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Lição política

Pode-se discordar das soluções propostas pelo MMA para o desmatamento. Mas, no meio desse atoleiro em que se meteu o governo, é das poucas áreas que se mexe.

15 de julho de 2005 · 19 anos atrás
  • Sérgio Abranches

    Mestre em Sociologia pela UnB e PhD em Ciência Política pela Universidade de Cornell

Enquanto o resto do governo está paralisado pela crise que ameaça o governo do presidente Lula, a ministra Marina Silva e sua equipe fazem de tudo para correr atrás do prejuízo: o pior desmatamento na Amazônia, em muitos anos; sinais de que o primeiro semestre deste ano foi pior que o do ano passado. Aproveitando a brecha que se abriu depois que o governo desistiu da operação abafa, que havia colocado o PL das Florestas no último lugar na lista de prioridades para votação, a ministra entrou em campo com seu time, mostrando que é possível negociar no chão do plenário, mesmo quando o Congresso está politicamente em chamas. Aprovado o PL na Câmara, só resta esperar agosto chegar, para tocar sua aprovação no Senado. Lá enfrentará algumas resistências importantes, mas é a casa da ministra, ela conhece as regras do clube.

No interregno, resolveu negociar com o principal agente público do desmatamento hoje no Brasil, o governador de Mato Grosso, Blairo Maggi. No calor da Operação Curupira e da moratória decretada para o desmatamento na região, conseguiu uma reunião que o governador vinha se recusando a fazer. O governo do Pará já havia topado e há ações já em curso naquele estado, o outro grande vilão da nossa tragédia amazônica, decorrentes dos acordos fechados com a equipe de Marina.Nossa Carol Mourão, rapidinha como sempre, conta como foi que se deu a reunião com Maggi. Foram cinco horas de conversa, que levaram a vários acordos. O Mato Grosso passará a ser coberto pelo Deter, o governador está se dispondo a deter a devastação que tem, até agora, patrocinado.

Quando examinamos o quadro recente da política ambiental, vemos o seguinte: péssimas notícias abalando a confiança na capacidade do Ministério do Meio Ambiente de enfrentar a situação; a equipe da ministra Marina Silva demorou a reagir, não parecia ter visão estratégica sobre como controlar o processo de perdas crescentes, principalmente nas áreas conflagradas da Amazônia. De fato, foi preciso a evidência incontrastável de que, dado o ritmo do desmatamento na temporada das águas, quando ele é menor, a temporada seca, que começa agora, seria catastrófica, para o ministério ir à luta. E, agora, já tem serviço para mostrar.

Eu sei que as medidas defendidas pela equipe da ministra Marina Silva são polêmicas e sofrem oposição de ambientalistas muito respeitáveis. Sei, também, que o ministério tem um déficit injustificável na gestão das áreas de conservação. Mesmo com a crise fiscal estrutural do estado, há o que se possa fazer para evitar o processo de degradação acelerado dessas unidades. Nesse caso, reproduziu-se o padrão que o PT imprimiu em toda a administração pública: ocupação do aparelho de estado por quadros quase sempre sem a qualificação necessária.

Mas há dois aspectos relevantes a serem considerados. O primeiro, tem a ver com o espírito da democracia. Os governos são eleitos para formular e implementar políticas públicas que melhorem a situação geral do país e da população. Não, claro, para fazer clientelismo e patronagem. Nas democracias respeitáveis, o que diferencia os governos é a visão de quais são as prioridades e as maneiras de enfrentar os problemas que identificam em seus diagnósticos do estado da Nação. Presume-se, portanto, que a vitória de um candidato à Presidência da República signifique um mandato para que o governo formule as políticas públicas a seu modo. No caso, venceu o modo petista de ver e fazer as coisas.

Antes que alguém me lembre, quero dizer que estou falando do lado sério das coisas. É lógico que não houve autorização para um projeto hegemônico, que se serve da ocupação do aparelho de estado para perseguir e desqualificar adversários, coisa que ocorreu com freqüência intolerável, pelo menos sob a égide da coordenação política, quando era todo-poderoso como Chefe da Casa Civil o ex-ministro José Dirceu. Nem houve mandato para expedientes como o “mensalão”. Mas o governo conquistou nas urnas o direito de experimentar suas soluções para os problemas nacionais, de acordo com seu próprio diagnóstico da situação.

Muitas dessas soluções estavam erradas no nascedouro, porque eram inexeqüíveis, obsoletas ou tecnicamente deficientes. Eu mesmo afirmei, em coluna na revista Veja, que o “Fome Zero” jamais daria certo, era tecnicamente inepto. E não deu. O governo Lula tem muita resistência a aceitar críticas. Sua tolerância democrática é, certamente, muito menor que a minha. No caso do PL das Florestas, levando em consideração a opinião de ambientalistas também respeitáveis, estou disposto a dar à equipe do Meio Ambiente, o benefício da dúvida, reconhecendo, de pronto, o direito democrático de tentarem a sua via. O argumento dos ambientalistas que apóiam a proposta de manejo florestal do MMA que considero mais forte é que, dada a incapacidade de fiscalização e a crise fiscal, o manejo passa a ser a melhor defesa possível da devastação desordenada. No mínimo cria barreiras de amortecimento ao avanço do corte ilegal.

O segundo aspecto relevante é que, dado que têm um plano de ação, os agentes do governo devem demonstrar ter capacidade de buscar os meios para implementar as suas políticas. Seria o mínimo de capacidade de governança. A equipe do Meio Ambiente, mostrou, nos últimos eventos, estar disposta a encontrar o caminho político para garantir os meios necessários à execução de seus programas. No caso do PL das Florestas, a ministra, ao contrário de seus colegas de Esplanada, não hesitou em procurar o ex-presidente Fernando Henrique, para que a ajudasse a remover obstáculos à sua aprovação criados por deputados do PSDB. Soube aproveitar o fato de que os parlamentares estão na defensiva e sensíveis a danos de imagem e usou a pressão ambiental para fazer passar um projeto polêmico, que tem muitos adversários e seu governo não apoiou politicamente. Se essa habilidade fosse mais comum no governo, ele poderia fracassar porque as soluções que imagina não são boas, mas não por paralisia e inação.

O mesmo é verdade no caso do acordo com o governador Blairo Maggi. A pressão internacional com o novo patamar de devastação amazônica põe em risco a economia sojeira do Brasil. Há risco real de “barreiras verdes” contra a soja brasileira e de boicote de consumidores. Atingiria negativamente o caixa do estado do Mato Grosso e das empresas de Maggi. O governador, que surgiu no cenário nacional como um exemplo de modernidade em uma região marcada pelo atraso político – e por isso se elegeu – se tornou internacionalmente conhecido como o algoz da Amazônia. Ruim para a política e para os negócios. Boa hora para chamar para uma conversa à vera, de muitas horas e marcada para terminar em atos assinados e não só promessas vãs.

Na hora em que estiver o PL transformado em lei e com os acordos em implementação com o Pará e o Mato Grosso, a equipe do Meio Ambiente estará em condições de dar seqüência às ações que considera possam dar resultados melhores do que os que outras equipes obtiveram. Demorou, falta um ano e meio para esse mandato terminar. Mas não há paralisia mais no Meio Ambiente. Há obstáculos enormes e a fiscalização e a regulação do estado brasileiro, principalmente no setor do meio ambiente, são muito precárias. Os projetos para usar o manejo como amortecedor da devastação podem se perder na implementação. Mas, novamente, cabe o benefício da dúvida. Com os instrumentos que julgam ser necessários para agir e ter resultados, se falharem, podem ser mais apropriadamente cobrados pelo fracasso.

Eu acompanho a conjuntura diária da política brasileira. Esse governo enfrenta uma crise de governança desde o final de 2003. Tem demonstrado rara incapacidade para lidar com crises. Suas atitudes hegemônicas, o desprezo pelos aliados, erros táticos e estratégicos de condução política, só agravaram essa crise, que foi imobilizando o governo e paralisando suas políticas. A maioria jamais andou. A crise ético-política de agora é um desdobramento dessa desgovernança. E uma das características mais marcantes dos operadores políticos do governo – falo das operações legítimas, claro – é sua incapacidade de negociar. Os dirigentes do PT no governo agem politicamente com a lógica dos sindicatos e dos movimentos sociais. É fácil de entender: o PT é um partido de mobilização, ou de “movimento e luta”, como o definiu seu novo presidente, Tarso Genro. Eles sabem usar o conflito como forma de pressão para obter concessões do “outro lado”, mas não são bons de resolver conflitos. São mestres na mobilização para a luta, na conclamação para ir às ruas, mas não demonstram capacidade para negociar a paz nos gabinetes. Eles fazem pressão para negociar, mas não são de negociar sob pressão. E é esse viés de luta, incompatível com a arte de governar, que levou à crise de governança e hoje ameaça a própria governabilidade.

Pelo que vi e ouvi, a equipe comandada por Marina Silva tem feito o contrário. Tem usado a dose certa de pressão, tem sabido negociar e cresceu sob pressão, sem perder as estribeiras e partir para o confronto. Uma lição política que o governo precisa aprender urgentemente. A única saída boa para esta crise do mensalão é negociada mas, até agora, os dirigentes do PT – e o próprio presidente – vivem um clima de “luta política”, estão no confronto, radicalizando a polarização com a oposição, num movimento que, historicamente, tem dado em ruptura e não em fortalecimento da governança.

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