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Competitividade verde

Ser ambientalmente correto às vezes custa caro. Quando a intenção da empresa é boa, mas as perdas potenciais são muitas, é preciso haver políticas de incentivo.

7 de outubro de 2005 · 19 anos atrás

Na coluna passada, falamos sobre projetos que reduzem emissões de carbono e que podem também contribuir para a solução de problemas sociais. Mas como os “negócios limpos” interferem na competitividade empresarial e conseqüentemente na nossa vida?

Os empresários têm mania de reclamar que os controles ambientais encarecem a produção. Mas alguns especialistas defendem que a melhoria na gestão ambiental reduz os custos de produção porque aumenta a preocupação em reduzir desperdícios e ineficiências no consumo de energia e matérias-primas. Então, a grande vantagem das tecnologias “limpas” está na possibilidade de reverter um custo em benefício: o que seria antes tratado como um problema, como gastos adicionais para evitar emissões ou para pagar compensações, caso a redução de emissões não seja técnica ou economicamente viável, passa a ser uma vantagem como ganhos de rendimento ou produtividade. Trata-se, portanto, de uma situação típica daquelas win-win, que entraram no nosso vocabulário recentemente, onde o ganho de competitividade ocorre ao mesmo tempo em que o ganho social.

E existem aquelas perguntas que não querem calar. Se a tecnologia limpa é a mais desejável tanto para a empresa quanto para a população, por que ela ainda não foi adotada em larga escala? Por que ainda precisamos da ação estatal no controle da poluição?

Existem diversas maneiras de responder a esta pergunta. Primeiro, é fundamental lembrar que as estruturas produtivas são muito heterogêneas, ainda mais no caso de países de industrialização tardia, como o Brasil. Essa diferença estrutural é o resultado da desigualdade tecnológica entre os vários setores. Exemplo disso está no gritante contraste entre algumas atividades do setor manufatureiro que exige elevada incorporação de tecnologia – a maioria dos bens de consumo duráveis que incorporam inovações microeletrônicas, como o computador que você usa para ler esta coluna – com outras nas quais o dinamismo na incorporação de tecnologia é menos presente, como em várias áreas tradicionais que utilizam recursos naturais como matéria-prima. Além disso, é possível observar a coexistência, no mesmo setor, de firmas bastante avançadas tecnologicamente, como empresas voltadas para a exportação, ou filiais de transnacionais, que tentam acompanhar – ainda que de forma defasada – o progresso técnico gerado nos países desenvolvidos, com empresas atrasadas tecnologicamente, atuando em áreas onde a qualidade do produto ainda não é tão importante para a concorrência.

As oportunidades para a popularização das tecnologias limpas variam muito. Em setores onde este contraste tecnológico entre as firmas é muito grande existe um grande espaço de avanço simplesmente através da melhoria nas formas de produção das empresas mais defasadas. Nesse caso, o papel da política pública é facilitar a transferência dessas tecnologias, seja através de difusão ou criando mecanismos de financiamento e outros incentivos ao aperfeiçoamento tecnológico. Muitas vezes o problema está no desconhecimento de novas técnicas. Um exemplo ainda pouco explorado no Brasil é o uso de políticas de compras do governo. Neste caso, pode-se estipular critérios mínimos de controle de produção para que a empresa seja habilitada a participar de licitações públicas, obtenção de concessões, entre outras maneiras.

Uma situação ainda mais complicada é quando os setores onde as possibilidades de “ganho-ganho” são muito pequenas, ou ainda, em setores onde a adoção de tecnologias limpas exige investimentos pesados sobre um parque instalado que ainda não foi financeiramente depreciado. A situação agrava-se quando a capacidade de financiamento da empresa é menor, situação típica de pequenas e médias empresas. Ainda que exista conhecimento de formas mais eficientes de produção, as restrições de capital ou escala impedem a sua adoção, e o máximo que se consegue em termos de gestão ambiental é a adoção de controles que simplesmente impedem que a emissão atinja o meio, as chamadas tecnologias de “fim de tubo”. Este tipo de tecnologia só representa aumento nos custos de produção e, portanto, menor competitividade.

Esta limitação deve ficar bem clara no nosso raciocínio. Nem sempre a melhoria da qualidade ambiental poderá ser redutora de custos. O papel do formulador de política, tanto do governo quanto das associações industriais, será exatamente identificar as situações em que a perda de competitividade é potencial, e então apresentar as tais medidas compensatórias.

O momento mais adequado de se incorporar a preocupação ambiental é antes da planta ser construída. É nesse instante que se pode obter o maior ganho com a adoção de tecnologias limpas, com novos processos produtivos de menor impacto ambiental e o desenvolvimento de produtos ou processos com características “ecológicas”. Contudo, se a fábrica já está instalada, ainda se pode obter benefícios econômicos e ambientais com a otimização de processos. Esta ação está relacionada à elevação da eficiência de processos além do reaproveitamento de insumos, subprodutos e resíduos sólidos. Porém, se a concepção de gestão ambiental está estritamente limitada ao controle de “fim de tubo”, simplesmente impedindo que efluentes, emissões ou resíduos atinjam o meio sem uma reformulação no processo de produção, com certeza controle ambiental significa prejuízo para o empresário. Uma metodologia bastante interessante para convencer o empresário a adotar a produção mais limpa é fazê-lo conhecer melhor seu depósito de lixo: pelo que se está desperdiçando pode-se pensar no que pode ser economizado.

As circunstâncias que colocam as tecnologias limpas em prática estão normalmente associadas a indústrias de processo contínuo, onde a redução de efluentes pode representar uma economia considerável de custos, ou seja, menor desperdício = maior lucro. Um exemplo que beira o óbvio está no complexo sucroalcooleiro. Nos anos oitenta, a expansão das usinas produtoras de álcool acabou criando um grande desastre ambiental: o resíduo orgânico não fermentado, chamado vinhoto ou vinhaça, que causa grande impacto poluente se lançado sem tratamento nos rios próximos, pois sua fermentação acaba consumindo o oxigênio dissolvido na água. Imagine o volume do despejo: para cada litro de álcool, são gerados de 12 a 15 litros de vinhoto; e no fim dos anos oitenta praticamente toda a frota de veículos leves no Brasil consumia álcool combustível! Porém, o que era um problema, passou a ser solução: como o vinhoto é uma mistura riquíssima em carga orgânica (semelhante a um melado), passou a ser reaproveitado em larga escala como fertilizante, reduzindo assim os custos de produção com este tipo de insumo. Outro problema transformado em solução foi o aproveitamento do bagaço da cana para a geração de energia, térmica ou elétrica, ao mesmo tempo em que reduz o problema de disposição desses resíduos. Aliás, uma área que merece esforço de pesquisa é exatamente a melhoria na eficiência energética e redução de emissões na queima de biomassa. Existem aplicações também no papel e celulose, química, metalurgia e outras formas.

As indústrias que já estão acostumadas a utilizar o componente tecnológico como elemento de competição podem criar um círculo “virtuoso” entre eficiência produtiva, capacidade de inovação e controle da contaminação. Tal ciclo, entretanto, não se desenvolve onde a capacidade inovativa foi pouco desenvolvida ou quando a possibilidade de reutilização do resíduo é pouco atrativa. Por exemplo, quando o preço da matéria-prima era muito baixo, desestimulava a reciclagem. Lembra de quando os refrigerantes vinham em garrafas de vidro? Era um insumo caro, havia um incentivo econômico para que não jogássemos fora o vasilhame (comprava-se o conteúdo da garrafa, mas o casco tinha que ser retornado (como ainda acontece com garrafas não descartáveis de cerveja). Porém, a entrada do PET no mercado barateou consideravelmente o processo, e como o custo de reciclar é mais alto do que produzir a partir de material-prima virgem, os depósitos de lixo passaram a acumular uma gigantesca quantidade desse tipo de resíduo, que ocupa grande volume e é de grande dificuldade de compressão. Pior: se as garrafas de PET vão parar nos rios, podem entupir os canais de escoamento da água, aumentando consideravelmente os riscos de inundações no caso de chuvas torrenciais em centros urbanos.

Outros fatores que podem incentivar o uso de tecnologias limpas são as pressões de demanda, que significam consumidores ambientalmente mais exigentes, e políticas governamentais. O fortalecimento das agências de controle ambiental é crucial, em especial considerando a atual tendência de implementar o princípio poluidor-pagador e, quem é mais “limpo”, passa a ser mais competitivo. No entanto, a existência de mecanismos de difusão de tecnologia e, de financiamento para a efetiva implementação dessas tecnologias, é da mesma importância. Não basta penalizar os que atuam de forma inadequada. Também é preciso criar os instrumentos para que o empresário tenha atitudes ecológica e socialmente corretas.

É fundamental evitar o falso dogma de que uma maior participação empresarial na gestão ambiental significa menor necessidade de ação pública nessa área. Um mito freqüentemente alardeado pelos fanáticos pelo livre mercado é o da “limpeza” que a liberalização de importações eventualmente traria para os produtores ineficientes, normalmente identificados como os mais poluidores. Com essa visão, não seria preciso nenhuma intervenção de política pública: na medida em que a concorrência “naturalmente” eliminasse os menos competitivos, o mercado estaria automaticamente reduzindo a poluição. Esse raciocínio, embora bastante difundido, é falacioso: nada garante que o mercado, por si só, irá eleger os mais eficientes do ponto de vista ambiental. A partir dessa idéia, retomamos o princípio de voltar a ser um país exportador de mercadorias intensivas em recursos naturais simplesmente porque hoje apresentamos maiores vantagens comparativas nessas atividades. Desenvolvimento sustentável é incompatível com dependência em recursos naturais, seja ela como exaustão de recursos não-renováveis ou de degradação de recursos renováveis.

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