Na última coluna, o assunto foi o crescimento das favelas. Debatê-lo é fundamental para melhorar a qualidade de vida da população mais pobre e, também, importante para a questão ambiental. Aliás, embora o movimento ambientalista, volta e meia, se oponha ao crescimento econômico, pobreza costuma ser antagônica ao desenvolvimento limpo.
Favela é sinônimo de degradação ambiental, além de gueto, onde os habitantes têm uma existência de segunda classe,. Experimente visitar uma depois de um dia de chuva. Você vai sentir o impacto do forte mau cheiro que exala das pilhas de lixo se decompondo e do esgoto correndo nos valões. Em torno, é grande a chance de encontrar variado comércio de alimentos, um convite à contaminação. Sempre presentes, as crianças brincando ao ar livre estão expostas a todo tipo de doença. O solo, o lençol freático e os rios próximos sofrem com a falta de saneamento. Se o mar estiver próximo, padecerá também, como é o caso do Rio, onde os detritos das favelas poluem a baía de Guanabara e a orla. Nelas também não há verde. As moradias se espremem, comem as matas ao redor e ocupam cada centímetro que podem ou se arriscam poder.
Recente reportagem de Luiz Ernesto Magalhães, no Globo, mostra que no bairro da Leopoldina, no Rio, quase a metade da população vive em favelas. Pior, nos últimos dez anos, a região perdeu 22,5% da população da cidade formal, o chamado asfalto, enquanto a das favelas cresceu 17% no mesmo período. Isso ocorreu também em outros bairros. Parece que, no Rio, a população está optando por abandonar a cidade formal e mudar-se para as favelas.
Mas não parece que a decadência econômica seja a causa do problema. Veja o perfil dos moradores das favelas do Rio. Uma pesquisa de 2002, feita pelo Instituto Superior de Estudos da Religião (ISER), mostrou que 68,6% dos moradores pertence à classe média. Existem tevês em 94,6% dos domicílios, quase dez pontos percentuais acima do índice nacional. Também ganham em máquinas de lavar, videocassetes e geladeiras. Só ficam atrás no número de automóveis, 15%, contra 32% no Brasil. Os números mostram que a maioria da população das favelas do Rio pertence à classe C. O percentual de pessoas acima desse padrão (26,7% nas classes A e B) é maior do que aqueles que estão abaixo (21,8% pertencentes às classes D e E). Apenas 0,9% da população pertence à classe E.
Os resultados da economia brasileira também reforçam a tese de que o aumento da favelização não foi causado por empobrecimento. Apesar da performance pra lá de medíocre, desde a década de 80, a renda per capita do país cresceu a uma taxa anual perto de 1%. E a distribuição de renda continuou a mesma. Andamos devagar, mas não para trás.
O levantamento do ISER mostra que, comparada aos números nacionais, a escolaridade nas favelas cariocas é alta nos níveis intermediários de formação. Nelas, 37% da população tem entre 4 e 7 anos de escolaridade, contra 27,2% para o Brasil. Na faixa de 8 a 10 anos de estudo, ganham novamente de lavada, com 25,5% da população atingindo essa faixa, contra 14,3% para o Brasil. O problema são os extremos. Só 7,5% dos moradores alcançam 11 ou mais anos de escolaridade, menos da metade da média brasileira, de 18,1%. Na ponta baixa, 17,1% dos moradores de favela têm até 1 ano de educação, ligeiramente pior que a média nacional, de 16,2%.
Nas favelas grandes, os negócios prosperam. A Rocinha é a maior favela carioca com 60 mil habitantes. Lá funcionam cerca de 2.500 estabelecimentos comerciais entre restaurantes, lojas, mercearias, supermercados e cabeleireiros. Vai de filial das lanchonetes McDonald’s e Bob’s à agência do BANERJ e da Caixa Econômica. Sete empresas de mototáxi oferecem transporte pelas ruelas íngremes, e a mídia local conta com duas rádios FM e dois serviços de TV a cabo.
Mas na Rocinha, que é uma favela rica, e em todas as outras, a vida é dura. Aliás, duríssima. Ninguém gosta de construir uma casa sem propriedade legal, sujeita à remoção. Não ter endereço formal implica também não ter crédito. Ninguém escolhe andar por vielas íngremes e irregulares, sem calçadas ou largura para carros e transporte público convencional. Morar em favela significa ser agredido pela polícia e rezar, pagar ou implorar pela proteção ou, ao menos, pela indiferença dos bandidos. Nos serviços básicos, quer dizer falta de água e luz frequentes. Não ter correio que entregue na porta de casa. Conviver com esgoto e lixo a céu aberto.
Os moradores das favelas cariocas prosperam no limbo. Se as pessoas estão individualmente melhorando de vida, porque as favelas crescem em tamanho e número? O que impede que no lugar delas existam bairros simples, mas urbanizados e legalizados? Falta transporte? Falta crédito? Ou o cipoal de leis, taxas e impostos está incentivando as invasões e as construções ilegais? Qual o caminho politicamente viável para reverter o crescimento das favelas?
No caso do Rio de Janeiro, são perguntas do tipo decifra-me ou te devoro. Em mais 25 anos, no ritmo de hoje, mais da metade dos cariocas morará nas favelas da cidade. E aí, é possível que o problema seja irreversível em qualquer horizonte de tempo que valha à pena pensar.
Leia também
Entrando no Clima#37- Brasil é escolhido como mediador nas negociações
Os olhos do mundo estão voltados para o Brasil, que realiza a reunião final do G20 na segunda e terça-feira (18 e 19), mas isso não ofuscou sua importância na COP29. O país foi escolhido pela presidência da Cúpula do Clima para ajudar a destravar as agendas que têm sido discutidas na capital do Azerbaijão, →
G20: ativistas pressionam por taxação dos super ricos em prol do clima
Organizada pelo grupo britânico Glasgow Actions Team, mensagens voltadas aos líderes mundiais presentes na reunião do G20 serão projetadas pelo Rio a partir da noite desta segunda →
Mirando o desmatamento zero, Brasil avança em novo fundo de preservação
Na COP29, coalizão de países com grandes porções florestais dá mais um passo na formulação de entendimento comum sobre o que querem para o futuro →