Existem milhares de organizações ou agências internacionais, grandes e pequenas, ligadas aos mais diversos sistemas de ajuda internacional ao desenvolvimento. Cada sistema é regido por um astro refulgente, uma estrela como o nosso Sol. O maior, na galáxia da cooperação internacional ao desenvolvimento, é o sistema das Nações Unidas (ONU), com centenas de agências em órbita ao redor da sua sede, em Nova York. Mas, cada organização regional, como a dos Estados Americanos (OEA), também dispõe de suas agencias especializadas orbitais e do mesmo modo elas existem, baixo o nome de grupos, em órbita ao redor do Banco Mundial e de cada banco multilateral de desenvolvimento. Mas, fora desses sistemas maiores existem outros bem menores e muito menos conhecidos que tratam de quase qualquer tema de interesse para a humanidade, conformando a poeira cósmica da galáxia da cooperação internacional ao desenvolvimento.
Uma dessas organizações menores é conhecida pelas suas siglas ITTO (International Tropical Timber Organization) ou OIMT (Organização Internacional da Madeira Tropical). O de “menor” não deve impressionar negativamente pois, pequena ou não, dispõe a cada ano de muitos milhões de dólares. Sua função no universo da cooperação internacional ao desenvolvimento é bastante específica: “Promoção, conservação, manejo sustentável, uso e comércio de recursos florestais tropicais”. Começou a operar em 1990, embora, sua origem se remonta a 1983, quando a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD) promoveu o International Tropical Timber Agreement (ITTA) ou Acordo Internacional sobre a Madeira Tropical. Na atualidade, dispõe de uns 35 funcionários baseados em Yokohama, Japão, graças à generosidade do Governo desse país e da Prefeitura da cidade hospedeira. Na sua breve história a ITTO já financiou ao redor de 700 projetos por um valor de US$280 milhões e, especialmente, mantém um excelente programa que coleta, processa e registra dados sobre o comércio mundial de madeira e outros produtos das florestas tropicais.
A OIMT tem uma forma de governo sui generis. Diferente de outras organizações, esta dispõe de dois comitês, um de países produtores de madeira tropical e outro dos países consumidores, que se reúnem independentemente e que tomam as decisões finais num conselho. Na verdade, isso é uma formalização do que, na prática, ocorre em todas as organizações inter-governamentais e especialmente na ONU, onde existem grupos que representam os interesses comuns aos países em vias de desenvolvimento. A ITTO reúne 59 países que são donos dos 80% das florestas tropicais do planeta e que desenvolvem 90% do comércio de madeiras tropicais. O Diretor atual da ITTO é um brasileiro e o anterior foi um malaio.
Financiamento problemático
A ITTO, como tantas outras agências internacionais, depende para seu financiamento dos aportes e quotas dos países desenvolvidos e das quotas dos países em vias de desenvolvimento, neste caso, os chamados países “produtores”. Dito seja de passo, esse término é inadequado já que grandes países produtores, são também enormes consumidores de madeira tropical, como é especialmente o caso do Brasil. E, nesse aspecto, a ITTO sofre dos mesmos problemas que todas as outras agências internacionais, exceto os bancos. Faz-se referência como é evidente, à crescente falta de recursos financeiros para operar, apesar de que os requerimentos são cada dia maiores. O caso da ITTO é extremo já que os fundos novos passaram de US$18 milhões em 1997 a apenas US$2,4 milhões até outubro deste ano, o que representa uma redução a apenas 13% do que eram em 1997. E, as alocações anuais para projetos, caíram de mais de US$20 milhões em 1997 a apenas US$3,8 milhões até outubro 2006. Desde 2002 os aportes dos doadores são inferiores aos 12% do que eram previamente. Evidentemente, o trabalho da ITTO está seriamente comprometido e os projetos aprovados pelo Conselho podem esperar anos até receber o financiamento oferecido, o que implica graves transtornos para os beneficiários.
Os doadores principais tem sido Japão, Suíça e EUA, mas, o primeiro é o mais importante. A redução dos aportes se deve, principalmente, a que o Japão cansou-se de ser o principal suporte da organização sem que os outros doadores cumpram com as suas promessas de aportar fundos significantes. Países doadores importantes como Alemanha, França, Inglaterra, os países nórdicos, Holanda, Canadá, Espanha e os próprios EUA têm aportado quantias marginais. Assim sendo, o Japão está reduzindo gradativamente seus aportes e, claro, a instituição está a cada dia mais débil. De outra parte, muitos de seus membros produtores relegam o pagamento das suas quotas alegando pobreza ou qualquer outro pretexto, inclusive guerras internas e revoluções, esquecendo que a aprovação de apenas um projeto por ano resultaria em um grande negócio para o país.
Dito de outra maneira, a ITTO é uma vítima a mais da atitude incoerente dos países ricos, que com grande pompa criam novas instituições internacionais para resolver problemas mundiais gerados nos países pobres embora, muitas vezes por culpa dos ricos e que, pouco depois, as abandonam. Isso é parte do fato bem conhecido que os países ricos têm violado sistematicamente suas promessas de aportar uma pequena porcentagem de seus produtos internos brutos ao desenvolvimento sustentável e socialmente justo, especialmente para aliviar a pobreza crítica.
Coisas da burocracia
Deve se reconhecer que a ITTO, por obra de seus membros, é um bicho raro. Por exemplo, apesar de ser uma instituição pequena e com poucos recursos se dá ao luxo de se reunir plenariamente duas vezes por ano, gastando em cada ocasião varias centenas de milhares de dólares, sem contar o que também gastam os governos participantes. Os países consumidores, que pagam a maior parte da conta, desejam só uma reunião por ano, mas, os produtores, não aceitam isso apesar da economia que representaria. Nas últimas duas reuniões, a Papua Nova Guiné, um minúsculo país improvável, tem insistido em hospedar a próxima reunião. Deve ter gasto já uma pequena fortuna para se promover como sede, incluindo preparação de vídeos, panfletos e outras publicações, viagens de diplomatas e funcionários, mas, insiste, sem vergonha nenhuma, em solicitar centos de milhares de dólares de doação para pagar os custos do evento. O Banco Mundial e outras organizações que manejam bilhões de dólares por ano se reúnem apenas uma vez a cada ano e até isso é demais.
A ITTO produz seus documentos em três idiomas e traduz suas reuniões em quatro, o que significa um enorme custo, em grande medida não necessário pois, finalmente, todos os participantes falam um inglês razoável, que é a língua franca do século XXI. O espanhol e o francês ajudam a um punhado dos participantes mentas que legiões de participantes asiáticos (chineses, coreanos, filipinos, indonésios, vietnamitas, tailandeses) devem escutar, ler e falar em inglês.
Também incorre como tantas outras organizações em uma infinidade de regras que elevam os custos de operação e não creditam benefícios proporcionais. A ITTO não é parte da órbita da ONU, mas adotou quase todas as regras e prebendas desta. Também, como outras agências, a ITTO já começou a criar satélites artificiais que devem girar em torno dela, baixo a forma de fundos especiais que providenciam bolsas e outros apoios que não são a essência de seu trabalho. E, do mesmo modo, esta organização tem começado a diversificar e expandir a sua missão central a uma série de temas periféricos que elevam seus custos e diluem seus poucos recursos.
Por exemplo, na última sessão do conselho se discutia veementemente a proposta dos EUA de incluir no programa projetos vinculados a espécies de fauna e flora silvestres raras ou em extinção, tema vinculado a Convenção Internacional sobre Comércio de Espécies Ameaçadas, mais conhecida como CITES, pelas suas siglas em inglês. Os europeus, com toda razão, alegavam que uma agência especializada em madeira, como seu próprio nome indica, não deveria se intrometer direta e especificamente com a fauna em perigo, tema que de outra parte é desenvolvido por várias outras agências. Eles recomendavam que a ITTO se limitasse a tratar das espécies que produzem madeira tropical e que estão ameaçadas, como o mogno. Já antes, também pressionada por países membros e organizações não governamentais internacionais, a ITTO decidiu entrar a fundo no tema altamente particular das áreas protegidas fronteiriças o que, na verdade, tampouco tem muito a ver com a sua finalidade e que, de fato, é tarefa de outras agências. Deve-se reconhecer que estas iniciativas diluentes não são da equipe da ITTO, que as vê com preocupação.
A multiplicação das agências
Não se trata aqui de criticar a ITTO que, dito seja de passo, tem um bom recorde no que faz. Trata-se, usando o exemplo, de explicar um fenômeno muito comum nas organizações internacionais que, quase todas, estão passando por uma crise similar à mencionada no caso da ITTO. Elas têm uma enorme tendência a se multiplicar, em principio para tratar de assuntos específicos, como no caso da madeira tropical, mas, pouco a pouco abrangem temas que são desenvolvidos também por outras agencias, competindo às vezes sem competência por fundos escassos. Um recente estudo do sistema da ONU, um a mais entre os muitos já feitos, confirma a existência de dezenas de agências do sistema fazendo em maior ou menor grau o mesmo que as outras e não fazendo bem o que eram suas tarefas originais. De todos os temas, o ambiental é um dos que mais duplicações sofrem e se acha em praticamente todas as agências da ONU. Os assuntos florestais, que são ambientais por definição, sofrem muito deste mal.
Aparte da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) que, até os anos 1980 era a única que tratava dos assuntos florestais, agora se trabalha isso em todas elas, especialmente no nível do Programa da ONU para o Desenvolvimento (PNUD), da Organização das Nações Unidas para a Educação e a Ciência (UNESCO) e do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Mas, todas as outras agências do sistema, até a organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Mundial do Trabalho (OIT) tratam extensamente do tema florestal desde ouros ângulos. Fora ou relacionado à ONU também se ocupam das florestas o Fundo Global para o Meio Ambiente (FMAM ou GEF), a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), todos os bancos multilaterais e, obviamente, os centros internacionais de pesquisa agronômica ou seja os bem conhecidos CGIAR dos que dois estão especializados em pesquisa florestal: o Centro Internacional de Pesquisa Florestal (CIFOR) e o Centro Internacional de Pesquisa Agroflorestal (World Agroforestry Cente). Mas, as instituições mencionadas são apenas a ponta do iceberg ou, se preferir, o extremo da galáxia, pois são mais de uma centena as organizações que, de uma forma ou outra, também mexem com as florestas no nível internacional, fazendo programas e projetos e gastando dinheiro com esse pretexto. Nem centros internacionais de pesquisa agronômica como os da batata, do arroz e dos cultivos tropicais resistem à tentação de tratar com alguma freqüência de temas ambientais e florestais. E, caro leitor, preste atenção: até agora só se fala das internacionais governamentais pois, se afinarem o telescópio e começar a olhar as internacionais privadas, como o World Wide Fund for Nature, a Conservation International, The Nature Conservancy ou as especializadas como Forest Trends e Tropical Forest Fundation e, de outra parte, as de tipo bilateral, as alianças entre elas, e outras combinações, o problema se multiplica, como as estrelas, quase ao infinito.
Tendo conhecimento dessa realidade não pode mais chamar a atenção que as agências como a ITTO não tenham fundos e que as florestas tropicais, apesar do muito que se fala delas, estejam abandonadas e em aberto processo de desaparecer prontamente da face da terra. A primeira vítima desse processo, décadas atrás, foi a FAO, cujo Departamento de Florestas foi o pioneiro do manejo florestal e o precursor de todas as atividades florestais modernas na América Latina, especialmente estabelecendo as que até hoje são as mais importantes escolas de engenharia florestal. A FAO não suportou bem o embate da popularidade “ambiental” gerada na primeira Conferência Mundial sobre Meio Ambiente realizada em Estocolmo, em 1972 e, definitivamente, ficou fora de combate com os acontecimentos que seguiram a da Rio 92. Os poucos recursos foram para outros donos, como o PNUD que no lugar de atuar como banco da ONU se converteu em executor, deixando as agências especializadas, como a FAO, desamparadas. Os detritos da FAO, que valentemente sobrevive, foram recolhidos pelos atores atuais, como o CIFOR e a ITTO dentre outros, mas, obviamente, os recursos para cada uma são escassos e muito disputados.
O pior
O pior de todo, nos assuntos de cooperação internacional para o desenvolvimento, é a já mencionada incoerência e inconsistência dos países do primeiro mundo. Eles se comprometem em seus raros momentos de generosidade eufórica, a aumentar e até a duplicar sua assistência aos países pobres, mas, salvo pouquíssimas exceções, a verdade é que não só não as aumentam senão que, de fato, seu aporte tem proporcionalmente diminuído ano a ano. Nunca chegaram nem perto do 1% de seus produtos brutos internos. Muitos países e especialmente os EUA usam esse apoio como parte de suas estratégias geopolíticas e, obviamente, por conquistar mercados.
Esses mesmos países são os que, de uma parte, debilitam as agências da ONU não aportando os recursos devidos nem necessários e que, de outra, fomentam a proliferação de organizações e agências obrigando-as a competir entre elas. Como no exemplo da ITTO são os EUA os que forçam a barra para que essas agências altamente especializadas absorvam tarefas adicionais que, claramente, não são da sua competência e, ademais, sem providenciar recursos adicionais. Também serão esses mesmos países os primeiros em criticar a suas criaturas quando seja óbvio que elas não conseguem mais cumprir suas funções. Então, como se faz com a legislação na América Latina, se criará uma nova agência para fazer o que a anterior não fez. E, com certeza, tampouco se desativará a agência pré-existente. Parece impossível? Pos acredite ou não, estão rolando por lá pelo menos duas propostas sérias de criar uma nova agência internacional florestal, desta vez centrada no pagamento por serviços ambientais como os da fixação de carbono na biomassa. Dito seja de passo, na última reunião do conselho da ITTO os EUA também propuseram que a ITTO se ocupe desse assunto. Apenas deveriam leva em conta mudar o nome da organização pois se a ITTO vai se ocupar de espécies da fauna e da flora ameaçadas, das áreas protegidas e do efeito estufa, é provável que sua responsabilidade original sobre manejo de florestas e comércio de madeiras tropicais fique bem para trás.
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