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PAC, legislação ambiental e o financiamento do Estado

Normas ambientais, como o Código Florestal e a lei do SNUC padecem de um irrealismo quase que infantil. Atrapalham o crescimento econômico e não protegem o meio ambiente.

8 de janeiro de 2008 · 17 anos atrás
  • Paulo Bessa

    Professor Adjunto de Direito Ambiental da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

“Des mensonges et des bêtises
Qu’un enfant ne croirait pas
(Il me dit que je suis belle. autor Jean Jacques Goldman, cantada por Patricia KAAS) ”

O Governo Federal, no ano passado, anunciou o Programa de Aceleração do Crescimento – PAC que é um conjunto de medidas e intervenções que, fundamentalmente, tem por objeto ampliar a infra-estrutura brasileira e, com isto, propiciar um incremento importante da atividade econômica. O PAC é bem mais modesto do que as intervenções realizadas pelo I Plano Nacional de Desenvolvimento, por exemplo. No entanto, a realidade da legislação ambiental de ambos é bastante diversa e, logicamente que as conseqüências ambientais da expansão econômica da década de 70 do século passado foram negativas e não podem e não devem ser reproduzidas. Como não poderia deixar de ser, as leis de proteção ao meio ambiente são extremamente importantes para que o PAC possa se desenvolver e dar os resultados que a sociedade espera, seja do ponto de vista puramente econômico, seja protegendo o meio ambiente e aos indivíduos.

Infelizmente, poucos têm se dado conta de que a nossa legislação ambiental básica, sobretudo aquela que está diretamente relacionada com a infra-estrutura, foi concebida e aprovada em um período no qual o desenvolvimento econômico era apenas uma esperança, quiçá um devaneio, padecendo assim de um irrealismo quase que infantil, ainda que justificado por reação às agressões ambientais do passado. Posso citar os seguintes exemplos:

(a) Código Florestal, muito embora o Código seja de 1965 e tenha surgido em um contexto no qual se buscava o desenvolvimento econômico, em 1989, a Lei n° 7.803, de 18 de julho promoveu importantes mudanças no artigo 2º, com uma notável ampliação das áreas consideradas de preservação permanente. Veja-se que no caso dos rios com menos de 10 (dez) metros de largura, o valor da faixa de preservação original do código era de 5 (cinco) metros. A nova redação ampliou a aludida distância para 30 (trinta) metros. O mesmo ocorreu com as outras metragens no que se refere aos cursos de água mais largos.

O mesmo se deu com o artigo 16 do Código Florestal (Reserva Florestal Legal), que, posteriormente, foi alterado pela medida provisória nº 2.166/67 de 2001, sempre no sentido de ampliar as restrições ao livre uso da terra.

É interessante observar, no entanto, que apesar do “endurecimento” legal, o mundo concreto indica um crescimento do desflorestamento e da degradação no período. A administração pública, como se percebe, deu uma resposta formal a problemas reais, sem se dar conta de que o grande prejudicado com as medidas “protetoras” foi o próprio país, pois somente as atividades legais e formais são cobradas quanto à observância das leis “mais duras” . Românticas em período de baixíssima atividade econômica, passam a ser obstáculos severos, quando se necessita fazer o país se movimentar, as leis concebidas sem qualquer estudo prévio relevante. Nem se diga, aqui, que estamos apregoando a devastação, pois não consegui encontrar nenhuma justificativa – nas exposições de motivos – que justificassem multiplicar por seis as faixas de preservação dos rios com menos de 10 (dez) metros de largura, por exemplo.

(b) Gerenciamento costeiro. A lei de gerenciamento costeiro ( Lei nº 7. 661, de 16 de maio de 1988) , igualmente, foi produzida no chamado período da “década perdida”, No artigo 5º da lei, há uma relação extensiva de atividades a serem contempladas no gerenciamento costeiro, tais como: urbanização; ocupação e uso do solo, do subsolo e das águas; parcelamento e remembramento do solo; sistema viário e de transporte; sistema de produção, transmissão e distribuição de energia; habitação e saneamento básico; turismo, recreação e lazer; patrimônio natural, histórico, étnico, cultural e paisagístico. Havendo, ainda, a necessidade de estudo de impacto ambiental, sendo que no artigo 6º, há uma previsão de estudo de impacto ambiental para praticamente qualquer atividade que se pretenda realizar na costa: “para o licenciamento, o órgão competente solicitará ao responsável pela atividade a elaboração do estudo de impacto ambiental e a apresentação do respectivo Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, devidamente aprovado, na forma da lei”. Hoje, por mais incrível que possa parecer, é muito mais complicado construir um hotel ou uma marina á beira mar do que um porto ou uma siderúrgica, por exemplo.

(c) Sistema Nacional de Unidades de Conservação – A lei do sistema nacional de unidades de conservação – SNUC (9.985, de 18 de julho de 2000), responde a um grupo de pressões bastante dispares, que vão desde o G7 e as ONGs que dão suporte às ações ambientais do G7 no país, assim como as suas ações com relação às áreas indígenas. Contudo, assim como as leis acima mencionadas, o SNUC surge em momento de dificuldades econômicas e de ampliação da crise de financiamento do Estado e dá inicio a processo de transferência da responsabilidade do estado para com as unidades de conservação, entregando-a a particulares, isto se faz com a chamada compensação ambiental estabelecida pela lei em seu artigo 36 que é a busca de financiamento privado, a ser estipendiado pelo empreendedor de atividades impactantes sobre o meio ambiente. O mecanismo é interessante e deveria ter suas conseqüências econômicas examinadas, pois ele cria um ônus absolutamente original sobre as atividades a serem implantadas. Vale observar que a lei fala em mínimo de 0,5% do valor do investimento, devendo ser consignado que a execrada CPMF correspondia a 0,38% da transação financeira realizada.

(d) Lei nº 6.938/81. A lei da Política Nacional do Meio Ambiente, também reflete a crise de financiamento do estado, pois em suas recentes alterações (lei nº 9.960/2000) teve introduzida a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental – TCFA que, claramente, se insere em um conjunto de normas estatais com vistas a dar tratamento a sua conhecida crise de financiamento.

Veja-se que, não obstante esta crescente oneração financeiro-ambiental, a qualidade do meio ambiente não tem melhorado proporcionalmente. Na verdade, a ação estatal – suprapartidária, diga-se de passagem – tem sido a simplesmente transferir para os particulares a sustentação econômica da área ambiental, conforme os mecanismos acima mencionados e proporcionalmente, reduzir as verbas públicas. Da mesma forma, os investimentos mais relevantes são feitos nas atividades meio e não nas atividades fins dos órgãos ambientais.

O próprio investimento em pessoal – essencial para que os órgãos possam ser minimamente operacionais – padece de uma distorção tradicional. Agregam-se novos servidores na cúpula dos órgãos e as pontas permanecem praticamente com as mesmas dificuldades. Mesmo os apologistas do chamado “estado mínimo”, neoliberais e tantos outros, não podem deixar de constatar que a demanda por mais serviços ambientais, tais como fiscalização, controle e outros é crescente, enquanto que os recursos orçamentários não vão na mesma direção. O cachorro não consegue morder o rabo. A racionalização das atividades, com a descentralização e a atribuição de papéis claros aos diferentes entes federativos é, ainda, uma aspiração. O anteprojeto de lei complementar sobre competências ambientais permanece à deriva no Congresso Nacional, girando entre o mensalão e as picardias senatoriais. Assim, multiplicam-se despesas e esforços e dividem-se resultados. Ficamos enxugando gelo.

Uma outra característica que tem sido constante em nossa legislação ambiental é uma crescente tendência à inovação no direito penal. Praticamente toda lei ambiental tem o seu tipo penal próprio. Sabemos que o direito penal, dada a sua gravidade, somente deve ser chamado a intervir em situações realmente sérias e que mereçam o maior grau de reprovação social possível. Situações que poderiam muito bem ser resolvidas no âmbito de direito administrativo são levadas para o direito penal e se transformam em verdadeiros festivais de cestas básicas, em desmoralização do direito ambiental, do direito penal, do ministério público e do próprio judiciário. Sustenta-se que a criminalização é uma resposta à pouca eficácia administrativa e que as multas não são pagas. Assim, para se combater um problema, cria-se outro.

Todas as normas acima invocadas guardam uma peculiaridade bastante clara, criam obstáculos à atividade econômica, seja onerando-a financeiramente, seja criminalizando-a, ou seja estabelecendo Standards ambientais em padrões cuja origem é desconhecida, fundando-se, apenas, em um desejo de proteger o meio ambiente. Um wishful thinking, pouco mais do que isto, se quiserem. Diga-se em defesa da legislação ambiental que ela não é a única a incorrer nas situações acima mencionadas. Em verdade, não seria absurdo se afirmar que a questão é “nacional”. Ou para usarmos uma expressão do bruxo do Cosme Velho, “a confusão era geral”.

Muitos outros exemplos poderiam ser apresentados; contudo, o meu objetivo, com o presente artigo, no entanto, não é realizar um arrolamento da legislação ambiental mas, isto sim, chamar a atenção para um fato pouco observado que é a existência de um conjunto de normas construído em período de crescimento da atividade econômica tendente a zero e que, salvo melhor juízo, é incompatível com uma conjuntura na qual se pretenda ultrapassar os 5 % (cinco por cento) anuais de crescimento econômico.

Releva notar, como já foi feito acima, que a legislação em si mesma não é capaz de assegurar maior grau de proteção ambiental, devendo ser acompanhada de um conjunto de medidas, atitudes e instrumentos que sejam aptos a dar-lhe concretude. Entretanto, a realidade nos demonstra que desde a elaboração de tais normas, não se pode afirmar que elas tenham sido responsáveis por uma efetiva melhoria da qualidade ambiental, haja vista que tem sido propalado aos quatro ventos que a qualidade ambiental tem sofrido decréscimo.

Assim, ao se pretender retomar o crescimento econômico e mantê-lo em níveis sustentáveis, se faz necessário um debate bastante profundo sobre a necessidade e utilidade de determinadas normas e, sobretudo, de sua correspondência com a realidade. Norma boa é aquela que encontra condições sociais que a tornem exeqüível e, portanto, eficaz. Fala-se muito que a nossa legislação ambiental é avançada, a propósito, vale voltar à bela canção cantada por Patricia Kaas1:

“Il me dit que je suis belle

Et qu’il n’attendait que moi

Il me dit que je suis celle

Juste faite pour ses Brás

Des mensonges et des betises

Qu’un enfant ne croirait pás

Mais les nuits sont mes églises

Et dans mes rêves j’y crois”

1http://www.paroles.net/chanson/15915.1

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