do Instituto Chico Mendes, com o IBAMA as unidades de conservação ou áreas protegidas, a fauna silvestre, o licenciamento ambiental e a fiscalização. Estava bem evidente que a situação não era a ideal. Aí nos presentearam com o Chico Mendes e como já foi dito, não deram atenção à fauna silvestre, que para seguir o mesmo raciocínio deveria também ter seu instituto vinculado ao Ministério do Meio Ambiente.

O que incomoda profundamente é a áurea de certa irresponsabilidade com que tudo foi conduzido, sem amplas discussões pelo menos com os entendidos, com as universidades, com as não governamentais. Incomoda, ainda, a leviandade das declarações de nossos dirigentes e as cabeças dos institutos que são provisórias. Incomoda o fato de se ver claramente que muitos dirigentes não conseguem perceber a importância real da conservação da natureza. Ela só serve para discursos chocos e demagógicos ou para desculpas de quem não consegue administrar bem algo tão valioso. Preferem dar as áreas protegidas para quilombolas, ao invés de indenizá-los ou para remanescentes de índios ou caboclos, para fazer média e se passar por bonzinhos.

Bom mesmo seria ter governantes que com seriedade ajudassem a salvar a biodiversidade deste país para um futuro que muito dela vai precisar, principalmente em tempos de aquecimento global, que, sim, parece que os assusta realmente. Governantes que se preocupassem mais em garantir a qualidade de vida para o futuro, ao invés de defenderem hidroelétricas indefensáveis. Um conselho: não se preocupem muito, não gastem muita energia, não se exponham muito, pois elas vão sair. O problema das áreas administradas pelo IBAMA e agora, também, pelo Instituto Chico Mendes é de gestão, senhores, como os últimos anos têm nos provado.

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