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Aposta alta demais

Nova Orleans cresceu ocupando áreas baixas desprezadas pelos colonizadores, destruindo mangues no seu entorno e contando com o seguro federal contra enchentes.

23 de setembro de 2005 · 19 anos atrás
  • Eduardo Pegurier

    Mestre em Economia, é professor da PUC-Rio e conselheiro de ((o))eco. Faz fé que podemos ser prósperos, justos e proteger a biodiversidade.

A conta vai ser cara. A reconstrução de Nova Orleans poderá custar US$ 200 bilhões. Isso, se o plano sair do discurso e for mesmo posto em ação. É muito provável que a “nova” Nova Orleans venha a ser uma mera sombra do seu passado. Será a conseqüência de uma aposta alta contra a natureza, apoiada em políticas ambientais displicentes e subsídios de moradia sem sentido.

Muita gente está dizendo que o furacão Katrina foi o golpe de misericórdia em Nova Orleans. Antes disso, a situação já ia mal. A prova é que há várias décadas a população local estava caindo. No seu Central Business District, não se constroem novos prédios de escritórios desde 1989. Existe uma abundância de espaço comercial ocioso no mercado de aluguel e a cidade não é sede de nenhuma grande empresa importante no país. Essas são observações de Joel Garreau, jornalista do Washington Post e autor do livro “Edge City”. A triste verdade, segundo ele, é que cidades não duram para sempre.

Cartago, Babilônia e Pompéia são exemplos antigos. Nova Orleans se enquadra na categoria de Veneza. As duas prosperaram como portos importantes, que se tornaram ricos centros comerciais. Mas, dentro do contexto histórico de cada uma, mudanças estruturais na economia as levaram ao declínio, restando o apelo turístico da grandeza de outras épocas.

Considerando os riscos que corria, Nova Orleans teve sorte durante 287 anos. A colonização francesa que a originou, sabiamente, se estabeleceu nas terras mais altas e mais secas, entre os mangues da boca do Mississippi e o Golfo do México. É lá que estão, até hoje, as grandes atrações como o Bairro Francês, o Centro de Convenções e o Superdome, que abrigou refugiados. Essa área corresponde a 10% da cidade e, devido ao bom senso dos primeiros habitantes, sobreviveu relativamente intacta ao desastre. O grosso da cidade, uma área urbana com 850 mil habitantes, está abaixo do nível do mar. Durante chuvas normais, depende de gigantescas bombas d’água para permanecer habitável. Com o rompimento dos diques, causado pelo Katrina, essa parte ficou debaixo de até 8 metros de água.

Os bairros turísticos que escaparam do furacão representam a maior atividade local. Fora o turismo, a economia é movimentada por portos que se estendem ao longo de 300 km dos dois lados da foz do Mississippi, até alguns pontos dentro do Golfo do México. Mas eles não são mais grandes empregadores. Hoje, a atividade é altamente mecanizada e rápida. Os navios aportam e partem em poucas horas. Um dos maiores, o porto de Nova Orleans emprega 2.500 pessoas, contra 25 mil ocupadas com turismo e entretenimento. O Offshore Oil Port, onde atracam os superpetroleiros, emprega 100 pessoas. Os portos também sofreram poucos danos com o Katrina.

A ocupação urbana de Nova Orleans já a colocava em grande risco. Mas para agravar a situação, a cidade perdeu a principal barreira natural contra as tempestades. Os diques, que permitiram a ocupação das terras baixas, desviavam a água do Mississippi direto para o mar. Dessa forma, impediram, por décadas, que água fresca e sedimentos alimentassem os mangues entre a cidade e o Golfo do México. Desde 1930, cerca de 500 mil hectares de mangue desapareceram. Eles serviam de anteparo contra os furacões, agindo como uma esponja que absorvia e reduzia a velocidade das águas.

Finalmente, o governo federal americano também tem culpa anterior ao fiasco do resgate. Ele incentiva a ocupação de áreas perigosas, oferecendo farto seguro contra danos causados por enchentes. Os políticos locais também atrapalham. Em 1998, um senador republicano apoiado pela indústria do jogo, fez lobby para a construção de um cassino na margem do Mississippi. Contra as recomendações técnicas. Esse e outros 20 cassinos foram destruídos pelo Katrina. Existem moradias na beira do Mississippi que foram beneficiadas com dinheiro do governo federal superior ao seu valor. Em uma dessas situações, uma casa avaliada em US$50 mil recebeu, ao longo de 18 anos e 25 enchentes, ajuda no valor de US$180 mil.

O seguro federal contra enchentes é um dos fatores que fomenta o grande desenvolvimento de áreas costeiras, todos os anos sob risco, quando ocorre a temporada de furacões do Caribe. Hoje, 13 milhões de pessoas vivem na costa da Flórida, contra 200 mil há um século. Todo dia chegam mais mil habitantes. O aumento da densidade dificulta a evacuação na temporada de furacões. A previsão é que o número de vítimas aumente a cada grande desastre.

Para desanuviar, faça uma visita à história musical de New Orleans, na forma de gravações clássicas, em formato MP3.

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