A notícia de que o governo russo recomendou ao parlamento a aprovação do Protocolo de Kyoto foi recebida com júbilo por ambientalistas ao redor do mundo, e especialmente no Brasil. A adesão russa finalmente permitirá a entrada em vigor do Protocolo, pois países representando mais de 55% da produção de dióxido de carbono entre os desenvolvidos em 1990 o terão ratificado.
Há quem acredite que a adesão russa – que ainda não é certa, pois o parlamento tem que deliberar sobre o assunto e o Protocolo não é exatamente popular naquele país – aumentará a pressão política pela ratificação nos Estados Unidos, e que o candidato democrata John Kerry estaria mais propenso a fazê-lo. É um erro. Em 1997, quando o Protocolo foi assinado, já se sabia que a probabilidade de sua passagem pelo senado americano era muito baixa. Com efeito, o então presidente Clinton foi criticado por assinar um tratado sabendo que não teria condições de ratificá-lo.
Ao anunciar que não buscaria ratificar o Protocolo, o então recém-eleito presidente George W. Bush nada mais fez do que tornar explícito aquilo que já era sabido, objetando que o Protocolo não impõe metas de redução de emissões para os países em desenvolvimento. De fato, o Protocolo trata de maneira distinta diferentes partes do mundo. O esforço de redução recai sobre os países desenvolvidos, e de maneira desigual entre eles – produto de um processo cínico de barganha política, onde cada “player” procurou levar vantagem sobre os rivais.
A mesma lógica persiste até hoje. A anunciada adesão da Rússia é produto de uma série de incentivos, positivos e negativos. No lado positivo, a sua meta de produção de gases do efeito estufa foi determinada de maneira a gerar um superávit de créditos, que poderiam ser vendidos para a Europa, Japão e os Estados Unidos. A recusa americana alterou essa equação, reduzindo dramaticamente a demanda por direitos de emissão, e portanto a perspectiva de receita futura. Assim, restou aos líderes europeus – que investiram muito capital político no processo – ameaçar os russos de não permtir sua entrada na OMC se o Protocolo não fosse aprovado.
O próprio processo de análise científica e de construção de modelos de projeção subjacente ao processo político também não está livre de críticas. Clima é um fenômeno extremamente complexo, e portanto de difícil modelagem. Além disso, a análise climática é uma ciência nova, e trabalha com processos de muito longo prazo, o que dá às suas previsões atuais – cenários, melhor dizendo – uma certa precariedade. Finalmente, a modelagem do clima precisa levar em conta a atividade humana por longos períodos de tempo, o que introduz mais um elemento de incerteza.
Nada disso quer dizer que o problema da mudança climática não é real. Quer dizer apenas que há incerteza com relação às dimensões e causas do mesmo. E mesmo que se aceite os modelos e previsões do Painel Internacional sobre Mudança Climática, pode-se questionar a lógica e o custos da reação em marcha. É o que tem feito o estatístico dinamarquês Bjorn Lomborg, para a profunda irritação de alguns líderes ambientalistas. Lomborg tem sugerido que o custo do Protocolo de Kyoto será muito alto (e imediato) e seu impacto sobre a mudança climática será muito pequeno (e se revelará apenas no longo prazo). Assim, seria melhor negócio para o mundo permitir que futuras gerações, mais ricas e mais avançadas, cuidem do problema.
O argumento merece ser analisado com cuidado, mesmo porque a entrada em vigor do Protocolo de Kyoto não é a última palavra sobre o assunto (o senador John Kerry anda dizendo que, se eleito presidente, vai reabrir negociações, mas que não faz sentido voltar a objetivos definidos em 1997).
E o Brasil, como fica? O Protocolo de Kyoto tem sido visto por aqui até hoje como um processo benévolo, sabotado pelo egoísmo dos ricos. Além disso, o potencial de ganho financeiro proporcionado pelo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, que permite que países com excesso de emissões invistam em projetos de sequestro de carbono em outros países, já criou toda uma expectativa de altos lucros. No entanto, esse panorama pode se alterar rapidamente. Começa em 2005 a negociação das metas de redução de emissões para o período que se inicia em 2012. Há indicações que o Brasil sofrerá forte pressão, especialmente no que tange às emissões produzidas por queimadas de florestas.
Finalmente, a experiência com projetos pioneiros de sequestro de carbono sugere que eles talvez não sejam tão benignos assim, como mostra o caso do projeto Plantar. Trata-se de um projeto de 23 mil hectares de reflorestamento de eucaliptos situado no estado de Minas Gerais, que recebe apoio do Fundo Protótipo de Carbono, fundo criado e gerido pelo Banco Mundial para provar que o comércio de direitos de emissões é viável.
O projeto tem gerado intensa polêmica. Sua lógica é curiosa. A Plantar S.A. produzirá créditos não apenas através da fixação de carbono, mas também por não aumentar emissões: ela argumenta que na ausência da venda dos créditos de carbono as plantações de eucaliptos seriam abandonadas, e o seu carvão vegetal derivado do eucalipto seria substituído pelo carvão mineral importado para a produção de ferro gusa, aumentando assim emissões. Além disso, a necessidade de certificação, acompanhamento e supervisão favorece os projetos de sequestro de grande porte, que podem ter efeitos ambientais e sociais bastante negativos nos seus entornos. O caso Plantar – que já se tornou célebre entre ONGs brasileiras e internacionais – sugere que a indústria de créditos de carbono pode se tornar em breve mais um foco de preocupações para os ambientalistas brasileiros.
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