Cada vez que está diante de uma tela em branco, quem escreve diz a si mesmo: Novamente você vai fazer críticas sardônicas! Por que não escrever sobre as muitas coisas boas que existem, em matéria ambiental, no Brasil ou na América Latina? E, sem dúvida, há muita coisa positiva acontecendo na área ambiental desta região, em especial no Brasil.
A cada dia se dispõe de provas silenciosas do esforço descomunal de muita gente bem intencionada, dentro do setor público, contra a influência política perversa e contra a inércia de um sistema administrativo construído para não fazer nada. Não cabe nem pensar onde se estaria sem essa quinta coluna do bem.
Não é por falta de exemplos positivos que, em geral, se prefere apontar os negativos. Isso se deve, em primeiro lugar, ao fato de essa ser a única forma, muito modesta, que dispõem os que escrevem para estimular a adoção de um curativo para problemas urgentes ou o estabelecimento de um programa preventivo que resolva questões mais importantes. Em segundo lugar, porque os governos sempre estão dispostos a propalar sucessos e fazer propaganda cor-de-rosa. Em terceiro, porque as sátiras são, sempre, mais lidas e lembradas que os elogios e geram reações mais fortes. Finalmente, porque ainda que não faltem exemplos de ações ambientais positivas, o entorno natural da América Latina vai de mal a pior e portanto as notas otimistas não refletem a realidade.
Mas, repetindo, desta vez será feita uma exceção e se apresentará uma lista curta e incompleta de políticas, medidas e ações muito bem-sucedidas e importantes ou originais, às vezes pouco difundidas, que o Brasil tem desenvolvido sobre o tema ambiental, em especial referentes à diversidade biológica.
Na área da política ambiental destaca-se, sem dúvida, a aplicação da idéia do Sistema Nacional do Meio Ambiente e, em especial, seu Conselho Nacional, democraticamente resolutivo, e suas réplicas no nível estadual e até municipal. Já foi feito, nesta mesma coluna, um grande elogio a esta iniciativa que deveria ser imitada em todos os países do continente. Além disso, a legislação sobre licenciamento ambiental, ainda que freqüentemente vilipendiada, é a melhor que existe na região, tanto na teoria como na prática. Dispor de um ministério ou de uma secretaria de meio ambiente, respectivamente no nível federal e estadual, é muito positivo e, em termos gerais, ter separadas a parte normativa da executiva, criando também institutos ou fundações ambientais ou florestais para a execução das políticas ambientais e de recursos naturais, é adequado. Também se destacam a criação da Agência Nacional de Águas (ANA) e dos Comitês de Bacias Hidrográficas, dentre muitas outras ações positivas, embora menos conspícuas, da administração da gestão ambiental.
O país tem tomado algumas medidas realmente excepcionais na área das finanças para meio ambiente. As mais importantes e originais são o chamado “ICMS Ecológico”, que recompensa os municípios que mais protegem a natureza, e a norma dispondo que não menos de 0,5% do custo das infra-estruturas de elevado impacto ambiental seja destinado a unidades de conservação de proteção integral, conforme os resultados do processo de licenciamento ambiental. O Fundo Nacional do Meio Ambiente é, igualmente, uma poderosa ferramenta para a aplicação da política ambiental nacional. Outra iniciativa financeira importante, lamentavelmente abandonada, foi o chamado Protocolo Verde, que era uma auto-imposição dos bancos públicos e privados nacionais para aplicar seriamente as normas ambientais, tema hoje parcialmente retomado sob a batuta do Grupo do Banco Mundial. Assim mesmo, se for plenamente aplicada, a Lei de Crimes Ambientais tem grande potencial para o financiamento de medidas de proteção ao meio ambiente.
Comparado com seus vizinhos sul-americanos, que tratam suas responsabilidades ambientais especialmente ou exclusivamente à base de esmolas internacionais, o que está longe de ser apropriado para garantir independência e bons resultados, cabe destacar que é um sinal claro da seriedade e da maior importância relativa atribuída pelo Brasil aos temas ambientais o fato de vir obtendo mais empréstimos ambientais que qualquer outro país na região. Penoso é saber que muito desses recursos, obtidos no governo anterior, estão sendo abandonados pelo atual sem chegarem a coletar os benefícios esperados.
Embora as Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN) não sejam invenções brasileiras, sua aplicação neste país é a mais ampla já vista no continente, deixando para trás até a Costa Rica, onde foi criada a primeira delas. O mérito, mais que do governo, é dos proprietários que, quiçá cansados de presenciar o abandono das unidades de conservação públicas, decidiram fazer as suas. Hoje, duas dessas reservas (SESC Pantanal e Salto Morato) são as áreas protegidas melhor manejadas e mais garantidas do país. Outra dessas reservas, neste caso a minúscula Vagafogo, em Goiás, é um exemplo internacional de como uma família da classe trabalhadora pôde prosperar por cuidar e tirar proveito sabiamente de um pedacinho da natureza.
A idéia das reservas extrativistas tampouco é original, mas, como no caso anterior, foi no Brasil onde essas áreas alcançaram sua máxima expressão. Se elas não fossem consideradas, erroneamente, unidades de conservação ou substitutas a estas, mereceriam ser aplaudidas sem restrições.
Também é louvável o esforço de pessoas físicas para estabelecer Organizações Não-Governamentais visando lutar mais eficientemente pelos direitos dos cidadãos a um ambiente melhor. Ainda que poucas destas entidades nacionais sejam bem conhecidas do público (dentre elas SOS Mata Atlântica, Tamar, SPVS, Funatura, SOS Amazônia, IESB, ISA, Ipê e Fumdham), existem milhares a mais que também fazem esforçadamente sua parte para criar consciência pública e para resolver problemas ambientais locais. O Brasil é o país da América Latina com o maior número destes grupos de ativistas. O setor privado nacional se destaca não só por estabelecer reservas privadas, mas, também, por ter criado pelo menos uma das mais generosas fundações privadas genuinamente nacionais: a Fundação O Boticário de Proteção à Natureza.
E, o que não dizer dos personagens! O Brasil dispõe de uma legião de pessoas que deveriam passar para a história da luta pela conservação do patrimônio natural, alguns já falecidos, como José Luis Belart, Wanderbilt Duarte de Barros e José Cândido de Melo Carvalho; outros famosos em vida, como Paulo Nogueira Neto, Ibsen de Gusmão Câmara, Adelmar Coimbra Filho, Maria Tereza Jorge Pádua; e muitos outros, menos reconhecidos, com uma vida completa dedicada à luta para salvar um pouco do patrimônio cultural e natural do país, como no caso de Niede Guidon, a heroína “mais-que-de-novela” da Serra da Capivara. Mais humildes e, por isso sempre esquecidos, estão os guardas dos parques e outros trabalhadores de campo que tantas vezes ofereceram suas vidas para construir um futuro melhor para o país.
E – por que não mencionar? – os funcionários públicos que, se afogando no oceano burocrático, seja no Ibama ou no Ministério do Meio Ambiente ou nos seus equivalentes estaduais, lutam dia a dia, nos escritórios e no campo, para fazer o que deve ser feito no sentido de melhorar o meio ambiente brasileiro. A cada dia se dispõe de provas silenciosas do esforço descomunal de muita gente bem intencionada, dentro do setor público, contra a influência política perversa e contra a inércia de um sistema administrativo construído para não fazer nada. Não cabe nem pensar onde se estaria sem essa quinta coluna do bem.
Os exemplos citados são apenas uma pequena amostra de que muita coisa positiva e importante foi feita e está sendo feita no Brasil para proteger o entorno natural. Somando os diferentes aspectos do progresso na área ambiental, é improvável que algum outro país da região tenha feito mais que o Brasil neste campo. Porém, ser o que está menos pior entre os que estão muito mal não é suficiente.
*Esse texto foi editado em 10/06/2024 para repaginação
As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.
Leia também
Bomba humana
Os desastres "naturais" são uma reação do ambiente para conter a superpopulação humana. Nossa capacidade autodestrutiva também evita o desequilíbrio total. →
União sul-americana e Amazônia
A Transoceânica, estrada que vai cortar a Amazônia entre o Brasil e o Peru, ameaça as áreas mais preservadas do nosso vizinho, que tem leis ambientais fracas. →
Itacaré, paraíso perdido
Em breve as praias de Itacaré não poderão mais ser chamadas de paradisíacas. Em dez anos, o desenvolvimento tomou conta da região, devastador como de costume. →