Antes mesmo do covarde assassinato do ambientalista Dionísio Júlio Ribeiro, em Nova Iguaçú, a semana começou sob o impacto da decisão do prefeito César Maia de romper o convênio com o IBAMA que, parcialmente, municipalizava a administração do Parque Nacional da Tijuca.
A primeira notícia foi que a medida era uma retaliação a uma multa do IBAMA contra o município, motivada por um problema totalmente desvinculado ao parque: o excesso de lixo despejado pela Prefeitura no aterro de Gericinó. Mais tarde, segundo os jornais, o prefeito alegou que a retirada de R$3 milhões anuais em verbas, mais serviços de limpeza e de segurança era uma forma de economizar recursos para a realização dos Jogos Pan-Americanos de 2007. Segundos os jornais, juntos, IBAMA e prefeitura gastam 6 milhões por ano com a sua manutenção. Com a saída da Prefeitura, o IBAMA precisará mobilizar mais R$3 milhões e 70 funcionários para cobrir o buraco. É ver para crer. Com as minguadas verbas do órgão, o mais provável é que o parque leve a pior.
Não importa qual seja a razão, a atitude inesperada da Prefeitura é de indignar, porque prejudicou diretamente o próprio parque e seus usuários, muitos dos quais turistas nacionais e estrangeiros. Se a motivação foi retaliar o IBAMA, a decisão foi mesquinha e inconseqüente. Se foi poupar recursos para o Pan-Americano, foi míope, já que o Parque da Tijuca é um dos principais cartões postais e destinos turísticos do Rio de Janeiro. No fundo, vivemos sob o inferno do mesmo e recorrente problema: o descolamento entre as inúmeras tarefas que o governo brasileiro, nos seus vários níveis, se propõe a cumprir e a sua incapacidade de estabelecer responsabilidades claras, obter os recursos e as competências necessários para levá-las a cabo.
Para começar, qual a razão para a existência de um parque nacional dentro do município do Rio de Janeiro? Por que não municipalizá-lo de vez? O Parque da Tijuca é um dos poucos que poderia se manter sem dinheiro federal. Segundo fontes do próprio parque, a visitação da estátua do Cristo atrai cerca de um milhão de turistas por ano. Eles pagam por entrada R$5,00 por pessoa e, se chegarem de carro, outros R$5,00 pelo veículo. Por baixo, esse passeio levanta R$5 milhões por ano, suficientes para cobrir 80% do orçamento anual. Fora isso, estima-se que mais de 1,5 milhão de pessoas por ano visitem os setores não pagos do parque. Existe então, além do Cristo, um enorme público que poderia ser atraído a pagar por outras amenidades.
Esses pensamentos me lembram duas histórias tragicômicas. A primeira passou-se em 1998. Eu levava uma amiga estrangeira para visitar o Cristo. Passamos pela cabine de entrada e pagamos o ingresso por pessoa e pelo carro. Se não me engano, os valores eram os mesmos e o total foi de R$15,00. Parecia caro, já que, na época, isso equivalia a quinze dólares. Qual não foi minha surpresa quando, ao chegar no estacionamento na base da estátua, fui abordado por flanelinhas, que queriam um troco para “tomar conta” do carro. Não paguei e ao descer, irritado e constrangido com a bagunça, informei o problema aos guardas da guarita de acesso. Sem graça, eles me indicaram uma funcionária do IBAMA. Igualmente embaraçada, ela informou que não podia fazer nada. Os guardadores eram tradicionalmente tolerados e membros de comunidades locais. O IBAMA chancelava essa situação.
A outra história foi em um seminário realizado na Universidade Santa Úrsula, mais ou menos na mesma época. Discutia-se a fórmula para cobrar um aluguel pelo uso das antenas de rádio e televisão instaladas no alto da cordilheira do Parque da Tijuca. Estavam presentes a diretora do parque e um economista do IPEA, este responsável pelo complicado cálculo de valoração da quantia a ser cobrada dos donos das antenas. O dinheiro a ser auferido era substancial, na ordem de milhão de dólares. Somado aos recursos da visitação do Cristo, seria suficiente para manter o parque impecável. O debate seguia muito técnico, quando perguntei se essa renda ficaria no parque. A pergunta surpreendeu e vi as cabeças da mesa balançarem com uma certa perturbação. A resposta foi não, os recursos iriam passear em Brasília antes da decisão de quanto voltaria ao lugar que os gerou.
Fica a pergunta, não seria muito melhor se o Parque da Tijuca fosse um parque municipal administrado por uma entidade, pública ou privada, com a única missão de preservar sua biodiversidade e oferecer amenidades aos usuários interessados nos seus usos ecológicos? Por que deixá-lo como moeda de troca entre uma burocracia federal e um prefeito que prefere sacrificar o parque e seus usuários a engolir uma picuinha?
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