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Sede de água

A escassez mundial de água está aumentando. Bancos de água e a privatização do fornecimento são soluções eficazes para poupar o mais básico dos recursos.

13 de janeiro de 2006 · 18 anos atrás
  • Eduardo Pegurier

    Mestre em Economia, é professor da PUC-Rio e conselheiro de ((o))eco. Faz fé que podemos ser prósperos, justos e proteger a biodiversidade.

O consumo de água humano, agrícola e industrial cresce duas vezes mais rápido que o crescimento da população. A poluição envenena e o efeito estufa muda a distribuição das fontes. Nosso planeta azul, de oceanos e rios, está cansando e secando aos poucos. Hoje, um terço da população mundial tem acesso precário à água. Até 2025, a previsão é que se chegue a dois terços.

A culpa é da incapacidade dos governos de administrar e regular o uso da água, com eficiência e sem populismo. Aliás, os pobres são os que mais sofrem com a falta ou a má qualidade do fornecimento. Cinco milhões de pessoas morrem por ano de doenças causadas por água contaminada.

As Nações Unidas recomendam 50 litros por dia para suprir as necessidades básicas, como beber, cozinhar e limpar. Apenas 1% do consumo total, hoje, seria suficiente para abastecer toda a população mundial nesse padrão. Mas o maior usuário de água é a agricultura, que absorve 70% do total. Desse lado, não haverá trégua. A pressão para produzir mais comida, para acompanhar o crescimento da população, também aumentará o consumo.

Moral da história: precisamos aprender rápido a conservar e distribuir melhor nossas reservas de água.

O caso argentino

A Argentina viveu uma experiência interessante. Durante a década de 90, um terço dos municípios, onde vive 60% da população do país, privatizou o serviço de fornecimento de água, através de concessões. O fornecimento público de água e outros serviços quase sempre é subsidiado. Por isso, a maior crítica a programas de privatização costuma ser que eles aumentam a tarifa paga pelos usuários. Com a conta cara, os pobres ficam de fora, o que é socialmente inadmissível. Vale lembrar que é sempre possível subsidiar diretamente o consumo dos pobres, através de programas de renda mínima, por exemplo. Um subsídio em dinheiro é sempre superior a um subsídio pago em bens ou serviços, como é o caso de água barata. Dinheiro permite flexibilidade de escolha.

Por outro lado, quando as empresas públicas não investem na distribuição, quem costuma ficar sem também é o pobre. Não ter acesso por falta de infra-estrutura equivale a um preço infinito. O que é melhor, ter caro ou não ter?

Publicado em 2005, um estudo dos economistas Sebastian Galiani, Paul Gerter e Ernesto Schargrodsky mostrou que a mortalidade infantil na Argentina caiu de 5% a 7% nos municípios em que o fornecimento de água foi privatizado (veja aqui uma versão inicial de livre acesso). Dentre eles, nos mais pobres a queda foi de 24%. Os autores concluíram que a privatização da água impediu a morte de 375 crianças por ano.

No caso de Buenos Aires, a administração dos serviços de água e saneamento passou da estatal Obras Sanitárias de La Nación (OSN) para o consórcio privado Aguas Argentinas, liderado pela francesa Lyonnaise des Eaux. Para receber a concessão válida por 35 anos, o consórcio se comprometeu, até o fim do contrato, a dar acesso ao serviço de fornecimento de água a 100% da população local e de saneamento a 95%. Logo de início, a tarifa do serviço caiu 26,9%, embora um ano depois o governo tenha autorizado um aumento de 13,5%.

Enquanto a administração foi estatal, o negócio deu prejuízo. Mas, apesar da tarifa mais baixa, com melhor gerência a Aguas Argentinas rapidamente saiu do vermelho e se tornou muito lucrativa. Uma das providências foi passar a impedir gatos e cortar o serviço dos usuários inadimplentes por mais de três meses. O número de funcionários da empresa caiu de 7.365, dos tempos estatais, para 3.800. E o investimento anual na rede passou de US$ 25 milhões por ano para US$ 200 milhões. Como 98% da população de Buenos Aires já tinha fornecimento de água, o aumento da rede atingiu os mais pobres: 84,6% das residências que passaram a receber o serviço eram de classe média-baixa ou pobre.

Bancos de água

Outro exemplo de política pública ousada para abordar a questão se deu no Oeste americano. Como dizem os nativos dessa árida região, lá a água é uma religião. A quantidade de água de chuva que cai no sul da Califórnia é apenas um quarto da que o estado de Nova York recebe.

O direito ao uso da água, nos EUA, costumava ser concedido ao primeiro que chegasse. Dessa forma, os pioneiros que se estabeleceram como agricultores na Califórnia obtiveram grandes quotas de consumo. Ocorre que, com o tempo, as cidades cresceram e passaram a ter uma demanda de água cada vez maior. Até que, entre 1987 e 1993, o estado passou por uma forte estiagem. O conflito que se anunciava entre fazendeiros e urbanos irrompeu. No auge da crise, o governo do estado e o federal limitaram severamente o suprimento dos fazendeiros. Mesmo assim, as cidades também tiveram que passar por um rigoroso racionamento.

Em 1991, o governo estadual estabeleceu um banco de água, que pagava aos fazendeiros US$ 104 por cada milhão de litros cedidos e os transferia para as cidades. O mecanismo aliviou a escassez. Antes dele, a briga pela água era na base da influência política. E os fazendeiros não queriam fazer concessões nem mostrar que podiam economizar. Quando passaram a ser pagos, surgiu o incentivo para adotar métodos e equipamentos que economizassem água.

Outros estados, como Utah, Colorado, Idaho e Nevada, também já usaram os chamados water markets. O mesmo acontece no Chile e na Austrália.

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