O último Congresso Mundial de Unidades de Conservação, realizado em Durban, África do Sul, em 2002, debateu com profundidade o problema da gestão de áreas protegidas. Entre suas recomendações estava a de envolver ao máximo todos os atores públicos e privados no processo administrativo dos Parques Nacionais. Nesse contexto, a Floresta da Tijuca, no Rio e a Table Mountain, na África do Sul, foram repetidamente citadas como exemplos cuja gestão merecia ser replicada pelas unidades de conservação urbanas mundo afora.
O Congresso abrigou uma oficina exclusiva sobre o assunto, cuja gênese havia se dado meses antes em pleno Barracão (centro administrativo da Floresta da Tijuca), durante uma reunião do alto comando da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN). Na ocasião, diretores de Parques Nacionais e presidentes de órgãos ambientais dos quatro cantos do globo ficaram tão impressionados com os resultados positivos da Gestão do Parque – feita por Ibama e Prefeitura do Rio de forma compartilhada – que determinaram a criação de um workshop no congresso apenas para discutir o tema Áreas de Proteção Ambiental dentro ou junto a cidades: seus desafios e oportunidades de cooperação.
De fato, o Rio tinha muito para mostrar. Em apenas um ano de gestão compartilhada, o clima pesado de desconfiança recíproca que caracterizara os primeiros meses do processo estava dissipado e, ambas as esferas municipal e federal já trabalhavam de forma complementar, de mãos dadas para construir uma Floresta da Tijuca que pudesse se orgulhar do título de Parque Nacional.
A fim de garantir uma “neutralidade” da administração, acordou-se escolher para os cargos de diretor e vice-diretor executivos sevidores públicos comprometidos com a “causa Floresta da Tijuca”, mas estranhos aos quadros de Prefeitura e Ibama.
A idéia era replicar nos corações e mentes dos funcionários do Parque o que sempre existitu na alma dos freqüentadores e amantes da Floresta: uma ligação afetiva – institucional não apenas com seus órgãos de origem, mas PRIMORDIALMENTE com o Parque Nacional da Tijuca. De forma a solidificar essa identidade, de pronto os logotipos do Ibama e da Prefeitura foram relegados em segundo plano, em benefício de um logotipo especialmente criado para a Floresta e que passou a ser usado nas placas de sinalização, uniformes, bandeira, papel timbrado, mapas, automóveis etc. Apesar da resistência velada de alguns tradicionalistas tanto no campo federal, quanta na esfera municipal, não tardou para que os cento e muitos funcionários da Tijuca se sentissem, sobretudo, servidores do Parque Nacional. Analogamente, as equipes e os equipamentos foram integrados. Na prática, não havia mais funcionários da Prefeitura ou do Ibama trabalhando na Floresta, só havia servidores do Parque Nacional da Tijuca. Um só time, defendendo uma única causa. Por outro lado, o “status” funcional equivalente ao de presidente de autarquia, informalmente concedido pelo prefeito ao diretor-executivo, abriu ao Parque um diálogo direto e no mesmo nível com os secretários municipais, os dirigentes de empresas públicas e autarquias estatais e com os comandantes da Guarda Municipal, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros.
Tomadores de decisão das três esferas de governo e empresários cedo entenderam que associar sua imagem ao Parque passou a ser uma situação ganha-ganha. Despolitizado, porque não mais ligado diretamente a um ou outro Governo específico, mas somente à causa da própria Floresta, o PNT não tardou a aglutinar em torno de si uma multitude de aliados. Em várias situações, unidos sob o novo logotipo do Parque, órgãos estaduais, federais e municipais trabalharam em perfeita harmonia junto a ongs e sociedade civil.
Tamanha sinergia positiva não tardou a produzir resultados. Logo, o plano de manejo, esquecido em uma prateleira empoeirada durante 20 anos, começou a sair do papel. Apenas na primeira semana da Gestão Compartilhada, foram retirados do Parque 120 toneladas de lixo – alguns itens, como latas de refrigerante, com datas de validade vencidas havia mais de uma década. Posteriormente, com patrocínio privado da Repsol, foi implantado sistema exemplar de coleta seletiva de lixo.
Mas não foi só. Nos dois primeiros anos da gestão compartilhada 61 quilômetros de trilhas foram recuperados e sinalizados, seus atalhos fechados e suas áreas erodidas revegetadas. A média anual de pessoas perdidas na Floresta, em torno de 100 pessoas por ano, caiu a zero em maio de 1999 e, desde então, manteve-se nesse patamar. Uma sociedade de amigos foi criada, providenciando equipamento básico para os funcionários, como botas, ferramentas e uniformes. Novos veículos de serviço e fiscalização foram adquiridos. Foi iniciada uma rotina semanal de patrulha por meio de helicóptero, visando monitorar a expansão das favelas sobre os limites da Floresta.
O Mirante Dona Marta foi completamente reformado e ganhou policiamento permanente. Os mirantes da Vista Chinesa, Mesa do Imperador e Vista do Almirante foram reformados e podados devolvendo ao carioca a vista que deles se pode desfrutar. Foram implantadas em todo o Parque 120 placas de sinalização histórica, educativa e viária. O trânsito dentro do Parque foi redirecionado. A Capela Mairinque foi recuperada e aberta ao público. A casa de Oswaldo Aranha no Silvestre foi reformada e transformada em quartel do Grupamento Ambiental da Guarda Municipal. Os agentes de fiscalização fizeram cursos de guarda-parque em Minas Gerais e Curitiba. Todos os funcionários foram capacitados em combate a incêndio florestal e em atendimento ao turista. Setenta e um acampamentos de caçadores foram desativados. Foi criado o Centro de Educação Ambiental Carlos Manes Bandeira, com três professoras municipais cedidas em regime de tempo integral, passando a desenvolver imediatamente projeto educacional com todas as escolas do entorno do Parque.
O perigoso sistema de fiação aéreo foi trocado por uma rede subterrânea. A companhia de saneamento CEDAE reformou todas suas caixas d’água no interior do Parque. As Paineiras ganharam equipamentos novos. O asfalto das estradas do Parque foi recapeado. Os sanitários foram completamente reformados. A Bica do Monteiro e a Fonte Wallace foram recuperadas. Uma biblioteca foi criada, tendo sido adquiridos mais de 1.000 volumes ligados à Floresta ou a temas de meio ambiente. Foi estabelecida uma programação cultural que incluiu exposições, lançamentos de livros e concertos musicais. O Açude da Solidão foi desassoreado. Os gradis históricos dos portões das entradas Afonso Vizeu e Estrada da Paz recuperados. A pesquisa faunística, hidrológica, botânica e arqueológica no âmbito do PNT foi restabelecida.
A Pedra da Gávea foi reincorporada ao Parque com a introdução de patrulhas freqüentes – incluindo todos os fins de semana – que acabaram por reduzir os assaltos anteriormente rotineiros (e novamente nos dias de hoje) a zero. Também cabe mencionar que foi estabelecida parceria informal de manejo com os Parques da Cidade, Lage e Museu do Açude, áreas que a equipe do Parque Nacional da Tijuca também passou a fiscalizar e cujas trilhas sinalizou. A Pedra Bonita foi reflorestada. Por iniciativa da fundação Roberto Marinho, a estátua do Cristo Redentor foi completamente reformada e elevadores instalados. Foros de discussão permanente do Parque foram estimulados, tendo sido organizadas na Tijuca três oficinas internacionais sobre Unidades de Conservação Urbanas, uma em conjunto com o WWF e a Cidade do Cabo, outra com o International Council for Local Environmental Initiatives (ICLEI) e uma terceira com a UICN. A Floresta da Tijuca virou referência internacional e tornou-se candidata a Patrimônio Mundial da Natureza. O diálogo com centros excursionistas, escoteiros, ongs ambientalistas, associações de moradores, indústria turística e visitantes em geral foi estimulado.
A lista continua, mas paro por aqui, pois já começo a escrever um livro quando só tenho o espaço de uma coluna. Ademais não quero correr o risco de levar o leitor à exaustão.
Se os dados acima não forem suficientes para mostrar o sucesso da iniciativa de duas esferas de Governo que entraram em parceria para administrar em conjunto um bem que, antes de ser federal ou municipal, é PÚBLICO, a reação da população certamente aponta para a aprovação do acordo.
Nos dois anos anteriores à gestão compartilhada, o Parque Nacional da Tijuca foi objeto de meia centena de matérias publicadas na grande imprensa, 70% delas negativas. Reclamavam sobretudo da insegurança, sujeira e abandono administrativo. Em contraste, nos dois anos imediatamente posteriores à assinatura do Convênio o número de inserções na imprensa quadruplicou. Também reverteu-se o tom das reportagens, tendo mais de 90% delas sido elogiosas ao Parque e aos resultados do trabalho em conjunto dos governos federal e municipal..
Por fim cabe mencionar que, tão logo iniciada a gestão compartilhada, foi criado um livro de reclamações para registro dos visitantes (livro que não existe mais). Malgrado o nome, acabou se tornando livro de elogios, pois mais de 95% dos quase dois mil registros que recebeu foram loas ao convênio. Como a moradora do Alto da Boa Vista e professora Maria de Lourdes Lemos afirmou: “Estão de parabéns o prefeito e o presidente. Moro há mais de meio século no Alto e nunca vi a Floresta tão bem gerida. Esse é o melhor período da história do Parque, superior mesmo aos anos inesquecíveis de Castro Maya”. Exageros à parte, o comentário da professora espelha o sucesso da Gestão Compartilhada, que beneficiou sobremaneira o Parque Nacional da Tijuca em particular e todo o Rio de Janeiro em geral.
Semana que vem conto como a Gestão Compartilhada começou a ser desprestigiada e a Floresta relegada a segundo plano e concluo com o rompimento do Convênio.
Em tempo: Há cerca de duas semanas foi notícia em todos os jornais que cinco moças saíram a excursionar em Petrópolis e se perderam. Ao serem encontradas afirmaram ter passado a noite em uma cabana de caçadores. Onde estão o Ibama e a Polícia Florestal que ainda não acharam esta cabana?
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