Colunas

Aprendendo com os cangurus

Wilhougby, uma pequena cidade na Austrália, dá exemplo de preservação e manejo em aérea urbana. Criou um corredor ecológico que percorre toda sua extensão.

10 de junho de 2005 · 20 anos atrás

Semana passada, a coluna mostrou como Sydney, uma cidade de cerca de 5 milhões de habitantes, tem articulado os governos federal, estadual e os 41 municípios da região metropolitana para fazer uma das melhores gestões de áreas protegidas em ambiente urbano de todo o mundo. Esta semana a coluna vai contar como um desses municípios logrou fazer o manejo de suas áreas verdes de modo a maximizar seu meio ambiente e a transformá-lo em um relevante corredor de fauna e flora.

Trata-se de Wilhougby, na zona norte de Sydney, um pequeno município altamente urbanizado e densamente habitado. Asfalto, residências e centros comerciais são a marca registrada de Chatswood, maior bairro de Willoughby. Até bem recentemente, poucos habitantes de Sydney se davam conta que o município também abriga significativos remanescentes da flora australiana, espalhados por 300 hectares fragmentados de áreas verdes, especialmente às margens do rio Lane Cove e da baía de Sydney.

Há alguns anos, contudo, essa realidade tem se modificado. Sob o comando competente de Alfred Bernhard, o Departamento de Meio Ambiente de Wilhoughby tem se esforçado para transformar parques gramados, terrenos baldios, campos de golfe, antigos depósitos de lixo e pequenas reservas de mata nativa em um corredor contínuo de mata primária, atravessando Wilhoughby de ponta a ponta e conectando suas áreas verdes com os Parques Nacionais urbanos de Lane Cove e Garigal. Trata-se de trabalho árduo. Considerando a inserção urbana das áreas verdes de Wilhougby, é alta a taxa de espécies invasoras. Assim como as áreas protegidas urbanas no Brasil, são sobretudo as bordas dos parques que sofrem a maior pressão.

Em Willoughby este problema é agravado pelo fato de seus parques tenderem a ser compridos e estreitos, aumentando suas fronteiras com a área urbanizada de Sydney, onde a depredação é maior. Há grande vulnerabilidade a predadores domésticos, como cães e gatos,à invasão de espécies exóticas oriundas dos jardins residenciais, ao fogo acidental provocado por moradores, ao despejo ilegal de entulho e lixo, inclusive substâncias tóxicas, à construção ilegal de casas, à coleta ilegal de plantas e à caça ilegal de pequenos animais; bem como ao aumento da fragmentação causado pelo desenvolvimento e à conseqüente construção de novos logradouros.

Para combater esses problemas e fazer dos 300 hectares verdes de Willoughby um corredor contínuo, a equipe de Bernhard montou um ambicioso plano de manejo geral, que visa restaurar os seis tipos de ecossistemas presentes no município (manguezais, flora estuarina, savana, floresta úmida, floresta seca e floresta de eucaliptos). Após extensiva consulta popular, cada uma das áreas protegidas do município recebeu seu plano de manejo individual. Adicionalmente, foi elaborado completo inventário faunístico e florístico do município, no qual verificou-se que Willoughby abriga duas espécies de tartarugas, 12 de lagartos, sete de cobras, seis de sapos, cinco de morcegos, duas de roedores, duas de gambás, goanas, équidnas, wallabys (pequenos cangurus) e 119 espécies de pássaros. Três espécies de pássaros, bem como cinco espécies arbóreas estão ameaçadas de extinção, e têm tido tratamento prioritário.

De modo a reduzir o impacto sobre os pequenos mamíferos, foi realizado um complexo programa de eliminação de raposas. Esses vorazes predadores foram introduzidos em Sydney no século XIX pelos imigrantes europeus e desde então infestam suas áreas verdes. Em Willloughby estão finalmente deixando de ser um problema. Com o sucesso de sua erradicação sistemática, já se percebe a recomposição da fauna local. Todos os Planos de Manejo das diferentes áreas bem como o inventário da fauna e flora encontram-se disponíveis na internet.

Desde o princípio, Alfred e sua equipe tiveram consciência de que seria impossível recuperar a área verde do município ao seu estado original, sem o apoio irrestrito da população. Imediatamente foi iniciado um trabalho de educação ambiental nas escolas e nas associações de moradores envolvendo diferentes atividades, como palestras, caminhadas guiadas, colônias de férias infantis, projeto de observação de fauna e programa oficial de incentivo à substituição de plantas exóticas por espécies nativas nos jardins particulares. Para os moradores interessados em “australianizar” seus jardins, foi disponibilizado um horto municipal somente com espécies nativas.Para completar essas medidas, um ambicioso programa de voluntários – o “bushcare”- foi estabelecido com o objetivo de envolver os residentes na recuperação ambiental das áreas verdes do município.

O “bushcare” tem atualmente 36 grupos e 40 voluntários individuais, cada um trabalhando em um local diferente sob a coordenação técnica do Departamento de Meio Ambiente de Willoughby, seguindo um plano de ação especialmente desenhado para aquele local. O plano pode envolver diversas atividades tais como erradicação de espécies invasoras, plantio de espécies nativas, conservação de trilhas, controle de erosão, estabilização de encostas ou educação ambiental. O município treina cada voluntário e ainda provê ferramentas, mudas e acompanhamento técnico, além de manuais de instrução. A maioria dos grupos reúne-se quinzenalmente, mas há grupos que chegam a trabalhar duas vezes por semana.

Uma das atividades mais bem sucedidas do Município de Willoughby foi a recuperação ambiental do antigo lixão da cidade- Flat Rock Gully. Desativado em 1998, Flat Rock Gully sofreu seguidos trabalhos de restauração por parte da equipe de Bernhard. Durante diversos meses foram plantadas milhares de mudas de espécies nativas, ao tempo em que foi controlado com rigor o aparecimento de qualquer espécime exótico. Hoje, 7 anos depois, Flat Rock Gully é um Parque exuberante que serve de habitat para pássaros, batráquios e répteis, além de prover um corredor entre outras áreas verdes de Sydney.

Nem o lazer foi negligenciado nos Parques de Willoughby. Suas belezas podem ser apreciadas ao longo de quase trinta quilômetros de trilhas muito bem mantidas e sinalizadas que, embora não sejam partes integrantes da Great North Walk ou da Harbour to Hawkesbury Track, se ligam a elas de forma contínua, servindo como acessos secundários a essas trilhas de longo curso, com as quais formam como corredores ecológicos. Parece pouco. Não é. Em seus 4000 hectares, dez vezes mais que Willoughby, a Floresta da Tijuca tem apenas 61 quilômetros de trilhas sinalizadas. Outros parques urbanos brasileiros como Brasília, Pedra Branca, Utinga, Jaraguá e Cocó, nem ao somarem todas suas trilhas sinalizadas rivalizam com a quilometragem de Willoughby. Felizmente, Willoughby é um bom amigo do Brasil.

Alfred Bernhard declara-se fã incondicional de pindorama, cuja música o enfeitiça desde a adolescência. Há poucos anos atrás essa admiração transformou-se em cooperação. Desde 2000, Willoughby vem abrigando uma estagiária brasileira em seus quadros. Primeiro Marinez Scherer, bióloga e conselheira do Instituto Ambiental Ratones, depois Liane Ingberman, funcionária da Fundação Boticário, tiveram o privilégio de aprender com as melhores práticas ambientais de Sydney.O longo estágio de Marinez já gerou frutos. Em parceria com Bernhard, a brasileira articulou um intercâmbio entre a capital catarinense e Sydney. Juntos criaram a Fundação Ambiental Brasil-Austrália (FABA).

Em 2002 um grupo de técnicos de Willoughby visitou o Brasil, onde realizou trabalhos de recuperação ambiental na Floresta da Tijuca e em diversas áreas protegidas de Florianópolis. Em outubro de 2004, a Fundação deu mais um passo à frente; co-organizou junto com o Ministério Público e a Fundação Ambiental Ratones o Seminário Internacional Cidades Costeiras Sustentáveis, que contou com duzentos participantes e pariu a Carta de Florianópolis. Ao final do Seminário, todos os presentes mostraram-se muito impressionados com o trabalho de Willougby. Não é para menos: enquanto Mário Mantovani, da Fundação Mata Atlântica afirma que precisamos “nos aproximar mais do cidadão comum e demonstrar a ele que a problemática ambiental se dá junto à sua residência, acontece no fundo do seu quintal.”, Willoughby mostra com excesso de competência como fazer isso na prática.

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