Esta é uma coluna consagrada à “proteção ambiental” e, portanto, deve procurar ficar a salvo do “ambiente pesado” que estamos vivendo neste país tropical. O Professor Lévy-Strauss achava que os trópicos eram tristes. Na verdade, são mesmo, pois os espetáculos circenses – no mau sentido – que se repetem em uma velocidade estonteante são profundamente deprimentes e insuperáveis. Quem de nós não se sente um panaca ao ouvir falar de milhões, centenas de milhões e outros números estratosféricos? O ex-líder sindical Lula chegou a dizer que o Congresso era formado por 300 picaretas. Herbert Vianna pegou o mote e cantou:
Luís Inácio falou, Luís Inácio avisou
São trezentos picaretas com anel de doutor
Luís Inácio falou, Luís Inácio avisou
Luís Inácio falou, Luís Inácio avisou
São trezentos picaretas com anel de doutor
Luís Inácio falou, Luís Inácio avisou
Eles ficaram ofendidos com a afirmação
Que reflete na verdade o sentimento da nação
É lobby, é conchavo, é propina e jeton
Variações do mesmo tema sem sair do tom
Brasília é uma ilha, eu falo porque eu sei
Uma cidade que fabrica sua própria lei
Aonde se vive mais ou menos como na Disneylândia
Se essa palhaçada fosse na Cinelândia
Ia juntar muita gente pra pegar na saída
Pra fazer justiça uma vez na vida
Eu me vali deste discurso panfletário
Mas a minha burrice faz aniversário
Ao permitir que num país como o Brasil
Ainda se obrigue a votar por qualquer trocado
Por um par se sapatos, um saco de farinha
A nossa imensa massa de iletrados
Parabéns, coronéis, vocês venceram outra vez
O Congresso continua a serviço de vocês
Papai, quando eu crescer, eu quero ser anão
Pra roubar, renunciar, voltar na próxima eleição
Se eu fosse dizer nomes, a canção era pequena
João Alves, Genebaldo, Humberto Lucena
De exemplo em exemplo aprendemos a lição
Ladrão que ajuda ladrão ainda recebe concessão
De rádio FM e de televisão
Rádio FM e televisão
Acho que não há necessidade de maiores comentários, salvo o de que não há necessidade de anel de doutor para participar de picaretagem. Mas o nosso tema é meio ambiente – no bom sentido – e para ele vamos nos dirigir rapidamente. A bola está com o bravo Conselho Nacional do Meio Ambiente, vulgo Conama. Lá está sendo pensada uma nova Resolução para tratar das exceções em Áreas de Preservação Permanente – APPs. Trata-se, obviamente, de uma rematada bobagem. O Direito não existe para regulamentar exceções. O que o Direito faz é dispor sobre regras, normas gerais, situações padrão. Quem dispõe sobre situações excepcionais é o administrador ou o Poder Judiciário na base da análise caso-a-caso de cada situação nova que se apresenta. Toda a confusão tem origem na Medida Provisória nº 2.166-67 de 21 de agosto de 2001. Antes de entrar em qualquer análise legal, permito-me relembrar ao leitor que o nº 67 após o hífen significa a sexagésima sétima reedição da Medida Provisória nº 2.166. Sim, é isto mesmo: 67 reedições.
Enfim, assim é o Brasil e não é esta coluna que vai mudá-lo, até porque não tem semelhante pretensão. A tal MP promoveu algumas alterações significativas no Código Florestal. Pressão pra lá, pressão pra cá, paulatinamente um pequeno monstro foi sendo gestado nas entranhas do Planalto Central. Conforme o determinado pela MP, o artigo 4º do Código Florestal.
Art. 4o – A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto.
§ 1o A supressão de que trata o caput deste artigo dependerá de autorização do órgão ambiental estadual competente, com anuência prévia, quando couber, do órgão federal ou municipal de meio ambiente, ressalvado o disposto no § 2o deste artigo.
§ 2o A supressão de vegetação em área de preservação permanente situada em área urbana, dependerá de autorização do órgão ambiental competente, desde que o município possua conselho de meio ambiente com caráter deliberativo e plano diretor, mediante anuência prévia do órgão ambiental estadual competente fundamentada em parecer técnico.
§ 3o O órgão ambiental competente poderá autorizar a supressão eventual e de baixo impacto ambiental, assim definido em regulamento, da vegetação em área de preservação permanente.
§ 4o O órgão ambiental competente indicará, previamente à emissão da autorização para a supressão de vegetação em área de preservação permanente, as medidas mitigadoras e compensatórias que deverão ser adotadas pelo empreendedor.
§ 5o A supressão de vegetação nativa protetora de nascentes, ou de dunas e mangues, de que tratam, respectivamente, as alíneas “c” e “f” do art. 2o deste Código, somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública.
§ 6o Na implantação de reservatório artificial é obrigatória a desapropriação ou aquisição, pelo empreendedor, das áreas de preservação permanente criadas no seu entorno, cujos parâmetros e regime de uso serão definidos por resolução do CONAMA.
§ 7o É permitido o acesso de pessoas e animais às áreas de preservação permanente, para obtenção de água, desde que não exija a supressão e não comprometa a regeneração e a manutenção a longo prazo da vegetação nativa.
Um primeiro ponto que tem sido muito pouco debatido e que mereceria um pouco mais de atenção é a própria natureza e finalidade do Código Florestal. Ele é um instrumento jurídico que foi concebido para disciplinar a produção industrial de madeira, para a organização da exploração de florestas em atividades econômicas. Ante a inexistência de uma legislação no Brasil que se voltasse para a “proteção ambiental” de áreas com significativo valor ecológico, o Código Florestal passou a ser uma espécie de “pau pra toda obra” e, em tal condição, invocado em toda e qualquer situação na qual existisse um “sub-bosque” ou uma gramínea um pouco mais alentada.
Enfim, qualquer terreno baldio no qual paste uma “cabra vadia” poderá estar submetido aos rigores do Código Florestal. Chega-se a uma verdadeira contradictio in adjecto de utilizar o Código Florestal em áreas urbanas. Toda esta confusão teórica e terminológica só poderia dar no que deu. Além do mais, o Conama, com a sua vocação para assembléia estudantil, arvora-se competências que a lei não lhe dá para, ultrapassando o parlamento, estabelecer critérios jurídicos que somente a lei está autorizada constitucionalmente a fazer. Aqui não se trata de saber se são 300 ou 400 picaretas. O que se trata é que o Congresso Nacional, como retrato de Dorian Gray da nacionalidade, é o legítimo detentor do poder legal de dispor sobre matéria reservada a lei.
Uma rápida olhada nas atribuições legais do Conama, conforme definidas no artigo 8º da Lei nº 6.938/81, nos mostrará que não lhe cabe definir exceções legais a coisa nenhuma (1), muito menos às áreas de preservação permanente dispostas no Código Florestal. O nosso Conama é um Conselho tão curioso que deveríamos, inclusive, questionar a base primária da legalidade de suas decisões, pois por incrível que pareça, a sua composição não está definida em lei, variando de acordo com a menor ou maior vocação populista do Ministro por ele responsável. Como se sabe, somente a lei pode dispor sobre Conselhos, sua competência, composição, etc.
Aliás, muitas das resoluções do Conama padecem de um vício de gritante inconstitucionalidade que, no entanto, não têm sido denunciadas não se sabe por quê. Na verdade, há um certo grau de oportunismo quando se examinam as resoluções do Conama. Se atendem aos meus interesses, são maravilhosas; se os contrariam, são aberrações jurídicas. Há que se firmar um consenso para que o Conama se limite ao seu papel — que, aliás, é relevantíssimo — e não avance em matéria inteiramente fora de suas atribuições legais. Já é hora de o Conselho ser definido em lei, com seus membros definidos em lei e, caso seja este o interesse nacional, que suas atribuições sejam legalmente ampliadas.
(1) Art. 8º Compete ao CONAMA: I – estabelecer, mediante proposta da SEMA, normas e critérios para o licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluídoras, a ser concedido pelos Estados e supervisionado pela SEMA; II – determinar, quando julgar necessário, a realização de estudos das alternativas e das possíveis conseqüências ambientais de projetos públicos ou privados, requisitando aos órgãos federais, estaduais e municipais, bem assim a entidades privadas, as informações indispensáveis para apreciação dos estudos de impacto ambiental, e respectivos relatórios, no caso de obras ou atividades de significativa degradação ambiental, especialmente nas áreas consideradas patrimônio nacional. III – decidir, como última instância administrativa em grau de recurso, mediante depósito prévio, sobre as multas e outras penalidades impostas pela SEMA; IV – homologar acordos visando à transformação de penalidades pecuniárias na obrigação de executar medidas de interesse para a proteção ambiental; (VETADO); V – determinar, mediante representação da SEMA, a perda ou restrição de benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público, em caráter geral ou condicional, e a perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito; VI – estabelecer, privativamente, normas e padrões nacionais de controle da poluição por veículos automotores, aeronaves e embarcações, mediante audiência dos Ministérios competentes; VII – estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com vistas ao uso racional dos recursos ambientais, principalmente os hídricos. Parágrafo único. O Secretário do Meio Ambiente é, sem prejuízo de suas funções, o Presidente do Conama.
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