Alunos da faculdade de jornalismo aprendem logo no primeiro período que notícia de jornal tem que ser quente, nova, bombástica. Matéria fria é mau jornalismo e não vende jornal. Não escrevo para jornal diário, redijo uma coluna, logo não tenho a pressão do calor dos fatos. Melhor assim, pois quando soube que o Prefeito César Maia rompera unilateralmente o Convênio de Gestão Compartilhada para a Floresta da Tijuca, celebrado em 2000 entre a prefeitura e o Ibama, fui tomado, primeiro de profunda estupefação e, depois, arrebatou-me um sentimento de tristeza profunda. Como também se aprende na faculdade que escrever sob pressão emocional é mau jornalismo, deixei a poeira passar para dar o depoimento de quem alinhavou o acordo e viu os resultados que ele proporcionou até ser rompido.
Assinado em 1999, o convênio envolveu pelo lado federal, o Ministério do Meio Ambiente, o Ministério do Turismo, a Secretaria do Patrimônio da União e o Ibama; e pelo municipal, a Secretaria de Meio Ambiente, a Secretaria de Obras, a Secretaria de Turismo, a Comlurb, a Guarda Municipal, o Instituto Pereira Passos, a Fundação Instituto de Geotécnica (Geo-Rio), a Empresa Municipal de Urbanização (Rio-Urbe) e a Fundação Instituto das Águas (Rio-Águas).A cerimônia de assinatura, envolvendo três Ministros, o prefeito, o presidente do Ibama e diversos secretários municipais foi o ápice de um processo de negociação difícil e arrastado.
Desde meados da década de 80 o Parque Nacional da Tijuca vinha passando por um contínuo e crescente processo de degradação. Suas trilhas erodidas, malcuidadas e despoliciadas eram palco de seguidos casos de visitantes perdidos na mata e proporcionavam fácil covil a bandos de caçadores. Suas estradas estavam esburacadas, os banheiros dos usuários fétidos, os veículos de serviço desmantelando-se, as Paineiras entregues a cachorros de dias e a traficantes e seqüestradores à noite, os mirantes da Vista Chinesa e Mesa do Imperador com a vista completamente encoberta, a relação com a Academia azeda, o Corcovado entregue aos flanelinhas, à extorsão de taxistas mal-
intencionados e ao desvio de recursos da bilheteria, o Mirante Dona Marta dominado pela bandidagem e o Mirante do Excelsior fechado à visitação por medo ao tráfico de entorpecentes.
Inconformados com o descaso do governo federal, a população e a indústria de turismo da cidade do Rio de Janeiro iniciaram um movimento de pressão às autoridades competentes. Para o Ibama, contudo, a floresta parecia não ser importante. Apesar de ser o parque mais visitado do Brasil, não contava sequer com centro de visitantes, enquanto Itatiaia e Serra dos Órgãos que juntos não têm 20% dos freqüentadores da Tijuca já tinham os seus. A lógica de Brasília era simples. A função primordial do Ibama é PRESERVAR A NATUREZA. Em um contexto de recursos orçamentários escassos, é imperioso priorizar. Faz sentido investir em parques grandes, contínuos, de mata primária, submetidos a pouca pressão e repletos de espécies endêmicas ou ameaçadas de extinção. Pequeno, cortado por estradas, infestado de caçadores (tanto os humanos quanto os exóticos cães e gatos), sobre-visitado, queimado e requeimado pelos balões juninos e já começando a ser invadido por favelas, o Parque Nacional da Floresta da Tijuca não é nada disso. Logo, é natural que fosse relegado ao ostracismo pelo Ibama.Ocorre que, se na escala macro, o parque apequena-se quando comparado a congêneres amazônicos, cerrados e matatlânticos, no plano micro sua importância para o Rio de Janeiro é inestimável.
Para ficarmos apenas na questão da imagem, seria a cidade do Rio maravilhosa se não estivesse emoldurada pelas verdejantes encostas montanhosas da Floresta da Tijuca; se não estivesse eternamente abençoada pelo Cristo Redentor? Noves fora a benéfica influência no clima, o abastecimento de água potável, e a função de evitar enchentes e desbarrancamento, a Floresta ainda proporciona aos cariocas escaladores belos paredões, aos excursionistas intermináveis trilhas, aos voadores uma rampa de vôo livre ímpar, aos caminhantes a estrada das Paineiras, aos calorentos refrescantes cachoeiras; e aos turistas o Corcovado, a Vista Chinesa, a Mesa do Imperador, a Vista do Almirante, a Cascatinha…
Tendo em vista os ouvidos moucos do Ibama, empresários de turismo e amantes da Floresta passaram então a pressionar o prefeito do Rio de Janeiro. Este, por sua vez, cansado de levar pancada sem ter os meios para resolver o problema pressionou então o Ministro do Meio Ambiente. Simpático ao drama da Tijuca, José Sarney Filho puxou as orelhas do Ibama e pediu providências. Luiz Paulo Conde, cioso da importância da Floresta para a cidade, comprometeu-se a ajudar. Formou-se uma comissão para estudar o assunto. Convidado para assumir a chefia do parque, por ser neutro -ou seja não pertencer a partido político nenhum- sugeri que se criasse uma Gestão Compartilhada com identidade jurídica própria que comprometesse as esferas municipal e federal a trabalharem juntas por um bem que é público. Assustado com a perda do controle sobre um Parque Nacional e preocupado com o precedente, inicialmente o Ibama se posicionou contrário à idéia. Somente após muitas horas de dificultosa negociação, Carlos Henrique Abreu Mendes, representante do Ministro Sarney, convenceu a diretoria do órgão a aceitar com pequenas modificações o projeto proposto pela prefeitura.
Finalmente assinado no início de 1999 por Luís Paulo Conde, José Sarney Filho, Cláudia Costin, Raphael Greca e Eduardo Martins o Convênio estabeleceu que o parque passaria a ser gerido por uma Comissão- executiva da Gestão Compartilhada composta por três ministros ou seus representantes, dois membros indicados pelo Ibama e quatro secretários municipais além da presidente do Instituto Pereira Passos. Meses mais tarde a Comissão foi ampliada para incluir também o presidente da Sociedade de Amigos da Floresta da Tijuca. O ciretor-executivo do Parque Nacional, indicado pela Prefeitura e o vice-diretor nomeado pelo Ibama, desde então passaram a responder diretamente à comissão. De acordo com o convênio, o Ibama se comprometeu a não reduzir o quadro de funcionários da Floresta, a repassar ao parque pelo menos 50% da receita do Corcovado e a transformar a Tijuca em unidade gestora de recursos capaz de fazer suas próprias licitações. Em contra-partida a prefeitura alocou imediatamente para o parque 28 guardas municipais, 3 professoras, uma dezena de funcionários de campo e administrativos e cerca de 100 garis.
Semana que vem eu conto como foram os anos em que a Gestão Compartilhada funcionou.da Floresta
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