Na parte anterior se revisaram as principais características dos planos de manejo das unidades de conservação no Brasil, concluindo que com poucas exceções estas ferramentas são mal feitas e de pouca utilidade. Nesta segunda parte se analisam outros aspectos do tema, como são o sentido prático dos mesmos, seus custos e suas propostas em relação à sustentabilidade econômica e a seu impacto econômico e social no entorno.
A primeira pergunta é: Faz sentido assumir que a entidade que administra as áreas protegidas pode arcar com a aplicação dum plano de manejo ideal? Essa não é uma pergunta fácil de responder. De uma parte, tem lógica apresentar um plano de manejo ideal, com abstração da realidade financeira, assumindo que no futuro previsto para a aplicação do plano, os custos possam ser cobertos, inclusive de forma progressiva. De outra, um plano de manejo, dentro de alguns limites, é como a planta de uma residência: pode ser desejável ou desejado ter piscina, sauna, bar e churrasqueira mas se começa pelo essencial de acordo com a situação econômica e os recursos disponíveis pelo proprietário no momento da construção. Uma unidade de conservação, no fundo, está submetida aos mesmos limites e deve levá-los em conta no momento de se fazer às propostas de obras, equipamento e pessoal.
O fato é que os planos de manejo revisados, quase todos, apresentam unicamente as necessidades ideais da unidade de conservação, sem consideração para a bem conhecida falta de recursos das instituições ambientais nacionais. Da mesma forma, muita das obras e ações propostas correspondem a uma realidade prevista num futuro longínquo e ideal, sendo totalmente desnecessária sua construção no início. Esse é o caso de centros administrativos, residências de pessoal e até de centros de visitantes, para pessoal e visitantes que não existem. Muito do dinheiro mal usado em unidades de conservação do Brasil se deve a planos de manejo mirabolantes ou que não previram etapas sucessivas de desenvolvimento de infra-estruturas.
Quiçá a melhor forma de encarar o problema dos custos de implantação e manejo de uma área protegidas seja fazendo uma estimativa não muito precisa dos custos a longo prazo e sob condições ideais mas, também, uma estimativa detalhada para curto e médio prazo, que leve cuidadosamente em conta a realidade orçamentária da instituição e as necessidades reais, imediatas, de infra-estrutura e equipamento. A crônica e quase insolúvel falta de pessoal nas unidades de conservação do país tampouco pode ser ignorada pelos que preparam os planos de manejo. De nada serve propor um número elevado, ainda que idealmente necessário de funcionários para a unidade, se é sabido que supri-los é legalmente impossível. Alternativas devem ser propostas, por exemplo, a co-gestão, a terceirização, o voluntariado ou a participação do setor privado.
Um pouco na mesma linha de pensamento que no ponto anterior está o fato de que poucos (na verdade só um dos planos que o autor conhece) abordam o tema da sustentabilidade da unidade de conservação. Definido o custo da implantação, a ser desembolsado de uma vez ou de modo progressivo, e conhecido o custo da manutenção, é obrigação dos autores do plano de manejo, depois de discutir as alternativas, indicar a estratégia necessária para atender as necessidades econômicas da unidade. Isso implica, previamente, pesquisar as necessidades e opções para a regularização fundiária, se for caso, e analisar cuidadosamente os ingressos previsíveis para a unidade em função de sua categoria. No caso dos parques nacionais se trata, primeiramente, de estimar os ingressos que se derivarão do número de visitantes definido pelo estudo de capacidade de carga e de manejo dos visitantes. A isso deverão se agregar outros ingressos legais para a categoria de manejo, as doações e outras possibilidades. Um plano de manejo bem feito deve incluir o equivalente a um plano de negócios sintético e sugerir as fontes potenciais de doadores nacionais e internacionais, as alternativas de convênios ou acordos viáveis, que são especiais para a unidade (por exemplo, declaração de irmãos ou gêmeos entre parques do Brasil com outros equivalentes de países desenvolvidos como no caso do Parque Nacional do Pantanal e do Everglades) e, claro, pensar em estabelecer patronatos ou fundações específicas para a unidade. A análise da sustentabilidade da unidade de conservação não implica, de modo nenhum, em renunciar ao orçamento público. Muito no contrário, este deve seguir sendo a fonte primária do financiamento das unidades de conservação. Mas é essencial fazer o exercício para poder cobrir a diferença entre o orçamento disponível e as necessidades reais, para o nível de manejo escolhido ou necessário para que a unidade cumpra suas funções.
Outro tema que os planos de manejo atuais não desenvolvem é o do impacto sócio- econômico das unidades de conservação no entorno. Os inimigos das unidades de conservação geralmente usam o argumento de que elas estorvam o desenvolvimento regional, pois “congelam” o uso de extensas áreas. A realidade é bem diferente, como se sabe de sobejo em países desenvolvidos onde, como nos EUA e Canadá, Austrália e Nova Zelândia, Costa Rica, Kenya, Tanzânia e África do Sul, o desenvolvimento econômico regional está freqüentemente completamente sustentado pelas oportunidades de negócio oferecidas pelas áreas protegidas. No Brasil o mesmo acontece no caso de parques bem estruturados, como Iguaçu, entre outros e, apenas por citar um outro exemplo de outros paises da América do Sul, basta mencionar o Parque Nacional Nahuel Huapi, na Argentina que sustenta o desenvolvimento de Bariloche.
Os planos de manejo, sem entrar em excessos de detalhamento, devem abordar o tema dos benefícios potenciais e atuais para a sociedade local (às vezes desconhecidos e sempre sub-avaliados) das unidades de conservação. Na verdade, este capítulo dos planos deve ser uma espécie de análise custo-benefício do manejo da unidade, em relação ao entorno, e ele pode determinar propostas concretas a serem incluídas no plano de manejo. Temas como geração de empregos e de renda (incluindo impostos municipais) a partir de novos negócios, como restaurantes, hotéis ou pousadas, agências de viagem e de turismo, locação de barcos, cavalos, veículos ou equipamentos, serviços de guia, etc. devem ser analisados e apresentados. Também devem ser abordados os impactos no emprego do próprio manejo da área, das suas necessidades de infra-estrutura, etc. A presença de um economista nas equipes de planejamento é indispensável.
A prática, cada vez mais comum, de encarregar a preparação de planos de manejo a pessoas que não são parte da administração das unidades de conservação é, sem dúvida, a causa de muitos dos problemas antes comentados. Essa prática é devida a problemas administrativos bem conhecidos do Ibama e das agências estaduais de meio ambiente, carentes de pessoal e, às vezes, sem pessoal treinado para essa função. A conseqüência é que a maior parte dos planos de manejo se transforma em produtos de empresas de consultoria que ganham bom dinheiro aproveitando o fato de que os documentos de licitação e de termos de referencia não são elaborados prevendo essa situação, ficando difícil reclamações por parte da agência que as contrata. Nesses casos o trabalho é feito com o menor custo possível para poder preservar o lucro, implicando pouco trabalho de campo, análise superficial e pouco tempo de participação dos consultores titulares que, apenas, referendam trabalho de campo de ajudantes pouco qualificados. Dito em outras palavras, esses produtos são feitos sem amor, sem verdadeiro interesse pela unidade de conservação.
Ao anterior se soma o fato de que o custo dos planos de manejo das unidades de conservação no Brasil têm tido, na última década, um constante aumento, passando de custar algumas poucas dezenas de milhares de dólares nas décadas dos anos 1970s e 1980s a custar, na atualidade, várias centenas de milhares de dólares e, em alguns poucos casos, até milhões de dólares. Num caso bem conhecido o custo superou os três milhões de dólares e em outros o custo superou longamente um milhão de dólares. Investir tanto em estudos é absurdo, em especial quando se sabe que não existem possibilidades de financiamento proporcional para o manejo. Grande parte da elevação do custo é justificada com os chamados estudos de base ou prévios, incluídos os de descrição física, biológica e sócio-econômica. Mas, curiosamente, os planos de manejo antigos não são deficientes em relação a estas descrições. Bem no contrário, em geral ainda que elas sejam mais breves, são mais úteis. Na verdade é que a diferencia principal dos planos antigos com os novos é que os antigos eram realizados pelo próprio pessoal das administrações de unidades de conservação e, apenas, com apoio de consultores individuais, em geral altamente qualificados. Não existia lucro empresarial, nem benefício pessoal nesses trabalhos. O melhor plano de manejo feito no Brasil, em tempos recentes foi desenvolvido pelo pessoal de um Estado, com apoio de apenas um consultor internacional. Ainda assim, a maior parte do custo foi para pagar empresas de consultoria, que fizeram os estudos prévios.
Tendo em vista o problema do custo crescentemente elevado dos planos de manejo cabe se perguntar se os estudos prévios são realmente indispensáveis para fazer um plano de manejo. Na opinião do autor, os únicos elementos indispensáveis são a informação cartográfica que permite fazer a interpretação da área para tomar decisões e, conhecer muito bem os problemas fundiários e os conflitos potenciais e atuais com os vizinhos e usuários da área. O resto é essencialmente fruto do conhecimento do terreno (por isso é absolutamente fundamental trabalhar muito com o pessoal local) e da experiência e capacidade dos responsáveis de preparar o plano de manejo. Saber ou não, por exemplo, se existe uma espécie rara de roedor ou, saber se um determinado batráquio é endêmico, entre outras coisas que os estudos podem revelar, é irrelevante para o tipo de manejo requerido numa unidade de conservação que apenas está sendo implantada e que ainda é pouco conhecida cientificamente. Para evitar erros, é suficiente ser prudente e manter grande parte da área numa zona sem intervenção humana. Os anos seguintes darão toda a oportunidade necessária para se fazer descobertas científicas e os ajustes conseqüentes no plano de manejo. Neste caso, mais do que nunca, o que é perfeito é inimigo do que é bom.
Acontece que, cada vez mais, os líderes da preparação de planos de manejo de unidades de conservação são profissionais de áreas colaterais ao tema do manejo de unidades de conservação. São profissionais de toda classe, e ainda que muitos deles sejam biólogos, raramente são verdadeiros profissionais de unidades de conservação. Não é em vão que existem, na América do Norte, faculdades universitárias que oferecem, há 70 anos, mestrados e doutorados no tema do manejo de áreas protegidas.
A participação na preparação dos planos de manejo é altamente desejável e também é, agora, um requisito legal. Mas, o sucesso destas consultas depende de como são feitas e de quais são os parâmetros da discussão e das propostas. Estas não devem e não podem sair do marco da lei, nem do que esta tolera para cada categoria de manejo. O sucesso das consultas públicas depende muito de que sejam convidadas as pessoas que devem estar (afetadas, beneficiárias, autoridades envolvidas, expertos) e não qualquer curioso que expressa desejo de participar. Os participantes devem conhecer os limites legais que caracterizam o manejo da unidade e, para isso, deveriam ser informados e inclusive, treinados previamente. A direção dos debates deve ser severa para não aceitar intervenções ou propostas legalmente inadmissíveis. A idéia de aplicar o método “ZOOP” (de origem alemã e muito em moda nos EUA), que estimula a participação muito livre, apenas termina numa enorme confusão e numa grande perda de tempo e energia, devido a que os participantes, neste caso, são de origem e nível de formação muito diferente, incluindo analfabetos. A participação deve visar principalmente recolher idéias, alternativas ou propostas de prevenção, mitigação, solução ou resolução de conflitos entre a unidade de conservação e sua vizinhança e, também, analisar as oportunidades que a unidade oferece para o desenvolvimento social e econômico e o bem-estar das comunidades vizinhas.
O risco de uma participação caótica e mal conduzida, ou feita às pressas, apenas para cumprir a obrigação legal, é de perder a oportunidade de antecipar e resolver problemas que podem chegar a ser muito sérios. Por isso, uma verdadeira participação da sociedade civil no planejamento, nem sempre depende de sessões de “ZOOP”, nem de audiências públicas e sim do contato reiterado, franco e aberto, da equipe com os vizinhos e com as autoridades, em visitas programadas e em qualquer oportunidade que seja apresentada.
A apresentação dos planos é de qualidade variável, freqüentemente excessivamente luxuosa e com escassa informação cartográfica, ou numa escala ilegível. Outros, muitos, nunca saem da versão eletrônica. Alguns planos de manejo de unidades de conservação são adequadamente divulgados, embora muitos sejam muito divulgados entre os que não precisam saber deles e muito pouco entre os que deveriam conhecer tudo sobre eles, como o próprio pessoal das unidades de conservação e os cidadãos do entorno. Os planos de manejo devem ser, também, uma ferramenta para que a sociedade civil do entorno e os usuários possam fazer cobranças às autoridades sobre a operação da unidade. Por isso, todo centro de visitantes deve ter várias cópias disponíveis para consulta, o que raramente é o caso.
O problema capital com referência aos planos de manejo no Brasil, é que não são aplicados, ou que são parcialmente, ou mal aplicados. A principal escusa para isso, como é indicado pelo mesmo autor, é que não existem os recursos para fazer o que o plano dispõe. Mas, essa resposta é uma meia verdade, já que muitas das medidas indicadas nos programas do plano podem ser executadas com os recursos que dispõem os chefes das unidades. A verdadeira resposta, nestes casos, tem duas vertentes. Uma, é a tradicional falta de respeito pelos planos ou pelas regras escritas. Nem as autoridades que autorizam que sejam feitos os planos se preocupam pela aplicação dos mesmos. Os planos são feitos porque a lei e os bons costumes indicam que devem existir. Não são vistos como o que são: ferramentas necessárias para que o manejo seja efetivo. A outra vertente da resposta é que as antes citadas deficiências na preparação dos planos os transformam, de fato, em parcial ou totalmente inviáveis. Por exemplo, a alegada “falta de dinheiro” para aplicar um plano é, em parte, responsabilidade do fato de não ter se considerado essa variável na análise do plano, como foi explicado antes.
Para concluir, se repete que os planos de manejo são ferramentas indispensáveis para o manejo e que devem ser exigidas. Sem embargo, sua qualidade é mais importante que o fato de que existam. E, finalmente, de nada servem planos de manejo que não são aplicados.
Leia também
COP da Desertificação avança em financiamento, mas não consegue mecanismo contra secas
Reunião não teve acordo por arcabouço global e vinculante de medidas contra secas; participação de indígenas e financiamento bilionário a 80 países vulneráveis a secas foram aprovados →
Refinaria da Petrobras funciona há 40 dias sem licença para operação comercial
Inea diz que usina de processamento de gás natural (UPGN) no antigo Comperj ainda se encontra na fase de pré-operação, diferentemente do que anunciou a empresa →
Trilha que percorre os antigos caminhos dos Incas une história, conservação e arqueologia
Com 30 mil km que ligam seis países, a grande Rota dos Incas, ou Qapac Ñan, rememora um passado que ainda está presente na paisagem e cultura local →