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Dissipando a (espessa) neblina da ignorância

Uma breve revisão histórica do conhecimento sobre mudanças climáticas mostra como este tema crucial para o futuro do planeta gera mais dúvidas do que certezas.

23 de dezembro de 2004 · 20 anos atrás

A COP-10 — décima Conferência das Partes, que reuniu os países membros da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima — trouxe de volta ao noticiário o tema da mudança climática e dos esforços tanto para mitigá-la quanto para enfrentar seus impactos. Mais uma vez, o tema trouxe consigo grande capacidade de deixar os observadores completamente perplexos.

A dificuldade começa pelas abreviações adotadas pela burocracia internacional. UNFCCC, IPCC, COP-10, GHG, CDM, etc. A existência de abreviações correspondentes em português — GEE, MDL — também não ajuda. O jargão adotado parece, à primeira vista, impenetrável. O que quer dizer mitigação nesse contexto? Existe conflito entre mitigação e adaptação? Quem ultrapassa esses obstáculos iniciais encontra novas armadilhas ao tentar decifrar o que os cientistas, funcionários e políticos dizem a respeito de mudança climática, e mais ainda ao tentar separar o que é ciência, ideologia e retórica política no processo.

A tarefa não é trivial, pois a discussão chega à própria natureza do conhecimento científico. Mas existem caminhos para chegar lá. Um deles é o estudo da história da descoberta do aquecimento global, através do livro The Discovery of Global Warming, do historiador científico americano Spencer R. Weart. É um livro curto, de 200 páginas, que sumariza e concatena em uma narrativa linear o material muito mais completo no website do autor. Tudo escrito em inglês perfeitamente compreensível por leigos.

A narrativa se inicia no século XIX, com o cientista francês Joseph Fourier, o primeiro a especular que a atmosfera terrestre cumpriria o papel de uma estufa, conservando o calor do sol que de outro modo se dissiparia no espaço. Ainda no século XIX, o cientista britânico John Tyndall identificou o gás, presente na atmosfera, que poderia ser responsável por esse efeito: o dióxido de carbono, que absorve parte da radiação infravermelha que sobe da superfície da terra. Em 1896 o sueco Svante Arrhenius imaginou que alterações na quantidade de CO2 na atmosfera poderiam explicar as alterações que o clima do planeta parece ter sofrido ao longo dos séculos, especialmente a idade do gelo. Ele postulou que uma pequena alteração na composição da atmosfera — causada, por exemplo, por um vulcano em erupção — poderia dar início a um processo autoalimentado de mudança, que levaria a alterações dramáticas no clima. Com a ajuda de um colega, Arrhenius constatou que a quantidade de CO2 emitida por fábricas e outros processos industriais era significativa, mas não imaginou que a sua acumulação pudesse ter um efeito sensível sobre o clima global por milhares de anos.

O conhecimento sobre mudança climática evoluiu pouco até meados do século XX. Na década de 30 o Weather Bureau do governo norte-americano demonstrou que temperaturas médias haviam subido vários graus Fahrenheit desde a década de 1860, mas inaginava-se que essa elevação fosse parte de um ciclo de longo prazo. De resto, o estudo do tema era campo de amadores, como o engenheiro britânico Guy Callendar, que em 1938 disse à Real Sociedade Meteorológica em Londres que o globo estava se aquecendo, e que o homem era responsável. Ele chegou a essa conclusão através de cálculos manuais que realizava nas horas vagas. Mas seu interesse maior era explicar as eras do gelo.

O estudo científico do clima começou a ganhar corpo a partir dos anos 50, em grande parte graças à guerra fria. Seguindo o modelo do projeto Manhattan, que levou à criação da bomba atômica durante a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos montaram uma enorme estrutura de apoio à ciência em escala industrial. Naquela atmosfera paranóica sobraram alguns trocados para estudos da atmosfera, permitindo a coleta de dados como aqueles da célebre série histórica de concentração de CO2 do observatório de Mauna Loa, no Havaí. O desenvolvimento de técnicas de determinação de idades com carbono-14 permitiu avançar na interpretação da história do clima da Terra revelada por colunas de água gelada retiradas da Antártida. Acima de tudo, com o desenvolvimento dos computadores digitais, os climatologistas puderam construir modelos cada vez mais complexos e sofisticados da atmosfera e dos oceanos.

Esses modelos têm um papel importantíssimo na história do aquecimento global. A complexidade do fenômeno é tal que não há outro meio de estudá-lo. Mas se é verdade que houve avanços significativos nos últimos anos, os modelos (GCMs em inglês, abreviação que na sua origem queria dizer general circulation models) ainda deixam margem significativa para a incerteza. Isso acontece por várias razões. O número de variáveis é muito grande. É preciso modelar o comportamento da atmosfera, dos oceanos, a influência do sol, das partículas em suspensão, o comportamento — até hoje pouco compreendido — das nuvens, a interação da geosfera com a biosfera e, finalmente, as tendências da ação antrópica (do homem) no longo prazo. Há também o problema da qualidade dos dados usados para dar a partida nos modelos, especialmente no que diz respeito aos oceanos. E existem enormes controvérsias sobre as premissas usadas para fazer os modelos funcionarem, mesmo onde o conhecimento é incompleto. A dúvida é parte crucial do processo de acumulação do conhecimento.

Ainda assim, os modelos permitem predizer o que é provável que aconteça no futuro. Eles jamais serão capazes de dizer com certeza o que vai acontecer, o que cria um tremendo dilema. É preciso decidir o que fazer com base em informação imperfeita, decisão essa que afeta nada menos do que o destino da vida no planeta. Weart discute habilmente as dificuldades enfrentadas por cientistas que de repente se viram praticamente forçados a tomar partido em disputas políticas envolvendo interesses bilionários.

Mas a questão, no final, é política. O que fazer? Ora, sabemos que estamos lidando com informação imperfeita, e sabemos também que o cacife do jogo é alto. Os custos da mudança climática tendem a ser muito altos, e distribuídos de maneira altamente desigual. O mesmo vale para as medidas propostas para reduzir as emissões de gases do efeito estufa. Lembrando ainda que se trata de processo irreversível e de longo prazo. Como não podemos esperar por uma certeza científica que não vem, é mais importante do que nunca entender exatamente o que os climatologistas querem dizer quando afirmam que o planeta está esquentando, e que esse aquecimento provavelmente se deve à ação do homem.

Um Natal sustentável

Natal é uma época de presentes, mas também de altíssimo consumo de papel, não só nas embalagens mas também nos cartões, bilhetes e outras comunicações. Decidimos tomar uma postura sustentável e só usar papéis reciclados. E foi aí que começou nosso problema. Em pequena quantidade é até possível achar papéis reciclados para embalagem artesanais que, por sinal, custam caríssimo. Em escala um pouco maior é difícil comprá-los. Contatamos várias gráficas pedindo papel reciclado para cartões de natal e caixas de presente. A maior parte não trabalhava com o produto. As que o faziam não tinham o papel em estoque e era necessário encomendá-lo junto ao fabricante.

Quando finalmente conseguimos um catálogo, descobrimos que esses papéis contavam com apenas 10% de fibra reciclada. Depois de muita informação desencontrada conseguimos obter o papel para o cartão. Descobrimos um papel offset 100% reciclado produzido em escala industrial pela Suzano, e que pode ser encontrado em algumas poucas redes de papelaria. Mas o problema não havia acabado, pois ainda faltavam os envelopes e as embalagens para presente.

Isso tudo para dizer que depois de nosso primeiro Natal tentando aplicar princípios de responsabilidade ambiental descobrimos o quanto isso é difícil, dada a confusão de informações e a escassez de produtos. Um de nossos desejos para 2005: que o mercado de papel reciclado cresça e apareça.

Feliz Natal e um Ótimo 2005!

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