A imaginação é uma capacidade intelectual preciosa que, aparentemente, é exclusiva à espécie humana. Não há dúvida que ela transformou os humanos no que hoje são. A imaginação esteve presente na invenção do machado de pedra pré-histórico e das primeiras fogueiras nas cavernas, até as portentosas máquinas atuais, nas teorias mais ousadas sobre o universo e, através dos tempos, é a essência das artes. Os jovens, menos influenciados que os mais velhos pelos parâmetros intelectuais impostos pela sociedade, sempre têm sido a ponta de lança da imaginação criativa. Porém, pelo menos nas ciências referentes ao uso sustentável e conservação dos recursos biológicos, a imaginação da juventude estudiosa parece estar perdendo o rumo.
O comentário vem à tona após vários anos de leitura de textos que pretendem ser publicados em revistas sérias ou, dentre outros, projetos de tese ou teses já concluídas para obtenção de títulos de mestrado e doutorado. E, com poucas exceções, o resultado é deprimente. Deprimente porque, às vezes, apesar da evidência do intenso esforço dos autores, os trabalhos simplesmente não demonstram algo que já não seja bem conhecido e principalmente não aportam nada que seja útil ou, sequer, interessante. De fato, ler e comentar esses textos, um após o outro, ano após ano, é um dos mais tediosos exercícios imagináveis. É verdade que não é sempre necessário usar a experimentação para que um trabalho demonstre ou aporte evidências sobre um fato novo. A novidade pode vir, também, de trabalhos baseados na observação direta e na interpretação teórica do fenômeno visto ou, inclusive, pode ser encontrada em tratados eminentemente narrativos que, embora não apelem à criatividade, aportam informação que não estava disponível sobre uma região, sobre espécies e o fato. Por exemplo, os relatos minuciosos das viagens pela América do Sul dos grandes exploradores dos séculos XVIII e XIX são, até hoje, uma fonte reconhecidamente valiosa de informações.
Porém, na atualidade, é evidente um abuso da reiteração de temas trilhados, como no caso dos “mais científicos”: compilar estatísticas de animais atropelados nas estradas, fazer listas de espécies muito bem conhecidas de locais já fartamente estudados, ou contar animais noturnos que posam para fotografias em fragmentos florestais. Ou, no caso dos “menos científicos”: analisar planos de manejo de áreas protegidas; ou a sua aplicação, estudar a percepção das comunidades rurais; ou de outros sobre medidas de conservação; entrevistar proprietários de cachorros para determinar o impacto destes sobre a fauna nativa ou, pior, resenhar opiniões de personalidades da área ambiental e fazer estatísticas baseadas exclusivamente em revisão bibliográfica. Na verdade, embora possam ter sido aportes quando originalmente idealizados, após terem sido já explorados por muitos outros e por décadas, esses temas apenas mereceriam ser exercícios ou requisitos para a aprovação do curso correspondente. Além do mais, essas teses exploram metodologias ou técnicas que podem complementar outras, mas dificilmente podem ser a única utilizada para demonstrar alguma coisa.
Aportes para o avanço da ciência
Trabalhos assim feitos são apresentados como teses de mestrado e doutorado e, logo, têm a pretensão de ser publicados em revistas científicas. Esses trabalhos não passam o teste clássico do “Então o quê?” ou “E a quem isso interessa?” nem do lapidário comentário “Mas todo mundo já sabe disso!”
O que é uma tese? A tese é o enunciado de uma proposição, ou de uma teoria, que se acredita poder defender e demonstrar. A proposição parte de uma hipótese, ou seja, de uma suposição ou conjectura que orienta a investigação ou pesquisa na busca de demonstrar o fato, matéria do esforço. A hipótese antecipa características prováveis do objeto investigado e que vale, quer pela confirmação dessas características, quer pelo encontro de novos caminhos de investigação (Dicionário Aurélio). Nem sempre a pesquisa, inclusive quando o método é o mais correto aplicável, confirma a hipótese, por mais bem formulada que esteja. No entanto isso não desvaloriza o resultado, pois a não confirmação da hipótese é, também, um resultado concreto. A definição do Aurélio, que coincide com as de outras línguas, contém outro elemento freqüentemente esquecido nas teses feitas na região: as únicas recomendações que uma tese pode conter referem-se às novas linhas de pesquisa decorrentes do resultado. Uma tese não tem a autoridade para dar recomendações de toda índole aos gestores, governos ou, como é freqüente, até do tipo urbi et orbi. Já no artigo que possa ser produzido com base em tese defendida e aprovada cabem, sim, umas poucas recomendações muito concretas que são exclusiva e diretamente decorrentes dos resultados.
A finalidade das teses exigidas aos graduandos universitários é, primeiramente, testar ou confirmar a sua capacidade de resolver um problema concernente à sua nova especialidade, aplicando um método científico. Mas, principalmente no nível de doutorado, o objetivo da tese é ser um aporte concreto ao avanço da ciência ou da tecnologia. Teses que se limitam à preparação de um projeto de investimento, ou de um exercício de planejamento, são trabalhos pré-profissionais que podem servir para a outorga de um título profissional, porém não servem para um grau acadêmico, como os de mestre ou doutor, especialmente no caso das ciências relacionadas à biologia.
Deve-se reconhecer que é difícil defender uma hipótese se o conhecimento geral sobre o tema, por parte dos professores e estudantes, é incipiente. O tempo e os recursos que podem ser dedicados a uma pesquisa são quase sempre limitados estimulando a escolha de temas corriqueiros. Por isso é que as melhores teses e os melhores textos publicados em revistas científicas quase sempre correspondem às universidades nas que haja um professor destacado ou um grupo que trabalham, por longo tempo, sobre temas específicos, aproveitando os estudantes graduados para desenvolver temas correlatos que estão baseados em hipóteses surgidas de trabalhos anteriores, ou dos desenvolvidos em paralelo. Na verdade esses professores, seus colegas e estudantes, reproduzem a antiga e sempre desejável relação do mestre com os seus discípulos.
Imaginar faz bem à pesquisa
Voltando ao ponto inicial, ainda é possível que a principal razão da situação das pesquisas acadêmicas sobre temas relativos à conservação da natureza seja devida, em grande parte, ao escasso uso que fazem professores e estudantes da sua imaginação para levantar hipóteses e assim desenvolver a tese. Nenhum professor pode esquecer a desagradável e reiterada experiência de escutar do candidato a mestre ou a doutor a frase desesperada “Mas, professor, sobre isso não há bibliografia!” a cada vez que se propõe um tema relativamente inovador. Ante a alegação do professor de quão importante e bom é que se faça uma pesquisa sobre um tema que ninguém ou poucos trilharam, a maior parte dos graduandos prefere ir buscar outro orientador de tese. Desses que propõem simples experimentos comparativos de pesticidas, variedades ou fertilizantes, ou daqueles que vão aceitar como único o principal método de pesquisa, fazer entrevistas e questionários, bem longe da natureza. Ou seja, teses que se muito resumidas e corretamente redigidas até podem gerar um artigo informativo, mas não aportam nada realmente novo ou útil à nação, apesar de terem um custo elevado para o erário público.
O mais triste dessa realidade é que, na área da conservação da natureza, existem milhares de problemas científicos e técnicos esperando explicação ou solução. A juventude estudiosa deve sabe que as suas idéias mais valiosas, embora possam parecer loucas, são todas desenvolvidas antes de cumprir os trinta e poucos anos de idade. Portanto esses jovens que se orientam para a ciência, não devem desperdiçar a sua principal possibilidade de fazer algo que realmente seja de proveito para eles mesmos e para a sociedade onde vivem.
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