Em meio ao circo da legalização ou não do porte de armas, me deparei com um caso específico, que foge da violência urbana, dos assaltos, homicídios ou seqüestros. No dia 6, O Globo publicou uma reportagem que fala sobre o que representa o desarmamento para quem vive da caça.
Francisco Teixeira de Oliveira, por exemplo, nasceu e se criou nos seringais do Acre. Planta mandioca, milho, arroz e caçando complementa o sustento da família. A espingarda calibre 36 é companheira inseparável Ele afirma que o açougue de quem vive como ele é na floresta. Além disso, usa a espingarda para se defender de onças famintas.
Se eu fosse Francisco faria o mesmo e jamais me preocuparia com a possível extinção de um animal considerado exótico. Francisco não vai aos seringais do Acre para fazer fotografia de raras espécies ou para estudar a botânica local. Ele sobrevive ali, da forma que pode.
O texto de O Globo diz que em 22 cidades acreanas, a caça de animais silvestres é vital e que os sindicatos locais estão se esforçando para fortalecer o movimento em favor dos seringueiros e ribeirinhos. Em Marechal Taumaturgo, por exemplo, que fica a 700 quilômetros de Rio Branco, 60% dos 4.500 habitantes, vive da caça de subsistência.
Tem quem ache isso uma crueldade ou que acredita que Franciscos devam baixar suas armas e pensar na Amazônia como um dos maiores patrimônios do Brasil e do mundo. Não é factível, pelo menos imediatamente. Franciscos, no curto prazo, ganham pouco ou nada com isso. Não é justo fazê-los sentir culpa por matar uma onça, uma paca ou um porco-do mato. Os caçadores lutam para que o texto da lei que proíbe o comércio de armas abra para eles uma exceção. Caso contrário, lhes restará apenas uma opção: a clandestinidade.
A caça no Brasil é proibida por lei. Mas como é habitual com boa parte das leis brasileiras, que raramente levam em consideração seja a realidade, seja a capacidade do homem de ir contra ela, a caça deveria estar regulamentada e controlada em todo o país. Principalmente na região Norte, onde ela campeia solta não tanto por ser um tipo de lazer, mas por questões de sobrevivência. Caçar de forma organizada não é, necessariamente, coisa ruim.
No Rio Grande do Sul, único estado onde se caça legalmente no Brasil, as federações de caça estabelecem quotas de animais que podem ser caçados, a época em que ela deve ocorrer e usam o dinheiro arrecadado para trabalhos de conservação nas áreas utilizadas pelos caçadores. Lá, a caça amadora está liberada e tem o aval do Ibama, pois é considerada “controle biológico de algumas espécies”. Nesse estado, permite-se caçar paca, cotia, queixada, lebre, perdiz e outras aves. A alegação é de que esses animais se reproduzem rapidamente e prejudicam plantações.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o governo estuda proibir a pesca comercial na baía de Cheasepeak, em Maryland, e deixá-la exclusivamente para uso de pescadores de recreação licenciados. Os burocratas acreditam que eles protegem como ninguém o meio ambiente. No Texas, as fazendas de caça, terras privadas onde puseram um monte de bichos para serem “metralhados” seguindo padrões de manejo, são considerados santuários da natureza. Numa metade do ano, nelas se caça. Na outra, é freqüentada por gente que gosta de observar aves e outros animais nativos. Tudo, como de costume dos americanos, pateticamente organizado.
O Brasil tem tudo para olhar para experiências como essas, além da sua própria, regular de vez a caça e não misturá-la com essa patacoada que é o plesbiscito sobre a comercialização de armas.
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