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Ilustres Desconhecidos

O país tem muita gente que fez e faz história nos esportes de aventura. Infelizmente, a maioria dos brasileiros não tem a menor ideia de quem eles são.

1 de abril de 2005 · 20 anos atrás

Nas últimas semanas me dei conta de como o marketing tem o poder de iluminar e ofuscar grandes talentos devido a duas notícias que me chamaram a atenção. A primeira foi a declaração de dois montanhistas paulistanos, Rodrigo Raineri e Vitor Negrete, sobre alcançar o cume do Monte Everest sem a utilização dos cilindros de oxigênio, façanha inédita entre equipes brasileiras. Dentro de um contexto similar, Waldemar Niclevicz anunciou a repetição de sua ascensão ao mesmo cume, realizada por ele na primeira vez em 1995. Até esta semana a notícia havia sido veiculada da seguinte forma: uma página inteira de jornal dedicada a Niclevicz e uma humilde notinha para os paulistas. De forma alguma vim para desmerecer o repetido empreendimento de Niclevicz, mas convenhamos, estamos prestes a preencher mais uma lacuna do Brasil na sua participação nos esportes de aventura pelo mundo afora.

Chegar em um local onde a quantidade de oxigênio é 70% menor do que estamos acostumados ao nível do mar, sem uma provisão extra, é um fato digno da atenção dos holofotes de O Eco. Ainda mais se somarmos a isso todas as outras adversidades da ascensão ao pico mais alto do mundo. Tudo bem que logo que decidi abordar este tema, ele foi muito bem coberto no Jornal Nacional, no horário nobre da televisão brasileira. Mas, como sou persistente, resolvi homenagear diversos ilustres desconhecidos, pessoas que fazem a diferença e que já fizeram história neste Brasil dos esportes de aventura.

Começo pelos próprios Rodrigo e Vitor. Afinal, a trajetória destes dois astutos montanhistas inclui a ascensão ao Monte Aconcágua pela sua Face Sul, considerada uma das 5 escaladas mais difíceis do mundo e que nos levou Mozart Catão, falecido em 1998. Ambos lideram expedições nos Andes e Alpes e Vitor realizou algumas travessias de bicicleta, como a Transamazônica e o percurso Porto Alegre-Ushuaia. Um tema off-topic de esportes de aventura que a mídia também deixa de lado, mas que nós não vamos ignorar, são os projetos sociais de Vitor Negrete com populações de baixa renda, paralelos à sua paixão pelo esporte.

Mudando um pouco de ambiente, alguém conhece o gaúcho de 51 anos, que acabou de voltar da sua 7ª expedição à Antártida? Pois é, Gunnar Hagelberg acaba de se tornar o primeiro passageiro brasileiro a completar a circunavegação da Antártida pelo sul do círculo polar. Ainda navegando pelos mares encontrei Gustavo Pacheco, conhecido por realizar diversas regatas em solitário como a Travessia Mini-Transat, que são 35 dias em um barquinho de apenas 6,5 metros. Foi também o primeiro brasileiro participante da Sydney-Hobart, uma das mais perigosas regatas do mundo.

Continuando a lista dos primeiros, Luiz Makoto Ishibe foi o primeiro e único a subir o Monte Roraima pela sua face leste, em 1991, na companhia de Michel Bugdanovic e Hugo Almerin. Escalou nos Andes, Japão, Europa, Alaska e África. Realizou a primeira ascensão à face sudeste de Poincenot, uma das escaladas mais difíceis da Patagônia, na companhia de Alexandre Portela. É um dos brasileiros mais antigos no quadro de patrocinados pela NIKE (desde 1993) e hoje também se dedica às corridas de aventura, expedições e realizações de matérias na TV. Detalhe, seu nome é mais conhecido no exterior do que no seu próprio país.

E quem falou que quantidade não é qualidade ainda não conheceu André Ilha. Aliando essas duas características ao seu currículo de escalador e ambientalista, Ilha conquistou aproximadamente 400 vias no Brasil, nos seus 30 anos como montanhista. Revolucionou a escalada móvel no país e foi o seu maior incentivador, chegando a conquistar 85 das 200 vias do 2º maior centro de escalada móvel do país, localizado no Morro da Pedreira (MG).

Falando em motivação, um exemplo de persistência é Eduardo Barão, montanhista que sofreu um acidente em 1999 durante uma escalada no Garrafão (Parque Nacional Serra dos Órgãos – RJ), caindo de uma altura de 110 metros. Sobreviveu e voltou para a escalada e para as competições, firme e forte após a sua recuperação, com o mesmo senso de humor e tranqüilidade de sempre.

Sérgio Tartari, Sérgio Poyares e Alexandre Portela estão entre os nomes dos grandes responsáveis pela evolução da escalada técnica no país, elevando o nível dos atletas que vieram depois. Difundiram o conceito do MEPA (Máxima Eliminação dos Pontos de Apoio). Conquistaram os primeiros Big Walls brasileiros – escaladas de mais de um dia de duração – e continuam, mesmo depois de 24 anos de rocha, sempre com uma nova via para desafiar os novos e velhos escaladores. Tartari e Portela foram ainda, os precursores da escalada solo no Brasil – escalada sem equipamento de segurança, apenas com a sapatilha e o saco de magnésio. Tudo isso, é claro, sem mencionar as suas empreitadas no exterior.

Bem, eu poderia escrever vários artigos sobre grandes aventuras de pessoas tão especiais para nós. Afinal, eles fazem parte da nossa motivação como exemplos do que somos capazes quando estamos obstinados a algo. Eles nos abrem caminhos (seja pelas trilhas, pelas imagens que trazem ou pelas histórias) para lugares que queremos chegar com nossos próprios esforços. Entretanto, justamente por não estarem sob a luz dos holofotes, nem sempre é possível encontrá-los com facilidade. Mas todo praticante de algum esporte de aventura certamente está se lembrando, nesse momento, daquela lenda viva que nunca foi manchete de jornal, mas que já deu aquela dica para alguma empreitada sua.

Esta semana eu tive a feliz oportunidade de conversar sobre este tema com Sérgio Poyares que, modestamente, me disse: “Não foi nada de mais. Fomos apenas um grupo de pessoas que estava no lugar certo, na hora certa e com muita disposição”. Eu contestei afirmando que existem muitas pessoas que se encontram nos lugares certos e na hora certa, mas que não fazem nada com isso. Ele completou, com um sorriso no rosto: “Mas eles não têm MUITA disposição…”. Pois é gente, está dado o recado. Vamos ficar atentos às façanhas daqueles que não estão na mídia, mas que têm disposição de sobra para fazer a diferença.

E você? Conhece algum ilustre desconhecido com uma boa aventura para nos contar?

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