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Em busca de estilo próprio

Dez anos depois de se emancipar, o balneário de Armação de Búzios (RJ) quer rever o "estilo Búzios" e preservar a cidade pela valorização do urbanismo e do meio ambiente.

19 de abril de 2005 · 20 anos atrás
  • Carla Rodrigues

    Jornalista, é doutora e mestre em Filosofia (PUC-Rio), onde estuda questões éticas e políticas. Coordenadora do Centro Técnic...

Armação de Búzios é uma cidade que abriga 5.240 domicílios, segundo a última contagem do IBGE. Nenhum deles tem mais de dois andares. Na penúria estética e no descalabro urbanístico das cidades brasileiras, não é pouca coisa. Afinal, no balneário emancipado de Cabo Frio há 10 anos cada palmo de terra é intensamente disputado: são 69 quilômetros quadrados de uma península abençoada com sol, vento constante e temperatura sempre em torno de 28 graus. Por este território espalham-se 35 arquitetos filiados ao Instituto de Arquitetos do Brasil, seção Búzios, gente que escolheu a cidade para levar a vida no “estilo Búzios: combinação perfeita entre cidade pequena e glamour. Charme e sofisticação é o que se tenta vender ao turista que desembarca na Rua das Pedras e é convidado a apreciar a boa caminhada pelas ruas fechadas a automóveis, medida saudável e também contraditória. Para que os carros fiquem fora do centro, estacionamentos como o Parx desmatam área de floresta para facilitar o acesso dos carros e cobram R$ 10,00 adiantados.

Tudo isso pode ser considerado “estilo Búzios”, uma categoria que engloba mais do que os itens da lei do Uso do Solo criada quando o arquiteto Otávio Raja Gabaglia foi secretário municipal, há 15 anos. Antes mesmo de se emancipar e ganhar status e problemas de município, Búzios já prezava por seu estilo. Tornada famosa pelas mãos de Brigitte Bardot, que aportou em praias buzianas em 1964 para esquecer a tristeza de uma desilusão amorosa, a pequena aldeia de pescadores está em busca de preservação de um estilo – não apenas urbanístico e arquitetônico, mas de um jeito de conviver com o lugar. Para isso, a prefeitura e o Instituto de Arquitetos do Brasil promoveram o seminário “Estilo Búzios”, no qual arquitetos, urbanistas, artistas plásticos e psicanalistas foram para a cidade discutir a cara da cidade.

São só 22 mil moradores fixos, mas uma população flutuante que pode chegar a 300 mil pessoas. Além do interesse como destino turístico, o dinheiro do petróleo e a proximidade com Macaé fizeram crescer a disputa por projetos imobiliários de grande porte. Aos poucos, a cidade famosa por ter o maior número de arquitetos por metro quadrado vai perdendo o tal “estilo Búzios”: construções com telhas de barro, madeira e vidro, itens que fazem parte da lei. O problema está justamente em fazer valer a lei: falta fiscalização e só 30% das construções da cidade são formais, o restante segue os caminhos da informalidade.

“O mais importante é que todos estejam dispostos a seguir o estilo, mesmo que sejam informais”, diz a arquiteta Miriam Danowski, uma das pioneiras na decisão de trocar a cidade grande pelo sossego do balneário ainda na década de 80. Para ela e o grupo de arquitetos que constrói em Búzios, só faz sentido viver ali se for para preservar na cidade esse clima de cidade pequena, charmosa e provinciana. “Isso também faz parte do estilo Búzios”, defende. Preservação, entende Miriam, passa necessariamente por construção de um pacto social e cultural. “A prefeitura não tem condições de controlar tudo”, reconhece.

Por isso, a iniciativa de fazer o seminário faz parte de uma proposta mais ambiciosa: criar em toda a cidade o interesse pela preservação. Búzios parte de um bom patamar. Comparada a vizinhas como Cabo Frio e Rio das Ostras, ainda tem uma posição privilegiada, áreas verdes intactas e praias limpas. “Temos uma espécie de mística que nos diferencia das outras cidades da região dos Lagos”, acredita Miriam. Um novo plano diretor, em debate na prefeitura, pode vira garantir a continuidade desse oásis. O gabarito de dois andares, até agora respeitado, é o maior objeto de disputa no “estilo Búzios”. “A discussão da escala foi um dos pontos fundamentais do seminário”, diz Marlene.

“Hoje, a grande questão que a cidade enfrenta é a escala”, diz Marlene Meirelles, uma das organizadoras do seminário que mobilizou mais de 100 pessoas na cidade durante o último fim de semana. Em debate, parâmetros que conciliem desenvolvimento arquitetônico e urbanístico com natureza e paisagem. “A idéia é criar um pacto da sociedade em torno da preservação”, diz Marlene. A idéia de preservar não apenas pela lei, mas principalmente pela cultura, faz todo o sentido quando se reconhece as dificuldades de fiscalização da prefeitura. Fora da área da península já se pode encontrar pequenas favelas, como Cem Braças, e construções turísticas irregulares em praias como Tucuns. Outro problema local é a constante multiplicação de suítes para aluguel, que crescem sobre padarias, oficinas mecânicas e lojas de material de construção. Búzios, embora só tenha 10 leitos hospitalares, tem sete mil acomodações para turistas.

Embora os saudosistas considerem que a cidade já perdeu seu encanto, e que bom mesmo era quando Bardot caminhava pela Praia do Canto romanticamente ladeada por barquinhos de pescador, uma visita a Búzios – fora da alta temporada – indica que a cidade é bem-sucedida no quesito estilo. Hoje o balneário tem atividade econômica estável, capaz de sustentar a população fixa que veio de fora e inclui, além dos arquitetos, advogados, jornalistas e outras especialidades que não giram exclusivamente em torno do turismo.

Cultura de preservação, valorização de uma estética harmônica e gabarito baixo são o objeto de desejo de toda cidade que se pretende agradável, seja do ponto de vista urbano, seja no aspecto de respeito ao meio ambiente. Há muito em Búzios para consertar, como a Delegacia Legal que o governo Garotinho quase construiu – feia, inacabada, é um monumento ao mau gosto e ao descaso com o dinheiro público. Sem nunca ter sido inaugurada, já está em reforma. Ao contrário do “estilo Búzios”, o caixote branco no caminho para a praia da Ferradura não tem salvação nem política nem arquitetônica.

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