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O Futuro dos Biocombustíveis

Os biocombustíveis terão papel importante na energia de baixo carbono do século XXI. Mas não os que temos hoje. O Brasil precisa investir na segunda geração de biocombustíveis.

26 de fevereiro de 2008 · 17 anos atrás
  • Sérgio Abranches

    Mestre em Sociologia pela UnB e PhD em Ciência Política pela Universidade de Cornell

Os biocombustíveis serão uma parte importante da matriz energética global em 2025? Quem disser que não, provavelmente errará. Os biocombustíveis que estarão em uso em 2025 serão os mesmos que utilizamos hoje? Quem apostar que sim, perderá a aposta.

A produção mundial de de álcool/etanol, dobrou nos últimos quatro anos. Hoje ela consome 23% do milho produzido no EUA, para suprir 3% de suas necessidades de combustíveis. A produção de biodiesel quintuplicou nesse período. Ainda assim, os biocombustíveis respondem por apenas 1% das necessidades globais. Usando as tecnologias de hoje, dificilmente chegarão a 5% do consumo global, ocupando uma quantidade insustentável de terra de cultivo.

Cresce a reação da comunidade científica contra a produção atual de biocombustíveis, como resposta eficaz ao desafio de redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) por combustíveis fósseis. A Royal Society, publicou (aqui) recentemente relatório sobre “biocombustíveis sustentáveis”, no qual levanta sérias dúvidas sobre a sustentabilidade atual do etanol de milho do EUA, do álcool de cana brasileiro e do biodiesel de culturas de oleaginosas na Ásia. Um grupo de cientistas de várias instituições de pesquisa do EUA publicou estudo na revista Science (aqui), afirmando que essa primeira geração de biocombustíveis não é sustentável a longo prazo. Diz que as avaliações anteriores que apontavam redução de emissões de GEE pela substituição de combustíveis fósseis por biocombustíveis não haviam considerado as emissões resultantes da conversão de campos e florestas em culturas. Conclui No EUA, diz, a produção de etanol de milho ao invés de economizar 20% de emissões, aumenta essas emissões em 50%, quando se leva em consideração todos os fatores de emissão. Para o caso do Brasil, o quadro é bem mais positivo, mas, segundo eles, requer cálculos mais completos, que incluam os efeitos do uso da terra. Sem pressionar o desmatamento, a alta produtividade da cana de açúcar tem saldo de carbono muito positivo. O problema é o limite físico à expansão da produção de cana, sem pressionar culturas alimentares ou deslocar culturas e pastagens para áreas a serem desmatadas. Esse limite define as possibilidades máximas de álcool de primeira geração também no Brasil.

Estudo publicado na revista Biomass and Bioenergy (31:2007, págs. 416–42), assinado por Barry D. Solomon, Justin R. Barnes e Kathleen E. Halvorsen, argumenta que até que se desenvolvam tecnologias cujo horizonte comercial ainda está distante, os veículos híbridos – elétrico e gasolina – e combustíveis de biomassa constituem as alternativas mais “custo-efetivas” de curto prazo. O problema são as distorções derivadas dos subsídios ineficientes e socialmente discutíveis ao etanol no EUA. Eles reconhecem a superioridade da tecnologia do álcool de cana brasileiro, mas sustentam que as limitações associadas ao uso da terra reduzem a sua capacidade de suprimento da demanda. Jörn P. W. Scharlemann e William F. Laurance, em artigo publicado na revista Science, em janeiro passado, revêem estudos que avaliam a “eficiência-carbono” com base nas emissões totais de GEE e mostram que essa avaliação condena a maioria absoluta dos biocombustíveis de primeira geração (aqui). No caso do Brasil, o problema do desmatamento aparece como fator negativo. Eles dizem que uma questão-chave para definir a viabilidade de biocombustíveis é se ecossistemas nativos são destruídos para produzir os biocombustíveis. Independentemente da efetividade da cana de açúcar para produzir álcool, dizem, seus benefícios caem rapidamente se florestas tropicais ricas em carbono são desmatadas para dar lugar a culturas ou à pecuária deslocadas pela cana, porque levam ao aumento das emissões de GEE.

Outro artigo da Science (aqui) é ainda mais duro na avaliação dos biocombustíveis e diz que a conversão de florestas tropicais úmidas, “peatlands” (turfa), cerrados ou campos naturais para produzir biocombustíveis de fontes alimentares no Brasil, no Sudeste da Ásia e no EUA cria um “débito de carbono”, emitindo de 17 a 420 vezes mais GEE do que as reduções anuais de emissões por eles propiciadas ao substituir combustíveis fósseis. O cálculo do débito de carbono permite calcular o número de anos necessários a que a substituição de combustíveis fósseis por biocombustíveis compense essas emissões. As emissões geradas pelo corte de florestas tropicais na Indonésia e na Malásia para cultivar dendê (palma), por exemplo, levariam aproximadamente 86 anos para ser compensadas. No caso brasileiro, o débito de carbono associado à ocupação do Cerradão, mais seco, por culturas de soja para produzir biodiesel precisaria de 37 anos para ser compensado. Se a soja do biodiesel destruir floresta Amazônica, esse período aumentaria para 320 anos. O álcool de cana no Cerrado mais úmido criaria um passivo equivalente a 17 anos. O etanol de milho cultivado pela conversão de campos naturais, um passivo equivalente a 93 anos.

O que fazer, então? Abandonar os biocombustíveis? Impossível, no curto prazo. Isso implicaria em não substituir os combustíveis fósseis até que alternativas mais eficientes, como o hidrogênio, entrassem em estágio de uso comercial e ambientalmente viável. A maioria absoluta dá a mesma resposta: acelerar o desenvolvimento da segunda geração de biocombustíveis.

Barry Solomon e seus co-autores, defendem o ponto de vista de que, pelo menos no EUA, “de certa forma o crescimento da produção de etanol de grãos lançou as bases para a mudança na direção da produção de etanol celulósico”. Por esse raciocínio, o poder político do setor agrícola criou fortes pressões por subsídios para o etanol de grãos e gerou pressões a favor de outras culturas alimentares. Adicionalmente, a produção emergente de etanol celulósico também tem apoio federal. Essa tecnologia transforma qualquer resíduo vegetal em combustível. Embora essa produção ainda não seja comercial, esses autores estimam que, quando chegar à fase comercial, seus custos podem ser menores que os da gasolina. Esses custos devem cair ainda mais, por causa do uso futuro de resíduos agrícolas e florestais como matéria-prima.

Editorial recente na revista Nature (aqui) diz que, a lei de energia assinada pelo presidente Bush, em dezembro do ano passado, representou um passo decisivo rumo à segunda geração de etanol, porque ela reconhece, pela primeira vez, “que os biocombustíveis não nascem todos iguais”. Mas, no curto prazo, a má notícia é que ela estimulará o crescimento do etanol de grãos. Bruce Dale, engenheiro químico da Universidade Estadual de Michigan, que trabalha há 30 anos com etanol, disse a Robert Service, em matéria para a Science (aqui) que chegaremos ao etanol celulósico muito mais cedo do que imaginamos. Jim McMillan, bioquímico do Laboratório Nacional de Energia Renovável, no Colorado, concorda e argumenta que o etanol de grãos, mesmo que convertesse todos os grãos em etanol, não conseguiria substituir mais que 10% da gasolina consumida no EUA. Mas antes de consumir toda a produção de grãos, produziria tal crise na cadeia alimentar, que se tornaria inviável. Para superar o dilema comida-energia, “temos que mudar para o etanol celulósico”.

Há muita pesquisa buscando aumentar a eficiência das fontes tradicionais de biocombustíveis. Lonnie Ingram, da Universidade da Flórida, conseguiu modificar a Escherichia coli de modo a converter em etanol entre 90% e 95% dos açúcares contidos na biomassa, o que é um resultado espetacular em termos de taxa de conversão. Quanto maior a taxa de conversão, menor a distilação necessária para separar o combustível da água, um processo muito intensivo em energia. Ele licenciou o processo e o está testando em uma planta piloto na Lousianna para produzir 1,4 milhão de galões/ano do que chamou de “Celunol”. A Dupont está apostando em outra bactéria, a Zymomonas mobilis, para chegar a resultado semelhante, conta a matéria da Science, que permite uma taxa de conversão de 90% e está preparando uma planta em Iowa, para produzir 30 milhões de galões/ano de etanol de resíduos de milho.

O problema dessas pesquisas é que investem no uso de açúcares provenientes de fontes da primeira geração, como o amido cuja principal base, no EUA, é o milho. O que esses críticos dizem é que essas tecnologias podem aumentar a produtividade das plantas atuais de forma significativa, mas não serão capazes de ultrapassar as barreiras de uso da terra, que limitam a eficácia futura dos biocombustíveis para substituição das fontes fósseis.

São avanços impressionantes, ainda que esbarrem nesse limite. No curto e médio prazo podem aumentar muito a competitividade da produção estadunidense. Recentemente artigo publicado na Nature descreveu (aqui) processo que introduziu inúmeras modificações nessa bactéria levando-a a produzir isobutanol, um álcool com quatro átomos de carbono (o etanol tem dois), com eficiência de conversão em laboratório de 86%. O processo já foi licenciado para uma empresa recém-formada na Califórnia, que está investindo US$ 20 milhões para adaptar uma planta existente de etanol à nova biotecnologia. A DuPont está investindo em um outro caminho para chegar ao butanol, com uma densidade energética de 85%, contra 66% do etanol. Duas empresas de Cambridge, no estado de Massachusetts, apostam em um caminho mais direto, para gerar combustíveis específicos a partir de ácidos graxos produzidos naturalmente pela E. Coli. Um desses processos usa fermento, do qual já se produz etanol, para produzir, diretamente, diesel, gasolina ou combustível para aviação.

As linhas de pesquisa consideradas mais promissoras, entretanto, são aquelas que buscam matérias-primas que não façam parte da cadeia alimentar, ou exijam menos terras para seu cultivo. É o único trajeto que permitirá aumentar de forma expressiva a participação dos biocombustíveis na matriz de combustíveis do futuro. A meta é conseguir substituir a maior parte dos combustíveis fósseis e, juntamente com o hidrogênio, torná-los totalmente dispensáveis em uma ou duas décadas.

Lee Lynd, professor de engenharia genética do Dartmouth College, no estado de New Hampshire, disse a Jeff Toleson, da Nature que o ponto crucial não é produzir combustíveis melhor a partir de açucares, mas produzir açúcares de forma mais eficiente a partir da celulose. O Departamento de Energia do EUA está investindo US$ 385 milhões em seis projetos de demonstração dessas tecnologias. Pesquisas com capins de campos naturais já mostraram eficiência energética muitas vezes superior às do milho. Empresas como a Coskata, esta em associação com a GM, investem na produção de combustíveis a partir de qualquer tipo de resíduo vegetal, método que poderia aumentar a produtividade de etanol das usinas de cana brasileiras, que já é muito superior às de milho, em pelo menos 50%. Há, também, pesquisas, com resultados auspiciosos, que usam algas marinhas na produção de biocombustíveis.

Essas novas rotas biotecnológicas não estão partindo do nada. A ciência básica já está dominada. O desenvolvimento em laboratório, em muitos casos, já está completo. Muitas estão no estágio de demonstração em plantas piloto, investindo agora em escala e redução de custos. Por isso o horizonte de tempo é de, no máximo, uma década, para que a segunda geração de biocombustíveis substitua não apenas os combustíveis fósseis, mas também a primeira geração de biocombustíveis na matriz energética global.

Portanto, os biocombustíveis provavelmente terão um papel importante – maior que o atual – na matriz energética da futura economia de baixo carbono, cujos contornos devem estar visíveis por volta de 2020. Se isso acontecer, com certeza, os biocombustíveis atuais não serão os protagonistas desse enredo. O que representa uma oportunidade para a política energética de baixo carbono, será uma ameaça para os maiores produtores de biocombustíveis da atualidade. Empresas e países que, hoje, lideram o mercado de biocombustíveis, se não investirem na nova geração, perderão a liderança. A pergunta decisiva para nós brasileiros, portanto, é se o Brasil estará entre os países líderes do novo mercado de biocombustíveis. A resposta é: dado o nível atual de investimento na pesquisa em desenvolvimento de tecnologias de segunda geração no país, não. Mas ainda há tempo de entrar nessa corrida e o Brasil tem capacitação biotecnológica suficiente para chegar lá.

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