Norman Borlaug é considerado o pai da Revolução Verde. Não se trata de nenhum movimento ambientalista, mas do salto tecnológico na produção de trigo, liderado por ele, em meados do século XX. Na época, essas variedades de trigo de alto retorno e resistentes a doenças foram introduzidas com grande sucesso no México, Índia e Paquistão. Numa época, em que os especialistas imaginavam que a capacidade agrícola cresceria menos do que a população, as previsões eram de fome crescente no mundo. As descobertas de Borlaug foram consideradas a salvação de cerca de um bilhão de pessoas. E, apesar de agrônomo, ele ganhou o prêmio Nobel da Paz, em 1970.
O relato que se segue é baseado em um discurso proferido por Borlaug em 1997. Tem 11 anos, mas parece que foi feito ontem, dado a crise da comida que, nesse momento, assola o mundo, dobrando o preço dos alimentos mais básicos. Duramente criticado por várias correntes de ambientalistas pela sua defesa de práticas agrícolas de alta produtividade, como a monocultura, e seu otimismo em relação aos transgênicos, nessa fala, Blaug trata com carinho a questão ambiental. Ele faz apelos para que a humanidade controle o crescimento populacional (“Em 1914, quando eu nasci, existia 1,6 bilhão de bocas para alimentar. Hoje, 1997, esse número é de cerca de 5,8 bilhões”). Mas dado que a solução do problema é de longo prazo, enfatiza a importância da alta produtividade agrícola como tecnologia poupadora de florestas e áreas virgens, por conter a expansão da fronteira de produção.
“Pelo menos no futuro previsível, Acredito que continuaremos a depender de plantas – especialmente cereais – para suprir a nossa crescente demanda por comida. Mesmo que o consumo per capita de comida se mantenha constante, o crescimento populacional requererá que a produção aumente 2,6 bilhões de toneladas – ou 57% – entre 1990 e 2025. Entretanto, se o consumo melhorar entre os excluídos que passam fome, estimados em um bilhão de pessoas vivendo em geral na Ásia e na África, a demanda mundial por comida crescerá 100%”, relata Blaug.
No texto da apresentação estão incluídas tabelas detalhadas do consumo de comida mundial, mostrando o tipo, quantidade e a evolução ao longo do tempo. Em 1994, 99% da produção mundial de comida veio da terra. “Só cerca de 1% foi derivada do mar, rios e outras águas contidas, mesmo sendo dois terços do planeta cobertos por água. Os vegetais constituíram 93% da dieta humana. Trinta espécies proveram a maior parte do consumo mundial de calorias e proteína, incuindo oito espécies de cereal, que juntos representam 66% do total” (…) Se os habitantes dos países pobres tivessem consumido 30% das suas calorias de produtos animais – como nos EUA, Canadá e União Européia – só seria possível manter uma população de 2,6 bilhões de pessoas, menos da metade da população atual”.
São dados impactantes. Ele nos lembra que, apesar de ainda existirem algumas partes do mundo com áreas a cultivar, a maior parte dos aumentos de produção devem vir de áreas já em uso. Isso implica um aumento de produtividade de 80% em relação a 1990. Nessa data, a produtividade de cereal por hectare era de 2,5 toneladas. O objetivo até 2025 é aumentá-la para 4,5 toneladas. As regiões onde a produtividade ainda pode aumentar muito estão nos países pobres, que usam métodos primitivos. Estima que os retornos podem subir de 50 a 100% na Índia, América Latina, ex-União Soviética e Europa Oriental. Na África, esses números sobem para 100-200%. Como exemplo, ele cita o desenvolvimento da produção de cereais no cerrado brasileiro, obtida através das novas tecnologias desenvolvidas pelo Embrapa e associados.
Especula sobre o potencial da biotecnologia. E conclui que com o ritmo de progresso técnico atual será possível alimentar um mundo de 10 bilhões de bocas, para o qual nos dirigimos até o final do século XXI. Debate com seus opositores ambientalistas, aceitando suas contribuições em alarmar a humanidade sobre o problema ambiental, mas os critica por sua posição anti-científica. Por fim, lembra que se a produção de cereais da década de 90 tivesse sido produzida com tecnologia da década de 60, Estados Unidos e China teriam usado três vezes mais terra e, a Índia, duas vezes mais. Para as principais colheitas americanas, usando tecnologia velha, seria necessário separar quase 200 milhões de hectares que foram poupados. Os detalhes estão nesse texto de leitura imperdível.
Em outras palavras, com a produtividade do passado a pressão sobre áreas protegidas teria sido imensa. Claro, a alternativa seria um crescimento populacional menor. Até dois séculos atrás a humanidade tinha uma forma de controle populacional e ambiental muito eficiente, a morte na infância por fome e doença. Hoje, a difusão de métodos anticoncepcionais e técnicas agrícolas avançadas é a única alternativa para salvar florestas e alimentar as pessoas, sem ter que voltar para as agruras do passado. Uma mensagem que Borlaug traz com tolerância ao debate, sem rodeios e recheada de informação.
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