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Estufa de valores

Os economistas sabem calcular as conseqüências negativas do efeito estufa, mas os ambientalistas só conseguirão revertê-lo conquistando o coração do público.

6 de maio de 2005 · 20 anos atrás
  • Eduardo Pegurier

    Mestre em Economia, é professor da PUC-Rio e conselheiro de ((o))eco. Faz fé que podemos ser prósperos, justos e proteger a biodiversidade.

“Resgatando o ambientalismo”. Essa é a manchete da edição da semana passada da influente revista americana The Economist. O gancho do editorial que abre o assunto é o ensaio The Death of Environmentalism, de Michael Shellenberger e Ted Nordhaus, respeitados ativistas ambientais. Eles declaram a falência do movimento ambientalista nos EUA, atestada pela incapacidade americana de mover o país a tomar providências concretas contra o efeito estufa. Segundo cientistas, isso significaria reduzir em 70% as emissões de carbono nos próximos 50 anos. Para tanto, será necessário que uma revolução tecnológica e econômica comece o quanto antes.

Fui conferir e encontrei um texto instigante. Segundo os autores, apesar do número de ativistas ser recorde e o apoio financeiro farto, especialmente depois da eleição de George W. Bush, o movimento ambientalista americano coleciona fracassos. Entre eles, a recusa ao Tratado de Kyoto e a outras tentativas domésticas de aprovar leis limitando emissões de carbono. O país também retrocedeu na questão da regulação dos carros. Durante os anos 80, eles se tornaram muitos menores e mais eficientes. No entanto, durou pouco. Os carros beberrões da pré-crise do petróleo, nos anos 70, reencarnaram nos SUVs (Sport Utility Vehicles), as caras camionetes urbanas que viraram moda aqui também. Hoje a frota americana consome mais por quilômetro rodado do que nos anos 80.

“Os ambientalistas se tornaram apenas mais um grupo de interesse”, dizem Shellenberger e Nordhaus. Brigam por propostas estreitas e pontuais, se apegam a argumentos excessivamente técnicos e adotam a prática do lobby político minucioso como forma de ação, fazendo alianças oportunistas com grupos interessados em suas idéias apenas momentaneamente. A tentativa de aprovar metas de emissão de carbono menores, porém inócuas na reversão do efeito estufa, com a justificativa de que seria um progresso frente à legislação atual, é um exemplo. Talvez fosse melhor fazer o contrário. Perder várias vezes uma batalha grandiosa e construir massa crítica para uma vitória futura relevante.

Os ambientalistas modernos esqueceram, mas foi a defesa de valores e a construção de uma visão ampla, inspiradora de um mundo melhor, que levou o movimento, na década de 70, aos seus maiores sucessos, como as leis nacionais de proteção de espécies ameaçadas e do ar e água limpos.

“Existe uma batalha cultural sendo travada”, dizem os autores. São os valores e as crenças básicas que norteiam o comportamento e as escolhas dos eleitores. Os ambientalistas estão levando uma sova da direita americana, que conseguiu transformar temas como a importância da família tradicional, dos impostos baixos, do estado pequeno e exército potente como núcleo de idéias. Essa visão chegou a ser oferecida aos eleitores com o nome de “Contrato com a América”, quando os republicanos ganharam a maioria na Câmara dos Deputados, durante o primeiro governo Clinton. Foi vencendo a guerra dos valores, que os republicanos passaram a ganhar as batalhas legislativas do dia-a-dia.

Os ambientalistas também precisam aprender a partir para o ataque e propor uma agenda positiva de mudanças. Anunciar que as conseqüências futuras do efeito estufa significam o fim do mundo aliena o público. É preciso ressaltar o lado bom e grandioso dessa briga. As mudanças necessárias no sentido de uma economia baseada em energia limpa gerarão grandes desafios. “A primeira onda do ambientalismo teve ênfase na conservação e a segunda na regulação. Acreditamos que os novos investimentos serão o grande destaque da terceira”, dizem Shellenberger e Nordhaus. Investimentos geram emprego e reduzem o impacto negativo dos custos associados à contenção do efeito estufa. Os subsídios obtidos hoje pelos grandes poluidores devem ser cortados e canalizados para as novas tecnologias.

O artigo da The Economist descreve o avanço nas técnicas de valorização ambiental e nos mecanismos de mercado para reduzir a poluição a custos mais baixos. Tudo isso é ótimo. Os economistas têm muitos insights sobre quais são as melhores instituições e mecanismos para atingir com eficiência as metas de emissão de carbono adequadas. Todavia, não têm nada a dizer sobre valores e ideais. Michael Shellenberger e Ted Nordhaus estão certos. Se os ambientalistas falharem em conquistar o coração do público, de nada servirá a inteligência dos técnicos, porque, antes de mais nada, eles perderão na arena política.

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