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Um mercado em formação

Kyoto entra em vigor graças a um mundo que aderiu à tese que o efeito-estufa é perigoso. Ele incentiva a troca de certificados de emissão de gases entre países.

17 de outubro de 2004 · 20 anos atrás

A entrada em vigor do Protocolo de Kyoto parece iminente. São fortes as indicações de que o parlamento russo deve ratificá-lo nos próximos dias, finalmente criando massa crítica suficiente para que o tratado passe a valer. A notícia voltou a criar interesse nos rumos do protocolo, e, especialmente no Brasil, nas perspectivas para o comércio internacional de direitos de emissão de carbono.

Recapitulando de maneira grotescamente simplificada: o consenso entre e os especialistas no assunto é que a atmosfera da Terra está se aquecendo devido aos efeitos antropogênicos, isto é, derivados da ação da homem. O principal mecanismo é o chamado efeito estufa: a emissão de gases (principalmente dióxido de carbono) derivados da queima de combustíveis fósseis que fazem com que a atmosfera retenha mais energia, e portanto se aqueça.

Essa acumulação de gases é um processo de longo prazo, função do desenvolvimento industrial, e não pode ser revertida instantaneamente. Na conferência Eco 92, mais de 180 países adotaram a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática, comprometendo-se a estabilizar suas emissões de gases do efeito estufa. O Protocolo de Kyoto, adotado sob a Convenção-Quadro, é o primeiro passo concreto neste sentido, obrigando os países desenvolvidos a reduzir suas emissões no período 2008-2012 em 5,2% em comparação com o ano-base de 1990. As emissões de carbono dos países ricos continuaram crescendo desde 90. Nas chamadas “economias em transição” (o antigo bloco socialista), as emissões despencaram junto com as suas economias.

Nas economias modernas as emissões desses gases estão altamente correlacionadas com o crescimento econômico, e não há como romper essa conexão no curto prazo. Para mitigar o custo da adoção do protocolo, seus criadores incluíram mecanismos para que a redução de emissões possa se dar onde for mais barato. Assim, o protocolo prevê que os países ricos podem atingir suas metas através de projetos de redução de emissões nas economias em transição (implementação conjunta), ou nos países em desenvolvimento (mecanismo de desenvolvimento limpo – MDL). Além disso, as economias em transição poderão vender direitos de emissão não usados, se cumprirem algumas condições.

O protocolo não é uma solução definitiva para o problema do aquecimento global. É o produto de uma barganha política. A implementação conjunta e o MDL foram maneiras de trazer para dentro do processo os países do antigo bloco socialista e países em desenvolvimento, com a perspectiva de transferências substanciais de renda (e de tecnologia). O Brasil tem o potencial para ser um dos maiores beneficiados por essas transferências, mas as incertezas ainda são muito grandes, até mesmo com relação aos valores envolvidos.

As estimativas do custo dos direitos de emissão de carbono têm variado dramaticamente desde a assinatura do Protocolo. É óbvio que a não participação dos Estados Unidos e da Austrália reduziu muito a demanda potencial, portanto reduzindo os preços de equilíbrio. Mas esse mercado está se revelando bem mais complexo do que se imaginava.

De acordo com o economista britânico Michael Grubb, o mercado de carbono tende a parecer, em vários aspectos, com o mercado de petróleo. A Rússia, cuja volume de emissões despencou junto com a sua economia nos anos 90, e que portanto tem um estoque enorme de créditos para vender, cumpriria papel análogo ao da Arábia Saudita, como produtor de alto volume e custos baixos. Diante do desequilíbrio que se apresenta entre oferta e demanda, a conduta lógica para a Rússia seria restringir as vendas, criando uma espécie de cartel e maximizando sua receita. Grubb sugere ainda que os principais compradores – União Européia, Japão e Canadá – agirão de forma estratégica, para atingir objetivos como a legitimação do sistema de Kyoto e a defesa de suas respectivas legislações nacionais. Diante dessas realidades políticas, sugere Grubb, é improvável que o valor dos direitos de emissão tenda a zero, como aconteceria no mercado livre. Os créditos derivados do MDL talvez atinjam valores mais altos, pois o processo de certificação rigoroso e a percepção de que promovem o desenvolvimento sustentável lhe dariam um certo caráter “premium”. O resultado seria, no primeiro momento, um mercado com muitos preços diferentes, e espaço para discriminação. Em outras palavras, algo muito parecido com o comércio mundial de bens e serviços antes do GATT e da OMC.

Essa rápida análise demonstra a complexidade dos mecanismos que estão sendo implementados dentro do quadro do protocolo de Kyoto. E isso é apenas o começo. As próximas rodadas do processo verão o retorno de temas como a participação dos países em desenvolvimento na redução de emissões, ou o equilíbrio entre reduções domésticas e compra de créditos, entre outros igualmente espinhosos. Acima de tudo, a evolução do processo dependerá da evolução da ciência climática e da opinião pública nos países que participam do processo. Para trazer os Estados Unidos de volta ao acordo, uma relaxada das metas de redução de emissões pode ser necessária.

O assunto é importante para o Brasil que novamente se apresenta como “pulmão do mundo,” dessa vez no sentido de local privilegiado para a instalação de projetos de sequestro de carbono. E merece ser acompanhado de perto.

O texto de Michael Grubb pode ser encontrado na internet.

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