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Leitor pergunta sobre livro das trilhas no Rio, já esgotado. A realidade hoje é outra, bem melhor. Mas a Floresta da Tijuca continua a merecer cuidados.

7 de março de 2006 · 19 anos atrás

Recebi esta semana carta do leitor Fred Mallrich, perguntando onde pode encontrar meu livro “Novas Trilhas do Rio”, publicado pela editora pela Sextante em 1997. Fred conta que revirou as livrarias da Guanabara sem sucesso. Pudera, o livro está esgotado e não será relançado.

Caro Fred, o “Novas Trilhas” e seu antecessor “Trilhas do Rio” já cumpriram sua missão. Chamaram atenção para o completo abandono em que os caminhos ecológicos da cidade do Rio de Janeiro se encontravam. De fato a situação era um descalabro. Enquanto metrópoles como Sydney e Cidade do Cabo cuidavam maravilhosamente bem de seus Parques Nacionais urbanos, o Rio era só degradação e desmazelo. Não havia um só centímetro sinalizado de trilhas. Atalhos erosivos provocavam voçorocas e desmoronamentos em muitos caminhos construídos com pé-de-moleque no ciclo do café — verdadeiros patrimônios históricos abandonados à própria sorte.

A subida ao Pico da Tijuca, por exemplo, estava completamente desfigurada, com o caminho em zigue-zague tão bem cortado em meados do século XIX substituído por uma série de 32 atalhos íngremes e escorregadios. Árvores caíam e não eram removidas, obrigando excursionistas a contorná-las e alargando desnecessariamente as trilhas. Controle de drenagem era algo que não se fazia há mais de vinte anos e instalação de degraus e canaletas era algo completamente desconhecido dos cariocas. A cada ano, uma média de 100 pessoas se perdia nas matas do Rio de Janeiro, vítimas do labirinto de atalhos e da desídia do Poder Público.

Os livros que você procura, Fred, vieram gritar contra esse estado de coisas e conclamar a população a pressionar por mudanças. Felizmente elas aconteceram. Ainda não temos os 700 quilômetros de trilhas sinalizadas da Cidade do Cabo ou as duas trilhas de mais de 100 quilômetros cada uma, contínuas, sinalizadas e bem mantidas que os Parques Nacionais de Sydney oferecem a seus usuários, mas estamos em situação incomparavelmente superior àqueles tempos.

Recuperação

A partir de 1999, uma malha de trilhas do Parque Nacional da Floresta da Tijuca foi recuperada. Atalhos foram fechados e reflorestados, árvores que bloqueavam os caminhos foram removidas, drenos foram abertos, degraus e pontes foram construídos, caminhos foram sinalizados, mapas foram confeccionados e disponibilizados gratuitamente para o público. Ao fim de 2000, 61 km de trilhas já se encontravam prontos para utilização dos amantes da natureza. Além das trilhas da Pedra Bonita, Pedra da Gávea e Parque Lage-Corcovado, duas trilhas circulares de longo curso foram sinalizadas no seio da Floresta da Tijuca.

O resultado foi imediato. A visitação aumentou, com menor impacto e degradação. Os atalhos e as trilhas paralelas, uma vez fechados e reflorestados, logo começaram a vicejar. O número de pessoas perdidas caiu a zero nos anos subseqüentes. Isso mesmo: a quantidade de excursionistas extraviados na Floresta despencou de uma média anual de 100 para nenhum.

Tudo isso foi logrado a custo muito baixo. Apenas a hora/homem de servidores e voluntários treinados pela administração do Parque para a tarefa de manutenção de trilhas. Todos os dias uma equipe do Parque Nacional da Tijuca saía para um lugar diferente, repintando a sinalização, removendo galhos caídos, limpando canais de drenagem.

Ao que sei, o conceito de trilhas circulares de longo curso, talvez por ser considerado moderno demais para o Brasil, foi abondonado pelo Parque e algumas setas já não são mais tão visíveis quanto outrora. Ainda assim, uma equipe de manutenção continua a rodar a Tijuca e zelar pelos seus caminhos.

Caro Fred, se você quiser mesmo comprar um livro de trilhas, Eduardo Lage, do Instituto Terra Brasil, lançou recentemente o guia “Trilhas do Parque Nacional da Tijuca”, com apoio do Parque e da Sociedade de Amigos da Floresta da Tijuca. O livro é bonito e bem editado. No entanto, além de adquirir o livro, se puder reclame, esperneie, batalhe pela manutenção das trilhas que a Floresta já tem sinalizadas. Mais do que isso, reivindique pela ampliação da malha de caminhos sinalizados da Tijuca, da Pedra Branca, do Mendanha, do Pão de Açúcar, de Grumari. Afinal, como a realidade provou, trilhas sinalizadas e bem mantidas são muito melhores do qualquer livro. Evitam que o excursionista se perca e, ao prevenir a construção de atalhos, o pisoteamento desnecessário e a erosão descabida, protegem o meio ambiente como livro nenhum consegue fazer.

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