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O Caminho do Ouro

Tiradentes e Martim de Sá andaram pelo Caminho do Ouro, trilha que corta o Parque Nacional da Bocaina e abrigou capítulos importantes de nossa história.

27 de janeiro de 2005 · 20 anos atrás

Semana passada, a propósito da finalização do Plano de Manejo do Parque Nacional da Serra da Bocaina, comentamos o deplorável estado em que aquele Parque se encontra hoje. De fato, os desafios de manejo que se impõem são assustadores. As oportunidades, por outro lado, são imensas. Existe, por exemplo, encravada no seio do Parque, uma estrada histórica toda em pé de moleque, conhecida por “Caminho do Ouro”. Muito procurada por trilheiros experimentados, essa trilha, se bem manejada, poderia ser excelente fonte de recursos financeiros. Além disso, os excursionistas que a percorressem poderiam servir de alavanca, no seio da sociedade civil organizada, para aumentar o apoio à fiscalização contra o desmatamento, a caça e a depredação que hoje, infelizmente, correm soltas às suas margens.

A trilha que leva de São José do Barreiro, em São Paulo, a Mambucaba, no litoral sul do Rio de Janeiro, é uma travessia das mais espetaculares do Brasil. Dura três dias. Seu início está localizado na vertente Vale do Paraíba da Serra do Mar; daí avança por belos trechos de mata de araucárias, entremeados por desabridos campos de altitude para, no último dia de caminhada, descer vertiginosamente por uma estrada colonial quase intacta, em meio a exuberante Mata Atlântica. Tudo isso decorado por rios de águas cristalinas, cachoeiras majestosas e vistas de recuperar o fôlego.

Conhecida popularmente por Caminho do Ouro, essa antiga picada em meados do século passado era oficialmente chamada de Estrada Cesarea. Sua existência, entretanto, é muito mais antiga. Gurgel e Amaral, em seu estudo Paraty – Caminho do Ouro, sugerem que: “Em 1740, já existia vereda partindo da foz do rio Mambucaba e que tinha parte do seu leito empedrado. Construída pelos mineiros, passou ela a ser conhecida por Caminho dos Mineiros, isto é, daqueles que viviam nas Minas ou amiúde para lá iam. Depois mais acima ela ligava-se com o caminho principal que saia para Paraty”.

Assim, pode-se contextualizar a Estrada dos Mineiros no ciclo aurífero das Minas Gerais. A ocupação do litoral sul-fluminense é, entretanto, bem anterior. Muito antes da chegada dos europeus, a região já era habitada pelos índios Guaianá, que se comunicavam com o interior do continente por meio de esparsas trilhas que, aproveitando as gargantas abertas pelos vales dos rios, venciam as íngremes escarpas da Serra do Mar. Por uma dessas picadas o Governador do Rio Martim de Sá subiu em 1597, liderando uma expedição contra os índios Tamoios.

Quando os paulistas descobriram ouro em Minas no final do século XVII e fez-se necessário escoá-lo até o litoral, para ser embarcado em direção à Europa, impôs-se o problema da falta de caminhos regulares e seguros. Tal fato beneficiou sobremaneira as vilas de Parati, Mambucaba e Angra dos Reis, pois as antigas trilhas guaianá que dali subiam Brasil adentro eram as únicas picadas transitáveis a ligar a costa ao distrito do ouro.

Segundo o Itinerário Geográfico publicado por Francisco Tavares de Brito em Sevilha, no ano de 1732, o roteiro das antigas trilhas do ouro era: “(Parati, Angra ou Mabucaba) Embaú, Passa Vinte, Mantiqueira, Passa Trinta, Pinheirinho, Rio Verde, Pouzos Altos, Boa Vista, Caxambú, Baypendi, Pedro Paulo, Engay, Fravitua, Carrancas, Rio Grande, Tojuca, Rio das Mortes Pequeno, São João del Rey. No Caminho Novo há uma bifurcação à altura da Borda do Campo indo uma opção para São João d’el Rey e a outra para Villa Rica”.

No percurso, demoravam as tropas de burros cerca de três meses. Mesmo os viajantes mais expeditos, que contavam com boas montarias e não eram atrasados por animais de carga, penavam para completar o trajeto. Em 1700, o Governador Arthur de Sá gastou 47 dias de um extremo a outro do caminho, isso sem contar os dias em que parou para descansar. Com a abertura do Caminho Novo pela Serra dos Órgãos, concluído por volta de 1724, o tempo de viagem seria encurtado para três semanas.

Ana Miranda, em O Retrato do Rei, publicado pela Cia das Letras, ao construir uma história em torno da Guerra dos Emboabas, gasta algumas páginas para descrever uma viagem pela trilha do ouro no início século XVIII. É leitura prazerosa. Já para os que preferem relatos menos romanescos, e se interessam pelas condições de pouso e descanso no caminho, vale consultar o capítulo “Formas Provisórias de Existência: A Vida Cotidiana nos Caminhos, nas Fronteiras e nas Fortificações”, do livro História da Vida Privada no Brasil, também publicado pela Cia das Letras e organizado por Laura Mello e Souza.

O ouro extraído nas Gerais, quando se acumulava em quantidade razoável, era metido em valises de couro, colocadas a pender de ambos os lados de uma besta de carga, normalmente uma mula, devido à sua força e firmeza de passo. Feito isso, vinha a tropa serra abaixo, sempre escoltada por uma patrulha de Dragões. Vale lembrar que Tiradentes era oficial de um desses regimentos de Dragões, uma espécie de polícia da época. Daí o fato de o mártir da Independência ser também patrono das Polícias Militares.

Retornando à Estrada Cesarea, seu trajeto, segundo Gurgel e Amaral, teria sido percorrido no início do século XVIII, por uma expedição destinada a combater os corsários franceses que àquela altura haviam invadido o Rio de Janeiro: “De Mambucaba, pela antiga Trilha do Ouro, partiu Francisco Amaral Gurgel com cerca de 600 homens para defender a Cidade do Rio de Janeiro da invasão de Duguay Troin em setembro de 1711”.

Para azar da Guanabara, o caminho era então como ainda é hoje, longo e tortuoso. Amaral Gurgel não chegou a tempo. O Rio foi ocupado e saqueado pelos invasores franceses.

Semana que vem eu conto mais.

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