A vida urbana nos desespera por inúmeros motivos: competição no trabalho, fogueira de vaidades, violência, enfim, um turbilhão de sensações aterrorizantes que levam milhares de brasileiros a ficarem em cima do muro. Os mais radicais se deslocam para tribos e resolvem viver num ritmo que está longe de ser frenético. Os menos ousados, normalmente, optam pelo meio do caminho e entram na onda do “abrir uma pousada”. Ou seja, não se desprendem da idéia de fazer dinheiro, da obrigação do manter-se ativo mas se deslocam das metrópoles em busca de paz.
“A pousada é a versão anos 90 de um sonho que assombra desde sempre o habitante da grande cidade”. Li isso numa matéria da revista Trip, escrita por Contardo Calligaris, psicanalista. Houve outras versões nos últimos 50 anos – período em que muitas cidades pacatas se tornaram metrópoles. Na década de 50 (mais tarde no Brasil), explodiu o sonho suburbano: passo o dia no inferno da avenida Paulista, mas, à noite, volto para a Granja Viana. Ou seja, vivo parte do meu tempo sofrendo e outra parte me recompensando pelo sofrimento.
Nos anos 60 e 70, a contracultura produziu sonhos mais radicais. Houve quem se perdesse na Índia ou no Nepal. E houve os casais e as pequenas comunidades que voltaram “à terra” para criar cabras, fabricar bijuteria e etc. Se desvencilhar do “sistema” não é tarefa fácil. O tal capitalismo selvagem come pelas beiradas. Parece água morna. Aquela coisa que não te causa conforto nem desespero. Uma espécie de anestésico.
A pousada é o sonho síntese entre o subúrbio e a maloca hippie. Ato de rebeldia e ao mesmo tempo capitulação. Caímos fora, mas fazemos disso um business. E nada de isolamento! Afinal, ver gente é essencial. Aliás, essa coisa de ver gente também me parece muito divertida. Ora, o sujeito não suporta esbarrar em seus semelhantes e quer ouvir o som dos passarinhos. Ora, não se atura e sente necessidade de ter contato com o próximo. Uma vez, um sujeito me disse uma coisa que marcou demais: Por que será que as pessoas se desesperam e gritam “eu não suporto mais ficar sozinha (o)”. Será que estar com você mesmo (a) é tão insuportável?
Para isso servem os hóspedes: além de trazerem vestígios da cidade, invejam os donos da pousada, admiram a coragem e ficam horas falando sobre o quão caótica é a vida na cidade grande. Papinho chato, não? Não aturo. Violência é sempre o assunto preferido. Tendências da natureza humana. Não deve sé à toa que os jornais vendem mais quando têm sangue na capa.
Bom, voltando aos cursos que ensinam os metropolitanos a tocarem uma pousada no meio do mato ou na beira da praia, resumo: Acho que são freqüentados por personagens. Cinematográfico. A maioria acaba ficando no miolo e desiste da idéia. Óbvio. Os cursos devem ser chatíssimos, cheios de planilhas e dicas insuportáveis. O cara entra no curso para aprender a dormir em rede e sai de lá pronto para ser gerente de um hotel de terceira categoria. Como servir seus hóspedes, como cativá-los, como entrar para o guia dos indicados, como forrar a cama e etc. Quando o cara percebe que a rede exige mais que vontade de se afastar, fica com preguiça, liga a TV e aborta a idéia. Um final de semana na praia ou no campo é mais simples e não exige tanta coragem. Vai-se ao mato quando se quer, volta-se a hora que der na cabeça.
Viver na cidade é uma escolha radical de liberdade. O anonimato tem suas vantagens. Mas a liberdade tem seu custo. Não tem chão. Ninguém consegue passar mais de uma semana sem fazer comentários nostálgicos e falar sobre o paraíso perdido. Os mais velhos são os pioneiros. Estão sempre dispostos a entrar no papo do “na minha época não era assim”. O fato é que os cursos do tipo “como abrir uma pousada”, mais parecem livros de auto-ajuda do que qualquer outra coisa. Uma manual de instruções que ensina o sujeito a correr atrás do rabo sem saber que está fazendo isso.
Leia também
Entrando no Clima#41 – COP29: O jogo só acaba quando termina
A 29ª Conferência do Clima chegou ao seu último dia, sem vislumbres de que ela vai, de fato, acabar. →
Supremo garante a proteção de manguezais no país todo
Decisão do STF proíbe criação de camarão em manguezais, ecossistemas de rica biodiversidade, berçários de variadas espécies e que estocam grandes quantidades de carbono →
A Floresta vista da favela
Turismo de base comunitária nas favelas do Guararapes e Cerro-Corá, no Rio de Janeiro, mostra a relação direta dos moradores com a Floresta da Tijuca →