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Peixe zero

Sem mudanças, alertam os biólogos, os estoques pesqueiros acabam em 2050. Quotas individuais transferíveis são uma poderosa ferramenta para ajudar a reverter a tendência.

29 de novembro de 2006 · 18 anos atrás
  • Eduardo Pegurier

    Mestre em Economia, é professor da PUC-Rio e conselheiro de ((o))eco. Faz fé que podemos ser prósperos, justos e proteger a biodiversidade.

O petróleo não vai acabar. Você pode duvidar ou até zombar dessa afirmação, já que o consumo é cada vez maior e as reservas inevitavelmente são finitas. Mas desde que o preço suba livremente à medida que a escassez aumente, o petróleo continuará por aí, apenas dirigido para fins cada vez mais nobres. O diamante, muito mais raro que o petróleo, não acabou. Foi preservado por um preço suficientemente salgado.

Mas salgados e a perigo estão os peixes. Esses sim correm o risco de ser exterminados dos mares. “Se nós não mudarmos profundamente a maneira como manejamos o conjunto das espécies marinhas, tratando-as como um ecossistema integrado, então esse será o último século de frutos do mar”, afirma Steve Palumbi. Ele é professor da Universidade de Stanford e um dos autores do estudo Impactos of biodiversity loss on ocean ecosystem services (Impacto da perda de biodiversidade nos serviços dos ecossistemas marítimos) publicado na revista Science em novembro.

O estudo prevê o colapso de todas as espécies comerciais de peixes e frutos do mar até 2050. Também conclui que a perda de biodiversidade afeta gravemente a existência particular de cada espécie. Para proteger as comerciais, é preciso proteger também seus ecossistemas. Além disso, se a maior parte da vida marítima for dizimada, graves desequilíbrios surgirão. Perderemos a ajuda dos oceanos para reciclar nutrientes e processar substâncias tóxicas ou danosas, como o dióxido de carbono, transformado em alimento e oxigênio.

Boris Worm, professor da universidade de Dalhousie, localizada em Halifax, Canadá, foi o líder do estudo (veja aqui gráficos e um vídeo em formato quick time onde Boris é entrevistado). Ele afirma que 29% das espécies de peixes e frutos do mar já entraram em colapso e que o processo de extinção está cada vez mais rápido. Quando se esgota 90% de um cardume, esse dificilmente se recupera. Foi o caso do bacalhau do Atlântico Norte, pescado até o fim.

Mas o trabalho também trouxe boas notícias. Em 48 áreas protegidas espalhadas pelo mundo a biodiversidade aumentou rapidamente e os cardumes comerciais voltaram a ser produtivos. Ou seja, a conclusão dos cientistas não é uma sentença de morte para os oceanos, marcada para 2050. Podemos reverter a tendência e ter no futuro até aumentar a biodiversidade. Os autores sugerem como medidas de preservação um manejo integrado de zonas pesqueiras, levando em conta os seus ecossistemas; a redução da poluição; e a criação de áreas protegidas.

Citei o petróleo no início do texto. Ele e qualquer outro recurso será protegido por preços crescentes. Mas as zonas de pesca oceânicas não entram nessa categoria, pois são recursos abertos a exploração pública. Não têm dono e, logo, não têm preço. Qualquer recurso nessa situação acaba dizimado. A atmosfera é um recurso comum. Créu está sendo destruída pelo excesso de poluição. A floresta amazônica também é pública e está sofrendo o mesmo tipo de destino, a sua rápida derrubada. Os famosos búfalos do oeste americano foram caçados até a beira da extinção. Os peixes estão na mesma posição.

Quando os recursos são abertos, os mercados malogram. Existem duas condições importantes para que eles funcionem a contento: direitos de propriedade bem definidos e preços livres, que flutuem para equilibrar as forças de oferta e demanda.

As Quotas Individuais Transferíveis criam um sistema de direito de propriedade que pode ser utilizado nas zonas de pesca. A Islândia, um pequeno país cuja economia depende da pesca, usa o mecanismo há vinte anos. Hoje, ela e Nova Zelândia manejam a maioria dos pescados comerciais por esse novo método. Desde então ele está em experiência em diversos países como Canadá, EUA, Austrália, Holanda, África do Sul, Chile e Uruguai, para citar apenas alguns.

O caso do linguado do Alasca é uma boa ilustração de como o sistema funciona. Uma agência governamental acompanha o cardume e estabelece qual a tonelagem máxima que pode ser pescada na temporada. Os pescadores, sejam indivíduos ou empresas, detêm quotas desse total, as quais costumam ser expressas como um percentual da quota total. Por exemplo, se a quota total de 2006 for estabelecida em 50 mil toneladas, o detentor de 10% das quotas poderá pescar cinco mil toneladas na temporada.

As quotas individuais transferíveis, como diz o nome, podem ser compradas ou vendidas livremente. Com o tempo, elas tendem a se concentrar na mão dos pescadores mais eficientes. Se houver necessidade de se proteger populações nativas ou a pesca artesanal, pode ser criada uma reserva de mercado para as mesmas.

Antes das quotas individuais, a temporada do linguado no Alasca era limitada a um ou dois dias por ano, tal era a corrida para pegar o peixe. “Milhares de barcos zarpavam simultaneamente, todos competindo para capturar tanto peixe quanto possível antes que fosse atingida a quota limite. Em 1988, com seus compartimentos de carga e conveses transbordando de peixes, Miller chegou ao extremo de lançar colchões ao mar para encher os beliches com peixe. Praticamente arrastando-se de volta ao porto, ele atracou com seu convés traseiro parcialmente submerso” . Leia o relato completo na matéria publicada no Valor Econômico.

Em 2004, conta a reportagem, após a implementação do sistema de quotas individuais, a produção foi de 35 mil toneladas de linguado, no valor de US$169 milhões. Dez anos antes, quando só havia a quota limite, a produção foi de 26 mil toneladas e o faturamento de US$85 milhões.

As quotas individuais reduzem o custo da indústria, pois cortam os investimentos em equipamento e alongam a temporada. Os proprietários de quotas podem pescar no ritmo que quiserem, sem competir uns com os outros. Resultado: funciona.

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