No livro “As origens da virtude” (The origins of virtue), o jornalista científico Matt Ridley faz um apanhado de pesquisas que desbancam a noção de que nós, ocidentais modernos, temos um instinto de destruição inexistente nos povos indígenas do Novo Mundo. Ele começa com a história a seguir.
Chief Seattle era o líder dos povos Suquamish e Duwamish, habitantes do território onde hoje fica o estado de Washington, na costa oeste dos EUA. Em 1854, ele fez um famoso discurso dirigido ao governador do, então, território de Washington, em referência à proposta do governo americano de compra da maioria das terras indígenas na região. A fala é citada por Al Gore, no seu livro Earth in balance. Eis o trecho destacado por Ridley, que traduzo livremente:
Como vocês podem comprar ou vender o céu? A terra? Essa idéia nos é estranha… Cada pedaço desse solo é sagrado para o meu povo. Cada reluzente pinheiro, cada praia, cada névoa nas escuras florestas, cada prado, cada zunido de inseto. Todos são sagrados na memória e na experiência do meu povo.
…Vocês ensinarão suas crianças aquilo que nós ensinamos as nossas? Que a terra é nossa mãe? Que aquilo que acontece com a terra acontece com os seus filhos? Isto nós sabemos: a terra não pertence ao homem, o homem é que a ela pertence. Todas as coisas estão conectadas como o sangue que nos une. O homem não urde a teia da vida, ele é meramente um dos seus fios. Aquilo que faz à teia, ele faz a si mesmo.
Palavras sensíveis e comoventes de um povo moralmente superior, mas derrotado pelos belicosos brancos. O problema, como conta Ridley, é que ninguém sabe o que Chefe Seattle disse naquele dia. O primeiro e duvidoso relato apareceu 30 anos depois e não traz nenhuma semelhança com o acima.
A versão de Gore é baseada no texto escrito em 1971 por Ted Perry, um professor de cinema e roteirista. O que se sabe sobre Seattle é que foi um bom guerreiro e se aliou aos brancos para enfrentar tribos rivais que avançavam sobre seu território. Ele também tinha escravos, inimigos vencidos, como era costume na sua cultura.
Ridley parte, então, para mostrar a relação entre a chegada do homem no Novo Mundo e as datas de extinções de animais de grande porte. Segundo ele, na América do Norte 11.500 anos atrás, coincide com o desaparecimento de espécies como o bisão gigante, o mamute, o mastodonte, cavalo selvagem, preguiça gigante, entre outros. Na América do Sul, as pesquisas apontam para um resultado semelhante, três mil anos mais tarde. O episódio é conhecido como a matança do pleistoceno.
Em Madagascar, colonizada 500 A.C., sumiram 17 espécies de lêmures de maior porte e os pássaros-elefantes, que podiam pesar cerca de meia tonelada. O mesmo aconteceu ao longo do Pacífico. Segundo Ridley, o episódio mais dramático e recente ocorreu na Nova Zelândia, há 600 anos. Quando os Maoris chegaram, todas as 12 espécies do Moa gigante, um pássaro de até 200 quilos, sumiram. Metade das espécies de pássaros nativas da Nova Zelândia foi extinta no período. Experiências parecidas ocorreram na Austrália e no Havaí. Todos os animais de grande porte que não conheciam predador (e, logo, não temiam o homem) devem ter virado comida de gente e desapareceram rapidamente.
Estudos recentes mostram que os ianomâmis da Amazônia também não são conservacionistas. Ray Hames, descobriu que não se refreiam em matar animais que estão rareando. Quando uma área de caça fica esgotada, eles passam a caçar mais longe, no entanto, sem deixar que as primeiras se recuperem, abatendo qualquer animal no caminho. Pesquisadores encontram o mesmo padrão entre os índios Piro, no Peru, e Siona-Secoya, no Equador. Na Bolívia, Allyn MacLean Stearman constatou que os índios Yuqui são caçadores oportunistas, que abatem de preferência macacas grávidas ou com filhotes pequenos, sendo os fetos considerados uma iguaria. Pescam com veneno, matando muito mais peixes do que podem usar. Para obter frutas, derrubam suas árvores produtoras.
Exemplos como estes mostram que algumas das etnias indígenas usadas como símbolo de convívio harmônico com a natureza não são melhores conservacionistas do que os ocidentais. Apenas existiam em menor número e dispunham de pouca tecnologia. Em consequência, seu poder de devastação era igualmente mais restrito.
Boa parte das utopias é ancorada em alguma noção de uma época de ouro perdida. Nesse tempo, éramos bons e sem pecado. A versão ecológica é que o homem ocidental se afastou da natureza e deixou de entendê-la e amá-la.
A realidade histórica sugere que o homem sempre foi o mais perigoso dos predadores e o maior usuário dos recursos naturais. A conservação é uma idéia recente. Pô-la em prática pede por incentivos e punições que atendam a esse objetivo. É preciso saber e divulgar os perigos e tragédias ambientais. Mas se nos basearmos somente na consciência humana, vamos falar muito, enquanto esgotamos alegremente o planeta.
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