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Tudo em nome da corrida de aventura

Corrida de aventura é um esporte radical que começa a crescer no Brasil. Atleta e presidente da Acaerj falou a O Eco sobre a final do campeonato mundial, o Ecomotion Pro 2008.

31 de outubro de 2008 · 15 anos atrás
Pinheiro à frente da equipe durante prova de aventura, quando muitas equipes podem varar à noite em busca de melhor colocação. (Foto: Bernardo Rodrigues)
Pinheiro à frente da equipe durante prova de aventura, quando muitas equipes podem varar à noite em busca de melhor colocação. (Foto: Bernardo Rodrigues)
Não há tempo a perder durante as provas, por isso os atletas ingerem alimentos com alto teor calórico e, quando dormem, são por poucas horas. (Foto: Bernardo Rodrigues
Não há tempo a perder durante as provas, por isso os atletas ingerem alimentos com alto teor calórico e, quando dormem, são por poucas horas. (Foto: Bernardo Rodrigues

A corrida de aventura ainda não é tão conhecida no Brasil. Você pode descrever no que consiste este esporte?

A corrida de aventura é um misto de expedição e de competição. Alternando diversas modalidades como trekking, mountain bike e canoagem, as equipes têm que passar por Postos de Controle (PCs) determinados pela organização, orientando-se com mapa e bússola.  Normalmente as equipes são formadas por quatro atletas. É obrigatório a participação de ao menos uma mulher.

As provas podem ter sua duração classificada como curta (início e término no mesmo dia), média (dois ou três dias de prova), ou longa (mais de três dias de prova).

Quais os requisitos para uma pessoa se tornar um atleta de corrida de aventura?

Saber trabalhar em equipe, suportar desconfortos como fome, frio, calor, sono e cansaço e saber preservar a natureza, não necessariamente nessa ordem. O condicionamento físico e a disciplina no treinamento são inerentes a qualquer esporte, mas esses atributos caracterizam bem o atleta de corrida de aventura.

Como é feita a escolha da equipe?  

Normalmente, é feita por pessoas que já se conhecem e têm alguma afinidade, como morar perto, treinar juntos etc. Quando a equipe já está em um nível de competição mais avançado, os critérios de escolha começam a mudar, buscando-se pessoas mais condicionadas e com mais experiência. É comum as equipes terem dificuldade em conseguir a mulher para compor o grupo. Atualmente, o número de atletas homens é significativamente maior que o de mulheres.

Dos lugares em que você já competiu, quais foram os mais bonitos?

A Serra da Canastra, na divisa de Minas Gerais e São Paulo é deslumbrante. Tive a oportunidade de competir duas vezes lá. Remar nas águas do Rio São Francisco e passar por sobre uma cidade que foi inundada também foi uma experiência ímpar. Mesmo sendo o “quintal de casa”, não posso deixar de citar a Ilha Grande, com todas as outras ilhas ao seu redor, e as Prateleiras, em Itatiaia.

Qual o impacto que você acha que tais competições causam em áreas protegidas?

Existem diversas classificações quanto à proteção das áreas. Dependendo do local em questão, deve ser feito um estudo prévio de impacto ambiental para saber se há a necessidade de restringir a passagem dos atletas por algum ponto específico. No caso de parques nacionais, estaduais ou municipais, a direção dos mesmos deve ser sempre informada e consultada algum tempo antes do evento. Em hipótese alguma são feitas competições em reservas biológicas. Deve-se levar em conta, também, que competições de longa e média durações causam pouco ou quase nenhum impacto. Nessas provas, o ritmo dos atletas é bem mais lento, dificilmente você verá uma equipe correndo. E normalmente, já no final do primeiro dia, se tem uma distância grande entre as equipes, o que minimiza o impacto de várias pessoas passando juntas ao mesmo tempo numa mesma trilha.

Qual o papel da Acaerj no circuito estadual?

O objetivo da Acaerj é fomentar o esporte de forma consciente e organizada no estado do Rio de Janeiro. Hoje temos dois circuitos em ativa e outros dois que voltarão em 2009. Com esses quatro circuitos no ano que vem, criaremos um ranking estadual. Isso incentivará os atletas a participarem em maior número de provas e em lugares diferentes do estado.

O que a entidade faz para minimizar o impacto da corrida de aventura no meio-ambiente?

Um dos primeiros trabalhos que fizemos foi elaborar uma normatização para o esporte no estado, com o compromisso dos circuitos apoiados pela Acaerj em seguí-la. Nesse documento, há itens que falam diretamente da conduta sócio-ambiental a ser seguida pelo os organizadores de prova.  Evitar a criação de trilhas novas para serem incluídas no percurso da competição, se preocupar com a limpeza de todas as áreas de concentração de atletas e staff e oferecer, sempre que possível, alguma contrapartida à comunidade local são alguns de nossos objetivos.

No que a atividade pode contribuir para a preservação ambiental?

A passagem de uma prova do porte do EcomotionPro por uma região com certeza aumenta sua visibilidade turística, principalmente se falando no turismo de aventura. Apesar de não ser propriamente minha área, acredito que o incentivo nesse campo possa trazer mais recursos à região e, sob uma gestão com visões ambiental e econômica sustentáveis, isso pode ser revertido em projetos que invistam na preservação ambiental.

As corridas de aventura levam os atletas aos quatro cantos do Brasil. Uma das experiências mais fascinantes para Pinheiro foi remar nas águas do Rio São Francisco. (Foto: Acervo João Pinheiro)
As corridas de aventura levam os atletas aos quatro cantos do Brasil. Uma das experiências mais fascinantes para Pinheiro foi remar nas águas do Rio São Francisco. (Foto: Acervo João Pinheiro)

Vídeos do Brasil Wild Extreme trazem imagens alucinantes. Deu até vontade de participar.  É tão divertido quanto parece?

Com certeza! A emoção de participar de uma prova é muito grande, ainda mais uma desse porte (600 quilômetros em quatro estados nordestinos). Lógico que, durante as provas, você passa por momentos não tão agradáveis, mas antes de encará-las você deve estar preparado físico e psicologicamente para o que vai encontrar. Mas existem momentos de diversão sim, principalmente quando o clima da equipe é bom.

Qual situação inusitada você já enfrentou durante uma prova?

No Ecomotion Pro do ano passado, no estado do Rio de Janeiro, a largada foi na Praia da Urca, onde remaríamos até o fim da Baía de Guanabara para entrar num rio e remar até próximo a Guapimirim. Mas a largada acabou atrasando algumas horas. Com isso, no fim da Baía, pegamos uma maré muito baixa que fez todos os caiaques atolarem. Tentamos empurrá-los, mas como estávamos num mangue, nossas pernas afundavam até acima do joelho. A solução que encontramos então foi empurrá-los engatinhando, onde assim conseguíamos diminuir bastante a profundidade que afundávamos. Com certeza foi uma cena surreal e muito bonita para quem viu de fora, do helicóptero. Uma foto dessa cena ganhou o prêmio de melhor foto do ano de corrida de aventura em 2007.

Outra situação inusitada foi no Brasil Wild Extreme deste ano. A largada foi de duck, um caiaque inflável, no Rio São Francisco. O visual era deslumbrante, estávamos na base de uma represa que ficava no meio de um cânion de tirar o fôlego! Pouco antes de entrar na água, retirei meu tênis. Seria uma remada de mais de 12 horas em águas calmas, então preferi fazê-la descalço. Mas assim que entro na água sinto com se tivesse me cortado com um caco de vidro, só que em cima e embaixo do meu dedão. Quando me dei conta estava com meu pé quase dentro da toca de algum peixe. Em poucos segundos a água estava toda vermelha com meu sangue. Foi o suficiente para causar uma imediata reação nos atletas que estavam ao meu lado, que começaram a achar (inclusive eu!) que eu tinha sido mordido por uma piranha. Até eu conseguir estancar o sangue e ver que na verdade a mordida tinha sido de outro peixe (provavelmente uma traíra), passaram-se alguns minutos de tensão.

Se você pratica esportes a tanto tempo, o que te levou a se direcionar agora, já mais velho, a um esporte que exige tanto do praticante?

Na corrida de aventura, principalmente nas provas médias e longas, a valência mais exigida é a resistência. Como exemplo, hoje temos vários atletas tops brasileiros e, principalmente, estrangeiros, com idade entre 40 e 45 anos. Sob essa ótica, ainda tenho muitas prova pela frente!

Qual a diferença entre o Iron Man para essa prática, por exemplo?  E porque a corrida de aventura vem colhendo cada vez mais adeptos?

Na verdade, a única semelhança entre as duas provas é que ambas são de resistência. O Iron Man é um triathlon de longa duração onde as modalidades são bem definidas: natação, ciclismo e corrida, obrigatoriamente nessa ordem, e as distâncias não variam de uma prova para outra. Na corrida de aventura, a distância varia de competição para competição e pode ter diversas modalidades além das básicas (trekking, canoagem e mountain bike), como cavalgada, técnicas verticais com cordas, rafting, canionismo etc. E a orientação (com mapa e bússola) está sempre presente, o que torna o percurso dinâmico e pode levar às equipes a fazerem caminhos diferentes para chegarem ao mesmo lugar, dependendo da estratégia de cada uma.

As pessoas estão cada vez mais conhecendo o esporte, pois a rotina estressante em que vivemos nos leva a procurar alguma forma de ter um contato mais próximo com a natureza. E a corrida de aventura concilia isso com a atividade física e uma busca pela superação pessoal de cada um. O Brasil tem um potencial enorme, com locais fantásticos para provas.

EcomotionPro 2008

Como é o treino dos atletas para uma competição como essa?

Para esse Ecomotion tenho treinado entre duas e três horas diariamente durante a semana. Nos finais de semana, os treinos giram em torno de cinco a sete horas diárias. Normalmente treino duas modalidades por dia.

Na corrida de aventura, os nervos ficam à flor da pele.  Por isso, a escolha da equipe é de grande importância, não só no requisito físico, mas também mental. (Foto: Acervo João Pinheiro)
Na corrida de aventura, os nervos ficam à flor da pele. Por isso, a escolha da equipe é de grande importância, não só no requisito físico, mas também mental. (Foto: Acervo João Pinheiro)

É possível viver da profissão de “corredor de aventura” ? A inscrição de US$ 2.500 para o Ecomotion Pro não é barata…

Infelizmente, no Brasil ainda não. O esporte está crescendo, mas pouquíssimos já conseguem viver dele aqui. As premiações em dinheiro, quando existem, são baixas. A renda teria que vir de patrocinadores, que hoje normalmente pagam os gastos da equipe e/ou nos fornecem equipamentos. Mas no ritmo de crescimento que está o esporte, acredito que em poucos anos esse quadro possa se reverter. Cada vez mais empresas de peso estão apoiando.

Você está satisfeito com a escolha do lugar para o Ecomotion Pro deste ano (Piauí, Maranhão e Ceará)?  O clima da região favorece os competidores brasileiros?

Sim! Além de serem regiões belíssimas, de certa forma favorecerão as equipes brasileiras. Nos últimos três Ecomotion Pro tivemos muita chuva e temperaturas bem abaixo do normal brasileiro, o que deu certa vantagem às equipes estrangeiras, mais acostumadas com estas variações. Acredito que nesse ano as coisas serão diferentes, passaremos por regiões onde faz 40 ºC à sombra!

Mas, apesar das nossas chances melhorarem sim, no caso das equipes estrangeiras de ponta, isso na verdade não faz tanta diferença. Mesmo que em seus países de origem faça bem mais frio que aqui, eles praticamente viajam o ano todo em competições ao redor do mundo, e algumas são em lugares tão ou mais quentes que aqui.

O Ecomotion Pro acontecerá quando esta entrevista estiver no ar.  De que forma leitores de O Eco poderão acompanhar a prova e torcer pelos brasileiros?

O Ecomotion Pro sempre faz uma cobertura on-line, com notícias e fotos da prova e um ranking atualizado de PC em PC. Tudo pode ser acompanhado pelos sites www.ecomotion.com.br  e www.adventuremag.com.br.

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