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Dias tristes

Políticos não se cansam de recorrer à velha desculpa para acabar com o meio ambiente: tem sempre um “problema social” envolvido. E um belo lucro por trás

29 de setembro de 2005 · 19 anos atrás
  • Marc Dourojeanni

    Consultor e professor emérito da Universidade Nacional Agrária de Lima, Peru. Foi chefe da Divisão Ambiental do Banco Interam...

Dias tristes estes, quando se tem a impressão que tudo o que foi feito nos anos anteriores, na difícil tarefa de preservar uma pequena amostra da natureza do Brasil, está sendo destruído. Dias cinzas, estes, nos quais os que defendem uma relação mais harmoniosa entre natureza e desenvolvimento, constatam que nem sequer furacões e ciclones “extra tropicais”, somados, são suficientes para convencer aos ricos e poderosos do mundo e do Brasil que já chegou a hora de se pensar no futuro possível, ao invés de continuar acumulando uma riqueza material que provavelmente nunca conseguirão desfrutar.

Aproveitando-se da confusão gerada pela explosão de revelações sobre corrupção que abrange desde os legisladores representantes do povo, até juizes do esporte mais popular, outros do mesmo cacife estão fazendo chegar ao Congresso e às assembléias legislativas uma onda de dispositivos legais que lhes darão ainda mais dinheiro. Só que, desta vez, será destruindo unidades de conservação existentes. Nem se fala, nesta ocasião, das suas intervenções que evitam estabelecer novas áreas, nem daquelas de outros políticos, como aquele que manda no Mato Grosso, já feitas para eliminá-las. Assim, a única notícia consoladora dos últimos dias, o encarceramento do Ali Babá paulistano, foi breve consolação para os que se preocupam com o patrimônio natural nacional.

É verdade. O país vivencia um surto sem precedentes de ações para destruir ou cercear unidades de conservação, dentre elas algumas das mais importantes, como o Parque Nacional da Serra da Canastra, a Estação Ecológica Juréia-Itatins, os Parques Nacionais do Iguaçu, Pontões Capixabas e São Joaquim. Os argumentos são monotonamente iguais, girando em torno dos “problemas sociais provocados pelas unidades de conservação” e os “direitos” da população local. Qualquer análise revela, da mesma forma rotineira, que os tais problemas sociais não existem ou que, se existem, não são provocados pela área protegida ou, ainda, que não compete a ela resolvê-los. De outra parte, se constata que os aludidos “direitos” são, em geral, adquiridos através de violações da lei. Se a análise é aprofundada se ratifica, inequivocamente, que alguém vai ganhar muito dinheiro com isso.

Exemplos? A Estação Ecológica Juréia-Itatins, em São Paulo, uma verdadeira jóia natural a poucos quilômetros da maior cidade da América do Sul, poderá ser totalmente ou em grande parte recategorizada como reserva extrativista. Isso significa, simplesmente, que qualquer pessoa poderá fazer nela o que bem quiser, inclusive respeitando a permissiva lei. Desde cultivar banana e criar gado a construir pousadas, urbanizar, coletar palmito ou caçar com o pretexto de que é para o sustento familiar. O resultado será, em poucos anos, transformar esse paraíso natural numa área de agropecuária e/ou urbana.

Com certeza os deputados estaduais petistas que promovem a mudança não são diferentes de tantos outros petistas do grupo majoritário e que seguramente não são utópicos lutadores do bem social. É provável que eles ou seus acólitos já tenham escolhido os setores que lotearão para residências de lazer. Se realmente tivessem sensibilidade social, fariam exatamente o contrário, lutando bravamente para preservar o patrimônio da sociedade. E, como de fato existem problemas sociais na região, eles proporiam uma lei que disponibilizaria os fundos públicos necessários para reassentar a população que dizem defender, no lugar de propor a destruição do patrimônio nacional. Unicamente os setores já irremediavelmente degradados e intensamente ocupados poderiam, eventualmente, ser separados da unidade de conservação com base em um estudo técnico imparcial.

Outro exemplo? Outra vez o Parque Nacional do Iguaçu foi invadido. Já não pelos vizinhos que querem dividir o Parque em duas partes por uma estrada. Agora, são supostos índios que cansados de esperar terra a que alegam ter direito no sul do Brasil, acharam que o mais fácil é se instalar no Parque, no qual dia a dia desmatam a floresta, caçam e poluem a água. Nem alegam ter direitos ancestrais. Apenas acharam mais fácil invadir o Parque que uma fazenda. Nestas, o dono, o juiz e a polícia tomam medidas rápidas para mandá-los embora. No Parque eles sabem que esperando que a Funai e o Ibama, seus advogados e filósofos, assim como outros indefiníveis responsáveis pelo assunto, decidam algo, eles já terão até netos nascidos no Parque. Só que então não haverá mais Parque. Outra vez, a solução escolhida é permitir a destruição da minúscula amostra da natureza, perdida num oceano de soja, ao invés de exigir os recursos para transladar os índios a outro lugar. A solução, uma vez mais, é contra todo mundo e contra o bom senso, pois se o Parque é protegido e os índios são tratados humanamente, todos sairão ganhando.

Os outros casos são iguais. Na Serra da Canastra, ou nos Parques Pontões Capixabas e São Joaquim, se trata de interesses pessoais de políticos que, amparados nos supostos ou reais direitos de terceiros, sistematicamente, pretendem resolver o problema redelimitando as áreas, eliminando-as ou evitando sua ampliação. Revelando as suas verdadeiras intenções, jamais propõem votar as verbas para atender os traslados ou indenizações necessárias. É inacreditável que exista, nestes dias, quando se fala da revitalização do rio São Francisco, propostas para prejudicar sua fonte original. E, onde está o Ministro da Integração Nacional, esse que fala tão bonito e com tanta aparente sinceridade sobre a necessidade de proteger o rio, no momento de defender o Parque da Serra da Canastra?

Tudo isso acontece, como se mencionou no começo, no meio das evidências de que a natureza amiga está morrendo e seus estertores podem ser terríveis como foi demonstrado pelos fenômenos pouco naturais que castigaram as costas da América e pelos fogos infernais que destruíram as florestas européias. Acontece, exatamente quando a gente mais ilustrada do país e do mundo tem convertido o último livro de Jared Diamond, Colapso, num dos mais lidos da atualidade. Mas, nada pode distrair aos “pais da pátria” de seu objetivo de lucro rápido, seja econômico ou político, que no final é o mesmo. Nenhum vai perder tempo lendo a “um tal de Diamond” quando pode se deleitar contando os dólares transportados na mala ou na cueca, que tarde ou cedo receberam por destruir um pouco mais da natureza que é de todos e que eles juraram defender quando assumiram seus cargos… Ou não juraram defender a Constituição?

Os políticos, até os que se fazem de bonzinhos, continuam enganando a população com seus discursos ocos e suas propostas mentirosas, como o anúncio recente do Ministério do Meio Ambiente de estabelecer milhões e mais milhões de hectares de unidades de conservação ao longo da BR-163 que, de uma parte, não passam de projetos improváveis e que, quando analisados, demonstram que ainda se fossem aprovados iriam proteger muito pouco, posto que as categorias escolhidas não proíbem praticamente nada. São os mesmos políticos, no legislativo e no executivo, que perdem anos discutindo leis sobre transgênicos e sobre biopirataria, que significam muito pouca coisa de concreto, embora com toda a tranqüilidade do inocente, deixam as unidades de conservação sem um tostão furado e aplaudem qualquer redução de seu tamanho, esquecendo que sem elas todo o pomposo blá blá blá sobre “preservar o patrimônio genético nacional” é uma patranha. Sem unidades de conservação representativas e bem manejadas, a diversidade biológica do país tem a sua extinção garantida. O resto será choro sobre leite derramado.

Oxalá alguns levantem, no Congresso e nas assembléias legislativas, a bandeira da sensatez ambiental, que diferenciem entre o joio e o trigo nas ações escolhidas e que saibam que a luta pelo meio ambiente é tão social como a luta social, pois é parte dela. E que também reconheçam que conservar o meio ambiente se faz, essencialmente, no terreno, onde estão as áreas protegidas que protegem a vida, especialmente a vida humana. Será que o Partido Verde pretende assumir essa bandeira?

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