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Rumo ao impacto zero

Produzir carpetes de derivados de petróleo sem impacto ambiental. O objetivo da empresa americana Interface é utópico mas ajuda a repensar a sustentabilidade.

11 de janeiro de 2005 · 20 anos atrás

O conceito de empresa sustentável ainda não está totalmente estabelecido. Quando parece que estamos avançando na direção de uma definição, aparece alguém que leva o jogo para um novo nível. É o caso da fabricante de carpetes americana chamada Interface.

A história já é familiar para os leitores do colunista Marcos Sá Corrêa. Após ler o livro The Ecology of Commerce, do empreendedor, autor e ambientalista Paul Hawken, o presidente da Interface decidiu implementar uma mudança radical de curso na sua empresa.

Ray Anderson se impôs um objetivo ambicioso, mas que parece corresponder ao bom senso: reduzir a zero a “pegada ambiental” da interface, ou seja, operar a empresa sem nenhum impacto no meio ambiente. Esse objetivo deriva da percepção de que a economia é, nas palavras de Anderson, subsidiária integral do ambiente. As palavras, por sinal, não são poucas. Anderson tornou-se um guru da gestão sustentável, e o website Interface sustainability contém enorme quantidade de informação sobre as suas atividades e idéias.

O objetivo seria difícil para qualquer empreendimento. Mais ainda para a Interface, que produz carpetes industriais a partir de derivados de petróleo. Nos primeiros dez anos de implementação do plano “Sustentabilidade em Ação” (1994–2004), Anderson afirma que avançou aproximadamente um terço do caminho até o ideal. Para entender o que esse ideal representa na prática, vale a pena analisar algumas das “métricas” adotadas pela Interface para medir o seu progresso e para ajudar a definir o que é sustentável.

Gases do efeito estufa (GEE): De acordo com o site, as emissões de GEE da Interface caíram 46% no período 1996–2004. Isso foi conseguido através da troca de carvão por gás natural em caldeiras de fábricas têxteis da empresa na Carolina do Norte, e através de uma parceria para o uso de gás metano de um aterro sanitário na cidade de LaGrange, Geórgia, para fazer funcionar as caldeiras da fábrica naquela localidade. A utilização desse gás gerou créditos de carbono suficientes para compensar toda a geração da Interface.

Fontes renováveis de energia: Mais de 12% do consumo de energia da Interface vem de fontes renováveis, principalmente biomassa (cavacos de madeira), compra de eletricidade verde e geração própria, através do uso de células fotovoltaicas que transformam energia solar diretamente em eletricidade.

Tecidos reciclados: A Interface lançou em 1995 uma linha de tecidos comerciais produzidos com 100% de fibra reciclada (pré-consumo e pós-consumo). O seu processo de produção utiliza apenas energia eólica, e usa corantes e produtos químicos com o menor impacto ambiental possível.

Carpetes sem impacto climático: A Interface garante aos compradores de certas linhas de carpetes que o impacto climático das emissões de dióxido de carbono dos veículos usados por funcionários da empresa será compensado pela compra de créditos.

Redução de perdas de materiais e de desperdício de energia: De 1996 a 2004 a empresa reduziu a sua produção de resíduos sólidos em 65%, o número de chaminés em 33% e o número de tubos de efluentes líquidos em 47%.

Tornando a sustentabilidade global: A Interface procura ter um papel de liderança global na manufatura ambientalmente responsável, através da troca de informações e de melhores práticas. Isso acontece não apenas através das palestras de Anderson, como também através da participação da empresa em diversos fóruns ao redor do mundo.

Esses exemplos transmitem um pouco do sabor daquilo que Ray Anderson e a Interface estão fazendo ao redor do mundo. Eles mostram que mesmo empresas que atuam em ambientes competitivos e em setores tradicionalmente irresponsáveis podem progredir rapidamente no sentido da sustentabilidade. Há, é verdade, algumas peculiaridades no caso da Interface. A liderança de Anderson é atípica no contexto americano, onde a maioria das empresas é gerida por profissionais que (teoricamente, pelo menos) prestam contas aos acionistas, e que de maneira geral têm horror a iniciativas que não aumentem os lucros das empresas no curto prazo ou o seu próprio poder. Essa restrição é muito menor no Brasil, onde a maior parte das empresas ainda tem no comando ou perto dele a figura do dono.

Os resultados ambientais apresentados até aqui são bastante impressionantes, mas não se deve subestimar o tamanho do desafio daqui para a frente. Havendo vontade de mudança, os primeiros passos tendem a ser os mais fáceis. A troca de carvão por gás natural nas caldeiras, por exemplo, é das coisas mais óbvias, quando os custos o permitem. À medida que as oportunidades de progresso barato vão sendo aproveitadas, a ladeira fica mais íngreme, testando duramente a capacidade de inovação dos gestores. É por isso que a troca de informações e experiências é tão importante.

Olhando o lado financeiro, porém, veremos que nem tudo é um mar de rosas. A Interface deu prejuízo em três dos últimos cinco anos, e encontra-se bastante endividada. Suas ações se valorizaram 95,9% no período de 1993 a 2005, ficando atrás dos índices de mercado mais diretamente comparáveis (172% para o S&P 500, e 211% para o Nasdaq). Sem sustentabilidade financeira, pouco adianta a sustentabilidade ambiental no longo prazo.

Por outro lado, o exemplo da Interface mostra o quanto é importante a análise do impacto ambiental de um produto durante todo o seu ciclo de vida. Não basta produzir um carpete (por exemplo) com matérias-primas naturais e através de processo de produção limpo, se daqui a alguns anos ele será jogado fora e acabará preenchendo algum aterro sanitário por aí. A Interface está evoluindo para um modelo de negócio onde, ao invés de vender carpetes, ela prestará o serviço de manter ambientes acarpetados.

Dessa maneira torna-se possível controlar o seu destino após o uso. Porém, novos modelos de negócio quase sempre trazem novos custos. Imagine as implicações da adoção desse modelo no caso, por exemplo, da indústria automobilística, desde as minas de metais e poços de petróleo até os desmanches. Fica evidente o quanto o modelo tem de revolucionário.

O objetivo de operar uma empresa manufatureira com zero impacto ambiental talvez seja utópico, mas o exemplo da Interface mostra que esse objetivo é muito útil para organizar a ação e para medir resultados. Afinal, se uma empresa que atua na economia mais competitiva do mundo e cujo negócio se baseava em derivados de petróleo pode fazê-lo, por que outras não podem?

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