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O Crash do Século XXI

Relatório do Worldwatch Institute mostra que nós não marchamos ainda para o colapso ecológico do planeta, mas podemos estar perto de um crash econômico global.

27 de janeiro de 2006 · 18 anos atrás
  • Sérgio Abranches

    Mestre em Sociologia pela UnB e PhD em Ciência Política pela Universidade de Cornell

Acaba de sair o novo relatório sobre o estado sócio-ambiental do mundo do Worldwatch Institute (WI). Desta vez, não é um relatório temático, como costuma ser. Seu foco foi posto na China e na Índia. Fácil imaginar por que. Eles concentram 40% da população mundial. Nos últimos anos, a China tem crescido a quase 10% ao ano e a Índia tem tido um crescimento médio de 6%. Há quem aposte que, com algumas reformas, pode vir a superar a China. A população da China continuará a crescer até 2050, quando terá mais 250 milhões de pessoas e a da Índia para além disso. Vai crescer 30%, nos próximos 20 anos, o que significa somar mais 320 milhões de pessoas à população global. Para se ter uma idéia, é mais população do que o Brasil jamais terá. Devemos estabilizar nosso crescimento em 2030, com perto de 240 milhões de pessoas.

Com esse tamanho e esse crescimento, os dois representam uma nova e poderosa máquina de drenagem dos recursos naturais do mundo. Ou, para usar a linguagem ambientalista, estão aumentando rapidamente sua pegada ecológica. Por isso, também, terão um impacto significativo na dinâmica da geopolítica mundial, sobretudo a China.

A questão é saber se o mundo tem condições de atender à demanda crescente desses dois gigantes por energia, matérias-primas e comida e se os seus respectivos ecossistemas têm condições de lhes oferecer água fresca, ar limpo e terra fértil para acompanhar toda essa expansão.

China, Índia e o estado do mundo

No prefácio ao relatório que o Worldwatch Institute acaba de divulgar, State of the World 2006, Special Focus: China and India, Cristopher Flavin, seu presidente diz que, pelos cálculos do Instituto, se esses dois países demandassem a mesma quantidade de petróleo per capita que o Japão, suplantariam toda a demanda mundial. E, continua, se sua demanda sobre a biosfera se comparasse à da Europa de hoje, seria preciso um planeta terra inteiro para manter esses dois países. Ele conclui que, “a não ser que encontremos, nas próximas décadas, uns dois planetas terra disponíveis, nenhuma dessas duas previsões vai se confirmar”.

Este é o ponto chave. O ritmo de crescimento dos dois gigantes, mais o que já consumimos da biosfera indicam que teremos crise à frente. Estamos chegando cada vez mais perto do momento em que esse modelo de desenvolvimento, iniciado com a revolução industrial, começará a bater nos seus limites. Em outras palavras, antes do colapso ecológico, o mundo enfrentará uma grande crise econômica e essa crise nos permitirá repensar nosso modelo de desenvolvimento.

O relatório nos relembra que o ano de 2005 foi um ano de grandes catástrofes naturais e que todas elas tiveram seus danos físicos e em vidas humanas potencializados pelo estado degradado do ambiente, tanto na Ásia, quanto em New Orleans. Por exemplo, nas regiões devastadas pelo tsunami, as áreas com manguezais intactos sofreram muito menos do que aquelas em que os manguezais haviam sido destruídos, como mostrou relatório recente da ONU, nos conta Manoel Francisco Britto, nesta edição. A pesquisa científica indicou, também, uma aceleração do degelo no Ártico, para nos lembrar que nada avançamos na tentativa de evitar a mudança climática, apesar da evidência crescente de aquecimento global. Por falar em aquecimento, 2004 foi o quarto ano mais quente da história e 2005 o mais quente.

Água de beber camará

Outra pesquisa mostrou que os países pobres, porém com acesso a água fresca e tratamento de esgoto cresceram em média, nos últimos anos, 3,7% e os que não têm acesso a boa água, só cresceram em média 0,1%.

Mas o centro do relatório tem seu foco nos dois gigantes. E ambos têm problemas gravíssimos de água. “Os milagres econômicos da China e da Índia estão nublados pelos mais graves problemas ambientais do mundo, que já estão cobrando um alto preço à saúde humana e ecológica desses países”, diz.

A China tem apenas 8% da água fresca do mundo, para atender a 22% da população mundial. Mas tem pouca água de qualidade: a extrema poluição torna a maior parte de sua água inservível. Amostras retiradas de 412 pontos de seus sete principais rios, em 2004, revelaram que 58% das amostras estavam poluídas demais para o consumo humano. Em 2005, o vice-ministro da Construção afirmou, segundo o WI, que 100 das maiores cidades do país enfrentarão, em breve, grave crise de suprimento de água.

Na Índia, onde apenas 10% dos esgotos são tratados e poluentes urbanos e industriais são jogados diretamente nos rios, muitos deles, inclusive os maiores, se tornaram “fétidos esgotos”, afirma, citando um estudo recente do Banco Mundial. A chuva ácida está causando danos à agricultura, matas e seres humanos, em proporções relevantes. O ar da China é um dos piores do mundo. “Se os problemas ambientais não forem revertidos, a deterioração ambiental ameaça se tornar um decisivo obstáculo ao desenvolvimento econômico da China e da Índia”, conclui.

A pegada

Mas, o presidente do Worldwatch Institute adiciona um ingrediente a mais na geopolítica do dilema ecológico da humanidade, representado pelo tamanho da pegada ecológica de alguns poucos gigantes. “Para mim, como americano, uma das conclusões mais contundentes que emerge de nossa análise é como o EUA é dominante no que se refere ao uso de recursos e à poluição. Para uma gama de commodities, este país não apenas usa 10 a 20 vezes mais que a China e a Índia, em valores per capita, mas também o dobro do que usam os países europeus, quase tão ricos quanto ele. Em petróleo, por exemplo, o EUA importa quase quatro vezes mais que a China, embora tenha um quarto de sua população.(…) Dadas a escala das demandas do EUA e sua liderança, como exemplo para muitos países ainda, uma nova trajetória econômica é tão crucial para o EUA, quanto para a China e a Índia”.

A tabela abaixo mostra que a pegada ecológica do EUA e da China, já corresponde a 43% da biocapacidade global. Somando-se a Índia, a tripla pegada atinge a 50% de nossa biocapacidade. A pegada ecológica é uma medida em hectares globais de água e terra, da relação entre a economia e a natureza: os insumos que a economia retira da natureza e os rejeitos que despeja nela. A tabela mostra, também, que a pegada ecológica dos três já passou muito os limites sustentáveis por seus respectivos ambientes domésticos. O que significa que só lhes resta consumir mais recursos dos outros.

A resolução dos conflitos e a consciência dos limites, ainda que de forma muito traumática, pode produzir uma nova ordem econômica e política global, associada a uma nova estrutura de governança global e salvar a história do futuro do planeta.ós

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