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Meu tributo a Marina Silva

Considero Marina Silva heroína por ter durado tanto tempo em meio à mediocridade que predomina na esfera política. Tenho lido criticas injustas e absurdas à sua gestão.

19 de maio de 2008 · 17 anos atrás
  • Suzana Padua

    Doutora em educação ambiental, presidente do IPÊ - Instituto de Pesquisas Ecológicas, fellow da Ashoka, líder Avina e Empreen...

Aproveito meu espaço no O Eco para expressar minha admiração pela pessoa e ex-Ministra Marina Silva. Tenho lido e ouvido criticas incessantes sobre os mais variados aspectos de sua atuação, a maioria das quais considero injustas e absurdas. Por isso resolvi me pronunciar a respeito.

Em um ambiente político que presenciamos escândalo após escândalo, mais do que nunca soam inadmissíveis as criticas a uma pessoa como Marina Silva, que destoa por sua integridade, força ética e lealdade a um chefe de Estado que não parece merecer e que, certamente, não foi capaz de reconhecer o valor que tinha ao seu lado. Na verdade, considero Marina Silva heroína por ter durado tanto tempo em meio à mediocridade que predomina na esfera política. No ambiente atual é compreensível que a maioria de seus colegas não entenda alguém que lute por ideais que beneficiam a coletividade, principalmente quando defende a sustentabilidade de longo prazo, ao invés do modelo de desenvolvimento antiquado que trata a natureza meramente como recurso que renda ganhos imediatos com pouco planejamento. Pensar que a preocupação ambiental estanca o progresso é no mínimo pensar velho; é não acompanhar o ritmo dos acontecimentos mundiais. Infelizmente, esta é a atitude que predomina entre os governantes, que ignoram a importância da sustentabilidade, mesmo quando o aquecimento global mostra seus efeitos em todas as partes do planeta.

O Brasil que ainda tem riquezas ambientais únicas, poderia liderar um modelo diferenciado de desenvolvimento. Mas, a realidade atual indica o contrario. A escolha tem sido a de se trilhar o caminho do lucro a qualquer custo, sendo que muitos dos ganhos continuam sendo sugados pela corrupção ou mal distribuídos, ficando concentrados nas mãos de poucos, como mostram os dados recentes do IPEA (10% dos brasileiros detém 75% da riqueza do país). Até o empenho em melhorar as condições sociais desse governo é questionável. A “Bolsa Família”, se não for acompanhada de um programa sério de educação, pode acabar se tornando uma esmola que perpetua a pobreza, já que quem a recebe não precisa se esforçar para ampliar seus conhecimentos em áreas abrangentes, o que pode limitar sua sustentabilidade ou sua adaptação quando em outros contextos. Mesmo que alguns índices mostrem melhorias entre as famílias beneficiadas, investimentos maciços em educação deveriam ser contemplados a fim de garantir uma cidadania mais promissora para muitos. Nenhum país se desenvolve verdadeiramente sem levar educação a sério, mesmo que o próprio Lula afirme que chegou à presidência sem estudo, reforçando uma retórica demagógica e prestando um desserviço à nação.

Os recursos naturais, hoje poderiam valer muito se bem protegidos e estudados. Apoio substancial alocado a pesquisas sérias e relevantes poderiam ser meios de se desenvolver modernamente. No entanto, a natureza brasileira continua sendo dilapidada para se produzir bens direcionadas à exportação.

Não parece que aprendemos com nossa história. O Brasil foi marcado por ciclos variados, que causaram devastações irreparáveis aos ecossistemas naturais, descontinuados assim que os países importadores mudavam o rumo de seus interesses. Foi assim com o pau Brasil, que se extinguiu em muitas partes do território nacional, com a cana de açúcar (inicialmente não para combustível), com o café, e com outros produtos em menor escala (leiam artigos de José Augusto Pádua, também neste site).

Hoje vê-se a soja invadindo áreas naturais, com apoio de governantes, sendo um deles o maior plantador do mundo. Governador de um dos Estados que mais desmatou, Mato Grosso, Blairo Maggi chega a ridicularizar publicamente a preocupação ambiental, tendo recebido apoio de ministros e até mesmo do Presidente Lula. Foi pena não ter dado andamento às conquistas anteriores como a Operação Curupira, por exemplo, ou a missão de desmatamento zero que prometeu publicamente em evento internacional.

Que progresso é este que estamos plantando? A quem está favorecendo? Quanto tempo durará? Quem ainda pensa que se pode desenvolver sem levar em conta as questões ambientais?

Vejo Marina Silva como uma visionária que compreendeu essa realidade e tentou reverter o rumo de nosso desenvolvimento. Em meio a um governo que pensa antigo, fico ainda mais admirada com sua força. Lutou por seus ideais, pautados pela conservação da natureza brasileira, principalmente a Amazônia, sua terra natal. No início de seu mandato como Ministra do Meio Ambiente, tentou implantar uma gestão transversal na ilusão de integrar os demais ministérios nas decisões de uma pasta tão importante como a sua. Doce ilusão. Os desafios que enfrentou, principalmente em seu segundo mandato, foram inúmeros, e acabou lutando isoladamente contra projetos que não poupam a natureza de agressões, muitas irreparáveis.

Marina perdeu muitas batalhas, mas enquanto achou que podia fazer diferença permaneceu no cargo. Foi nítida sua luta contra os transgênicos, contra a importação de pneus velhos vindos de países que devem ter festejado quando encontraram uma nação disposta a receber lixo alheio. Seu posicionamento contrário às hidroelétricas do Madeira foi claro, e razão de muito desgaste com a ministra Dilma Rousseff e com o próprio Lula. A gota d’água foi a entrega do Programa Amazônia Sustentável, que ela concebeu com árduo esforço e dedicação, ao Ministro Mangabeira Unger, que nem parece saber a que veio (aliás falou mal do Lula a vida inteira, mas aceitou ser ministro no primeiro convite – no mínimo estranho).

Enquanto essas batalhas estavam sendo travadas, Marina e sua equipe se concentraram em realizar feitos que serão reconhecidos com o passar do tempo. Foram mais de 24 milhões de hectares transformados em áreas protegidas federais, um aumento de mais de 60% em relação ao que existia quando entrou. Reduziu o desmatamento significativamente e conseguiu uma linha de crédito a juros baixos para o recadastramento de propriedades com reserva legal ou com planos para recuperá-la. Trabalhou junto a outros ministérios, sempre que possível, como foi o caso da educação ambiental, que pela primeira vez teve planejamentos conjuntos com o Ministério da Educação. Junto ao Itamaraty pode impor uma boa imagem internacional, inspirando uma imagem de determinação, seriedade e coerência, que deu ao governo Lula uma aparência de compromisso com as questões ambientais.

Enquanto havia esperança de fazer diferença, Marina foi firme e lutou pelo que acredita. A meu ver, o mais grandioso de seus passos foi pedir demissão quando considerou que as questões ambientais teriam mais chance de sucesso se saísse de cena antes de sua desmoralização total. Não são muitas as pessoas com essa coragem, pois o poder parece embriagar e seduzir, como se vê freqüentemente entre quem galga posições prestigiosas. Mas, não Marina Silva. Com sua decisão de deixar o Ministério demonstrou desapego ao poder, além de compromisso e coerência com seus ideais.

No cenário atual, quem deveria ser duramente criticado é o restante do governo que não deu o devido valor a Marina Silva. Ao menosprezá-la demonstra não compreender a importância do empenho que todos deveriam ter para implantar um desenvolvimento de fato sustentável. Muito ao contrario, “nunca na história desse país” tivemos um governo que pensa tão defasado de seu tempo.

Em artigo no Jornal da Comunidade de Brasília (17 a 23 de maio), o jornalista César Fonseca sugere que, sem querer, Lula deu margem para Marina ser a mais forte candidata a sua sucessão. Os argumentos de Fonseca incluem sua inegável força de caráter, seu conhecimento sobre as questões ambientais, principalmente ligadas à Amazônia, e seu prestígio internacional. Quem sabe ainda teremos a chance de votar nela para presidente? Dou a maior força…

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