Colunas

Lei do cão

Se pit bulls agora só podem ir à rua de madrugada e com focinheira, seus donos deveriam vestir camisa de força por tentarem transformá-los em ursos de pelúcia.

14 de julho de 2005 · 20 anos atrás

O Pit Bull tem sua história ligada ao combate em rinhas entre cães e touros, “esporte” que foi muito apreciado, especialmente na Inglaterra no século XVIII. A prática foi banida pelo governo inglês em 1835. Para “fabricar” o Pit Bull, os ingleses cruzaram Buldogs, que apesar de fortes, não tinham grande agilidade, e Terriers, cães de caça altamente destemidos, resistentes e rústicos. A coragem, agressividade, resistência, capacidade de lutar e mordida pesada são os aspectos mais valorizados na raça. Afinal, ele é um cão de briga, com disposição para morrer lutando se preciso.

O que faz um cão de briga dentro de um apartamento na cidade? O mesmo que milhares de outros cães, de raças diversas. O cão, seja ele um pooddle ou um Pit Bull, é vítima. No entanto, os que apresentam comportamento mais agressivo e não seguem a risca, o script de comportamento ideal traçado pelos donos, são discriminados pela sociedade adoradora de cães que se comportam do jeito que gente gosta.

A escolha da raça de um cachorro doméstico não é mais funcional. Hoje, essa opção “revela” a personalidade do proprietário. Quem escolhe um cão agressivo para viver dentro de um apartamento, é no mínimo, ou muito corajoso ou muito estúpido. Como não tenho admiração alguma pela relação de dependência que homem estabeleceu com o cachorro, vejo o Pit Bull como qualquer outra raça escravizada e manipulada pelo homem. Sem dúvida alguma, ele se transformou num desafio. Para adequar o Pit Bull às suas necessidades pessoais, o homem vai adestrar, castrar, sedar. Enfim, em breve, os valentões terão sua versão toy, com direito a dicas de treinamento para evitar recaída. Afinal, os animais “transgênicos” podem apresentar “defeitos”.

Enquanto os cachorros estiverem gerando despesas e movimentando o mercado, eles serão bem vindos. Só nos Estados Unidos, 7 bilhões de dólares são gastos, por ano, na saúde dos animais domésticos. No Brasil, de acordo com dados do Sindicato Nacional das Indústrias de Alimentação Animal, de 1994 a 2004, o mercado de alimentos voltados para animais de estimação cresceu 690%. Funciona como qualquer outro hábito de consumo.

Em reportagem publicada na revista Super Interessante, especial Bichos 2, o químico e jornalista científico Stephen Budiansky, autor de The Truth About Dogs (“A verdade sobre os Cães”, ainda inédito no Brasil) dá algumas dicas sobre a “educação” de cachorros. Fazendo um comparativo entre um bebê e um filhote de cachorro, o americano diz que uma criança precisa de amor incondicional e não pode ser criada obedecendo a comandos. Mas, para um cão, isso só mostra qual é a hierarquia dele dentro da casa. “A sociedade deles é mais simples: uns mandam e outros obedecem. E, se deixarmos isso claro, eles vão fazer de tudo para nos agradar e ganhar um cafuné ou biscoito”.

Na verdade, você anula o cachorro e faz dele uma extensão sua, um rabo que se abana. As relações humanas se tornaram competitivas, assustadoras e cheias de ciladas, o homem ficou amedrontado e resolveu estabelecer vínculos de afeto com animais não ambiciosos, que se satisfazem com aquilo que lhes é apresentado. Ficou mais fácil tratar bichos como pessoas e pessoas como bichos.

Para ter o cachorro abanando o rabo, seu dono faz o que for preciso. O bicho é como filho da casa e tem direito a tudo o que quiser, desde que não vire gente. Acredito que isso aconteça porque os bichinhos são mais facilmente adestrados, educados num regime de troca e condicionamento. A submissão do animal conforta seu dono. Todo e qualquer sentimento de liberdade está atrelado ao dono, que é o chefe da cadeia e enxerga a escravidão do cachorro como fidelidade absoluta.

Vontade própria é desacato a autoridade. Por isso é que o comportamento dos pit bulls acabou indo parar no legislativo. Quando um ou outro exemplar desta espécie mostra ou lembra que é cachorro e engole uma galinha, come um rato ou morde alguém, pelo motivo que for, é submetido a “torturinhas” chamadas de castigos ou adestramento, dependendo do grau de violência instintiva do animal e de seu dono.

Leia também

Notícias
19 de dezembro de 2025

STF derruba Marco Temporal, mas abre nova disputa sobre o futuro das Terras Indígenas

Análise mostra que, apesar da maioria contra a tese, votos introduzem condicionantes que preocupam povos indígenas e especialistas

Análises
19 de dezembro de 2025

Setor madeireiro do Amazonas cresce à sombra do desmatamento ilegal 

Falhas na fiscalização, ausência de governança e brechas abrem caminho para que madeira de desmate entre na cadeia de produção

Reportagens
19 de dezembro de 2025

Um novo sapinho aquece debates para criação de parque nacional

Nomeado com referência ao presidente Lula, o anfíbio é a 45ª espécie de um gênero exclusivo da Mata Atlântica brasileira

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.