Colunas

O lixo que limpa

Em Nova Iguaçu, a troca de um lixão por um moderno aterro sanitário deu filhote. É a Nova Gerar, um projeto pioneiro de redução de gases do efeito estufa.

22 de abril de 2005 · 20 anos atrás
  • Eduardo Pegurier

    Mestre em Economia, é professor da PUC-Rio e conselheiro de ((o))eco. Faz fé que podemos ser prósperos, justos e proteger a biodiversidade.

Poucos devem imaginar que lixo e efeito estufa possam estar diretamente ligados. Mas estão. Cada tonelada de gás metano gerado durante o processo de decomposição do lixo orgânico equivale a 21 toneladas de CO2, o mais conhecido suspeito do aquecimento global. Por isso, talvez a prefeitura de Nova Iguaçu não soubesse, mas sua decisão de transformar em aterro sanitário o lixão do bairro de Adrianópolis levou o Brasil, em novembro de 2004, a ter o primeiro projeto de MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo) aprovado no mundo. Esse mecanismo permite aos países em desenvolvimento, que reduzirem suas emissões de carbono, vender créditos para os países ricos que, pelo protocolo de Kyoto, se comprometeram com tetos de emissão.

Em 2001, a empreiteira Paulista S.A. ganhou a licitação para construir e operar por 21 anos o aterro. Em seguida, uniu-se a Ecosecurities, uma empresa inglesa especializada no planejamento financeiro de projetos ligado a redução do aquecimento global. Da parceria surgiu a Nova Gerar, um empreendimento que usará a queima do gás metano para produzir energia elétrica e, no processo, reduzir a emissão de gases do efeito estufa.

A capacidade da usina crescerá com a acumulação de lixo no aterro e, logo, o aumento da produção de metano. No auge, em 2016, gerará 12 megawatts de energia. O projeto ganha créditos de carbono de duas formas. A primeira é por não lançar metano no ar e, a outra, por gerar energia limpa. Ao longo dos seus 21 anos de duração, espera-se que a Nova Gerar deixe de emitir 11,8 milhões de toneladas de carbono-equivalente. Uma parte já foi vendida ao governo holandês, numa operação intermediada pelo Banco Mundial, ao preço de 3,35 euros por tonelada, ou pouco mais de US$4. Nessas bases, o projeto gerará uma receita total da venda de créditos de carbono de US$50 milhões.
Não é fácil aprovar um projeto como o Nova Gerar. É necessário provar ao governo brasileiro e a ONU que ele reduzirá as emissões de gases do efeito estufa e, também, que contribuirá para o desenvolvimento sustentável brasileiro. Só o estudo e as etapas necessárias até a aprovação custaram a Nova Gerar US$250 mil. A construção da usina propriamente dita consumiu cerca de US$10 milhões. O seu processo de operação é caro, US$38 por megawatt/hora contra US$30 de uma termoelétrica convencional. Mas a venda dos créditos de carbono compensa.

A maior parte da energia brasileira vem de hidroelétricas e é considerada limpa. Por isso, o potencial de geração de créditos de carbono por redução de emissão é considerado maior na China e na Índia, onde a maior parte da energia é produzida por ineficientes termoelétricas. Mas de acordo com Pablo Fernandez, coordenador de projetos da Ecosecurities, o Brasil tem vários setores com potencial para reduzir emissões e gerar créditos de carbono. Além de projetos semelhantes ao Nova Gerar, ele cita a geração de energia baseada em biomassa, como bagaço de cana-de-açúcar, casca de arroz e resíduos florestais.

O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) é uma maneira inteligente de ajudar a atingir as metas de Kyoto, a custos muito mais baixos do que seria possível sem o mercado de créditos de carbono. No caso da União Européia, as metas estipuladas pelo acordo foram repassadas para as grandes empresas poluidoras locais. Cada uma delas tem sua própria quota de emissão de gases de efeito estufa. A tonelada de carbono ou carbono-equivalente emitida além da quota será multada em 40 euros até 2008 e, a partir daí, 100 euros. Mas esse excesso pode ser compensado pela compra de créditos de carbono que custam hoje US$4 por tonelada. Em outras palavras, uma empresa européia que exceder sua quota pode resolver o problema comprando créditos de carbono dos países em desenvolvimento que custam, hoje, menos de um décimo da multa.

Existe um conceito econômico por trás do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. A geração de energia é feita com muito mais eficiência nos países ricos do que nos países em desenvolvimento. É difícil e caro para os primeiros reduzir suas emissões de gases do efeito estufa. Eles já estão perto do limite da técnica. Entretanto, nos países em desenvolvimento existem ganhos de eficiência fáceis de alcançar. Por isso faz sentido econômico o mercado de créditos de carbono. Ele permite que as metas de Kyoto sejam atingidas por uma fração do custo, caso ele não fosse implementado.

Leia também

Podcast
16 de novembro de 2024

Entrando no Clima#36 – Primeira semana de negociações chega ao fim

Podcast de ((o))eco escuta representantes de povos tradicionais sobre o que esperam da COP29 e a repercussão das falas polêmicas do governador Helder Barbalho.

Notícias
16 de novembro de 2024

COP29 caminha para ser a 2ª maior na história das Conferências

Cerca de 66 mil pessoas estão credenciadas para Cúpula do Clima de Baku, sendo 1.773 lobistas do petróleo. Especialistas pedem mudança nas regras

Podcast
15 de novembro de 2024

Entrando no Clima#35 – Não há glamour nas Conferências do Clima, só (muito) trabalho

Podcast de ((o))eco conversa com especialistas em clima sobre balanço da primeira semana da COP 29

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.