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Répteis dos ovos de ouro

Feias de doer e sem a graça dos golfinhos, as tartarugas marinhas viraram o jogo e têm uma legião de fãs. São o maior sucesso do marketing de meio ambiente no país.

21 de outubro de 2004 · 20 anos atrás

Como voltei de Fernando de Noronha há pouco tempo, acho natural que ainda esteja sob efeito de uma overdose de palestras do IBAMA sobre conservação marinha.

Concordo que os golfinhos rotadores, por exemplo, têm lá sua graça. Estão bem enquadrados nos nossos padrões estéticos e culturais. Digamos que são animais charmosos, carismáticos. No entanto, entender a “febre” das tartarugas me tomou mais tempo. Elas são feias. Aliás, muito feias. Estes répteis que surgiram há 150 milhões de anos, resistiram às drásticas mudanças da Terra, incluindo as que extinguiram os dinossauros. Logo de cara, imaginei que tivessem conquistado seus fãs pela perseverança. Afinal, são provas vivas de evolução e adaptação de uma espécie.

Segundo os pesquisadores do Projeto Tamar, as tartarugas não são animais de cérebro evoluído, mas têm a visão, o olfato e a audição extremamente desenvolvidos, além de uma fantástica capacidade de orientação. Não precisam de GPS para navegar o mundo e são patriotas. Mesmo vivendo dispersas na imensidão dos mares, sabem o momento e o local da reunião para reprodução. Nessa época, realizam viagens transcontinentais para voltar às praias onde nasceram para desovar. Ainda assim, são obrigadas a usar “brinquinhos” codificadores para ajudar aqueles que têm o cérebro evoluído a protegê-las da extinção.

O fato é que mesmo sem saber disso, a tartaruga marinha virou um ícone, uma sacada de marketing brilhante, uma marca consagrada. O projeto Tamar, criado em 1980, fez com que as moças se tornassem paixão nacional. Mesmo aqueles que não participam diretamente do projeto podem salvar tartaruguinhas e evitar a extinção da espécie. Basta adotar uma tartaruga marinha! Fazer uma doação de R$ 100,00 (valor para o Brasil; no exterior a contribuição é de US$ 50,00) à Fundação Pró-Tamar.

Você recebe um kit de adoção com uma camiseta exclusiva e o Certificado de Adoção, com o nome dado por você a ela, e ainda concorre a uma viagem de uma semana para Fernando de Noronha ou Praia do Forte, com um acompanhante e hospedagens pagas. As adoções podem ser feitas durante todo o ano diretamente nas lojas TAMAR, via correio ou Internet. Os produtos disponíveis nas lojinhas auxiliam cerca de 1200 famílias. Mais do que pontos de venda exclusivos dos produtos Tamar, as lojas são parte fundamental dos programas de interação comunitária e auto-sustentação, gerando renda para as comunidades costeiras e para o próprio Projeto..
Os recursos arrecadados com o programa de adoção ajudam a financiar o trabalho dos tartarugueiros – pescadores e moradores das comunidades costeiras, técnicos e estagiários que, durante a temporada reprodutiva, são contratados para monitorar as praias de desova e proteger ninhos, fêmeas e filhotes de tartarugas marinhas. Comovente, não? Prova que meio ambiente virou negócio grande e gera lucros.
Dentre os milhares de sites que falam sobre as preciosas tartarugas marinhas, encontrei um que divulga detalhes de um projeto de conservação das tartarugas caretta, do atlântico norte. As regras são as seguintes: Se ela estiver nadando normalmente, observe-a. Se estiver moribunda ou ferida, esqueça tudo o que está a sua volta e prepare-se para trabalhar. A tartaruga é protegida pelas autoridades e você poderá ser punido se não oferecer ajuda. O socorro é cheio de detalhes. Inclui informações como latitude e longitude do local onde foi encontrada, identificação da espécie, técnicas de salvamento que não deixem a tartaruga estressada, medições, enfim, segue uma linha de solidariedade tão louvável, que nem parece ter sido criada por homens.

Devo confessar que se eu me deparasse com uma delas, entraria em pânico. Primeiro porque não pretendo adotar tartaruga alguma (sei que elas não são comissionadas). Segundo, porque a bicha já carrega um pacote de regras prontas. Para começo de conversa, tenho a obrigação de me sentir emocionada e privilegiada por estar diante de um exemplar vivo de uma espécie ameaçada. Além disso, por uma questão de cidadania e responsabilidade social, apesar de não acolher nenhuma criança faminta em casa, se eu encontrar uma tartaruga, tenho uma série de obrigações a cumprir.

Gandhi dizia que a evolução de uma sociedade pode ser mensurada pela forma como esta trata seus animais. Se usarmos o padrão de tratamento dispensado às tartarugas, é lícito imaginar que jea ultrapassamos o Nirvana.

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