O mundo jurídico é uma incógnita para o “comum dos mortais”, disto não há a menor dúvida. Recordo-me do tempo em que, estagiário de Direito, iniciava em um escritório de advocacia trabalhista. Lá era muito comum que os trabalhadores que estavam cumprindo o pré-aviso de trinta dias antes da demissão buscassem os nossos serviços afirmando que estavam no “aviso breve”. Em se tratando da área ambiental, diversos termos têm sido introduzidos no noticiário, como por exemplo Área de Proteção Ambiental (APA), Área de Preservação Permanente (APP), Reserva Biológica (REBIO), EIA/RIMA e muitos outros.
Todos são termos técnicos e de difícil compreensão para o leigo. Mesmo para muitos dos especializados leitores deste O Eco a terminologia jurídico-ambiental é uma incógnita. Vejamos o acrônimo EIA/RIMA. O que é EIA/RIMA? Rigorosamente, nada. O que existe é o EIA e o RIMA. O primeiro é o Estudo de Impacto Ambiental, que deve ser providenciado pelo empreendedor sempre que um projeto implique na potencial criação de significativa degradação do meio ambiente. Mas afinal, o que é significativa degradação do meio ambiente? Opa, agora a coisa ficou feia.
Significativa degradação é um conceito jurídico indeterminado que deve ser preenchido caso a caso. Isto é, somente no caso concreto nós poderemos saber o real significado do conceito. Existem, é verdade, algumas relações estabelecidas por lei ou por resolução. Entretanto, há que se observar que tais leis ou resoluções não poderão se sobrepor ao texto constitucional. Resulta daí que as relações de atividades potencialmente causadoras de significativa degradação ambiental têm a natureza jurídica de uma presunção iuris tantum. Trocando em miúdos, é possível provar que a relação não contempla todas as atividades que potencialmente possam causar significativa degradação ambiental. Mas como pau que dá em Chico, dá em Francisco é possível que, no caso concreto, uma atividade prevista na lista não seja causadora de significativa degradação ambiental. Caberá ao Poder Executivo definir como e quando uma atividade pode ser enquadrada como potencialmente causadora de significativa degradação ambiental. Assim, nem toda intervenção sobre o meio ambiente deve ser precedida de EIA.
E o RIMA ? Bem, para Carlos Drummond de Andrade ela era a antítese da solução. O Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente é um resumo do que se contém no EIA escrito de forma “acessível” para a população em geral. Ele deve ficar disponível em vários locais públicos para que a população possa consultá-lo. Ora, então o RIMA é a informação ao público.
Mas a Constituição não determina que todo empreendimento passe por um prévio Estudo de Impacto Ambiental? Não. O que a Constituição determina é que haja uma avaliação ambiental prévia ao empreendimento. Tal avaliação pode ser uma análise de risco, um relatório ambiental simplificado e diversas outras formas de estudos. As avaliações posteriores à implantação do empreendimento podem ser auditorias legais ou voluntárias.
APA, APP, REBIO e outros acrônimos são espaços especialmente protegidos na forma da lei. A APA é provavelmente a área que suscita maiores controvérsias, pois ela efetivamente não é uma Unidade de Conservação mas, antes, uma organização territorial de atividades ou usos consentidos. As APAS não subtraem parcela de território ao uso econômico. O que elas fazem é definir os usos possíveis. Muitas vezes são instituídas APAs com uma tal série de restrições que, na prática, elas são outra unidade de conservação. Neste ponto é importante lembrar que um conceito jurídico não se caracteriza pela sua denominação (nomem iuris) mas pela sua característica intrínseca. Dado o fato de que a instituição de APA é não onerosa, muitas vezes as administrações determinam a criação de APA que efetivamente são Reservas Biológicas, Parques, ou outra UC. Resulta daí o fenômeno da chamada desapropriação indireta em razão do esvaziamento do conteúdo econômico do bem.
Área de Preservação Permanente é uma região definida em lei que, instituída para a proteção dos recursos hídricos ou do solo, deve ser observada. Normalmente é no Código Florestal que estão definidas as distâncias a serem observadas para a proteção de mananciais e outros bens ambientais. O problema ocorre nas áreas urbanas, nas quais a observância do Código Florestal é sempre problemática. O Código Florestal determina que a extensão mínima da Área de Preservação Permanente é de trinta metros. Entretanto, o mesmo Código admite que, nas áreas urbanas, poderá ser observada a distância definida pelo Plano Diretor, nos termos do próprio Código. Muitos sustentam, assim, que o valor mínimo de APP nas margens de rios deve ser de trinta metros, mesmo nas áreas urbanas. Contudo, parece-me que, diante dos termos do artigo 4º, III da Lei Federal nº 6766/79, o afastamento mínimo em área urbana poderá ser de quinze metros para cada margem do rio. “Art. 4º, III – A longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio público das rodovias, ferrovias e dutos, será obrigatória a reserva de uma faixa “non aedificandi” de 15 (quinze) metros de cada lado, salvo maiores exigências da legislação específica;.” A menos que a legislação municipal determine um afastamento maior. Pois a legislação específica, no caso, é a urbana.
Reservas Biológicas são áreas pertencentes ao Poder Público e destinadas à pesquisa científica. Não podem ter outra utilização. Bem, em meio a tantas siglas qualquer um fica confuso e não sabe muito bem o que fazer. De qualquer forma, aqui vai uma pequena contribuição para que possamos entender um pouco melhor esta verdadeira poluição legislativa que existe na área ambiental.
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