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Populações em unidades de conservação

Áreas protegidas podem ou não conviver com atividades econômicas ou de subsistência? Dissolver conflitos conceituais e aparelhar órgãos estatais é fundamental.

25 de novembro de 2008 · 16 anos atrás
  • Marc Dourojeanni

    Consultor e professor emérito da Universidade Nacional Agrária de Lima, Peru. Foi chefe da Divisão Ambiental do Banco Interam...

É cada vez mais freqüente escutar-se propostas de entregar as unidades de conservação de proteção integral às populações tradicionais, especialmente indígenas. No momento, este intento é contrário à lei, mas tanto se fala que até é possível prever que se proponha modificá-la. Dois tipos de argumentos são usados para esse propósito: os direitos dos povos indígenas sobre as terras protegidas pelo Estado e o caráter sustentável do seu estilo de vida. Nesta nota se discute a validade dessas premissas. Porém, previamente, há que se lembrar das razões sociais, econômicas e científicas pelas quais são necessárias as unidades de conservação de proteção integral e procura-se demonstrar a incompatibilidade entre a sua exploração para manter essas populações e a manutenção dos serviços ambientais que a sociedade reclama dessas áreas. Conclui-se que as nações deverão fazer uma escolha entre o exagero dos privilégios de uma minoria em detrimento do interesse da sociedade nacional.

Por que são necessárias unidades de conservação de proteção integral?

Essas categorias de áreas protegidas (no Brasil, são: reservas biológicas, parques nacionais, monumentos naturais e estações ecológicas) não foram inventadas por capricho dos amantes da natureza, nem de cientistas malucos. Tampouco é um invento do imperialismo norte-americano, como é constantemente reiterado por parte do socioambientalismo radical. De fato, as unidades de conservação foram um invento de povos primitivos, há milhares de anos e foi perpetuado inclusive pelos índios da Amazônia ou os aborígenes da Austrália. Esses povos, desde sempre, mantiveram áreas intocadas, tabus para a caça e a pesca, ou outras atividades. Estabeleciam-se para assegurar a manutenção das espécies e para facilitar o repovoamento de presas nas áreas contíguas, onde podiam caçar. As unidades de conservação existiram em todas as grandes culturas do mundo, muito antes de serem reeditadas em 1872 pelos gringos, no famoso Parque Nacional de Yellowstone.

As unidades de conservação são amostras representativas dos ecossistemas naturais, ou dos mais naturais que seja possível de se achar, para providenciar inúmeros benefícios à sociedade. Desde a preservação da diversidade biológica para garantir o futuro das atividades agropecuária, florestal, industrial e farmacêutica até a manutenção dos ciclos biogeoquímicos, como os do carbono e da água, dentre outros menos evidentes. Essas áreas são, também, base da indústria do turismo e da recreação; são essenciais para a educação e para a ciência e; por último, satisfazem o direito de inúmeros cidadãos de amar a natureza e de se deleitar com a sua oferta ética e estética. Em síntese são essenciais para a qualidade da nossa vida e são importantes contribuintes de nossa sobrevivência.

É óbvio que mais de um leitor já está pensando… “Bom, tudo isso é verdade, mas, a presença de índios não vai impedir a disponibilidade de todos esses benefícios”. E, reconheço que o leitor tem direito a acreditar neste fato, pois, isso é o que se vende insistentemente, e isso é o que a infortunada invenção do conceito de “desenvolvimento sustentável” faz acreditar. Na realidade, o desenvolvimento sustentável é apenas uma utopia, um bom propósito que é matemática e ecologicamente inalcançável. De fato não existe, nem ocorre em nenhum lugar do planeta. Apenas existem experimentos de curta duração e até esses se revelam insatisfatórios. Todo uso da natureza provoca impacto e, por conseguinte até mesmo os usos que os índios dela fazem. Mas, quando estes começam a ter comportamentos semelhantes aos da maioria nacional, os seus impactos são drásticos.

Densidade de população e impacto ambiental

Todos sabem que, quanto maior a densidade da população humana, maior o seu impacto sobre o entorno natural ou no meio ambiente. Na época de Cristo, com uns 100 milhões de habitantes no planeta, os problemas ambientais existiam apenas na escala da limitada área de influência das concentrações humanas. O resto do mundo era quase virgem, embora existam evidências do já considerável impacto humano na extinção de algumas espécies. No gráfico abaixo, as setas que representam a população e os serviços ambientais mostram como estes últimos funcionam no seu potencial máximo (100%) sem população humana e como diminuem na medida em que esta aumenta. O gráfico se complementa com algumas das categorias de unidades de conservação do Brasil, mostrando como as reservas biológicas (Rebio), os parques nacionais (Parna) e as estações ecológicas (EE) que, a princípio, não devem conter habitantes, geram mais e melhores serviços que, no outro extremo, as Áreas de Proteção Ambiental (APAs) que contém alta população e toda classe de atividades humanas. Mais ou menos no centro estão as florestas nacionais (Flonas) e as reservas extrativistas (Resex).

Marc Dourojeanni
Marc Dourojeanni

O que é importante é lembrar que a população humana não é estática. Sua tendência é a de aumentar em número e nas suas demandas. Quando foram criadas as primeiras reservas extrativistas, elas continham pouca gente, com demanda modesta. Hoje, nelas cresceu a população e esta exige – com todo direito – condições de vida melhores. Por isso, antes eram meramente extrativistas de borracha ou coletores de castanha, além de caçadores e pescadores, mas, agora, muitos deles também são madeireiros, pequenos fazendeiros (pecuaristas) e operários em diversas atividades circunvizinhas. Assim sendo, em algumas reservas ainda a natureza cumpre bem suas funções, em outras, seu caráter de unidade de “conservação” está seriamente deteriorado e o futuro previsível é ainda pior. Do mesmo modo, uma Floresta Nacional sem exploração é quase uma unidade de conservação de uso indireto. No entanto no momento em que seja submetida a manejo florestal, por mais sustentável que este pretenda ser, o impacto pode ser muito grande. Tanto mais se o governo não controla muito de perto o processo de extração madeireira.

O caso das populações indígenas

Primeiramente, deve se lembrar que os índios são pessoas como você, caro leitor ou leitora, ou como eu mesmo. Parece absurdo ter que dizer isso, mas as distorções sobre quem eles realmente são tão enormes que não é demais enfatizar esta verdade. Eles não são perfeitos, nem são de outro planeta. Três mitos sobre eles devem ser corrigidos:

(1) Não amam mais a natureza que qualquer outro ser humano. Apenas ocorre que muitos deles vivem nela ou perto dela. Outros moram em centros urbanos. Tem índios que amam a natureza acima de tudo e têm muito índios que são totalmente indiferentes a ela;

(2) Os índios conhecem a natureza onde vivem tão bem como um paulista conhece os riscos do trânsito na cidade. Alguns índios sabem muito sobre a natureza e muitos índios sabem pouco sobre ela, aquém do que precisam para sobreviver. O que é tão falso como absurdo é a afirmação de que o conhecimento indígena sobre a Amazônia é maior que o conhecimento dos cientistas modernos. Possivelmente, o conhecimento científico sobre a Amazônia é milhões de vezes superiores ao dos índios mais sábios. E, isso é óbvio levando-se em conta os instrumentos da ciência moderna;

(3) Porém, a falácia mais perigosa sobre os índios não é nenhuma das anteriores. É aquela que quer nos fazer acreditar que os índios praticam “manejo sustentável” dos seus territórios e que, por isso, é melhor entregar-lhes as unidades de conservação. Na verdade, como se explica a seguir, eles, quando não contatados, vivem em harmonia com a natureza apenas porque sua população é muito baixa e mantém equilíbrio com a oferta de bens naturais. Nem sabem que é manejo sustentável.

Quinze a dez mil anos atrás, todos os humanos eram como os índios não contatados de hoje. As culturas mais antigas, como as do Oriente, Egito e Peru, não existiam e seus precursores apenas começavam a praticar uma agricultura que gerava superávits. Nesse momento, surgiram duas opções culturais: A primeira insistiu na agricultura e na pecuária e, graças aos seus excedentes de produção, formou as grandes civilizações da antigüidade, que logo se transformaram nas potências coloniais ou não-coloniais que, finalmente, deram lugar à sociedade globalizada que conhecemos. A segunda, que mingüadamente subsiste até hoje, foi a que preferiu viver na natureza generosa tal e qual ela é, sem pretender modificá-la. Essa opção dominou a África sub-saheliana, as planícies e florestas da América do Norte e as selvas tropicais do centro e sul desse continente, em muitas das selvas do sudeste asiático e, ainda, na Austrália e a Nova Zelândia.  

Nossos “índios” amazônicos são parte dessa realidade. Conviveram com as grandes culturas andinas e com culturas amazônicas extintas. Os Incas aproveitavam da bravura dos Ashaninka como força mercenária para suas conquistas mais difíceis. Por isso, essa nação amazônica até hoje usa a cushma, um poncho tipicamente andino numa região tão tropical. Sempre houve contactos entre as grandes culturas e os povos das florestas e uns influenciavam outros como conseqüência dos vaivens da história. Por exemplo, os culturalmente modestos Mayas modernos são, em grande parte, os Mayas das avançadas culturas de um milênio atrás. Mas, o fato é que nos cinco continentes teve uma parte da população que nunca abandonou a vida simples das tribos, sendo a África central o lugar onde essa opção de vida humana foi mais comum até o processo de descolonização acelerada dos anos 1960. Na atualidade, a vida tribal não-contaminada subsiste em poucos lugares do mundo, sendo um deles a Amazônia.

Relação com a natureza que evolui

A conquista do Brasil e da América do Sul pelos europeus não terminou ainda. Cada vez que um grupo isolado de índios, desses que se chamam de arredios, é contatado, de boa maneira pelos postos de atração da Funai, ou tragicamente, por garimpeiros, madeireiros e narcotraficantes, se produz um novo evento da conquista iniciada 500 anos atrás pelos portugueses e espanhóis. A conquista está perto do fim. Apenas subsistem uns poucos milhares de índios não-conquistados e não submetidos ao mainstream.

A lenda do bom manejo dos recursos naturais que agora se pretende validar para todos os índios se inicia com uma realidade: os índios não-contatados têm uma baixíssima densidade de população. A média de vida dos índios isolados é de 30 a 40 anos. As guerras, as enfermidades e as mortes rituais se encarregam de manter a população humana em proporção com os recursos disponíveis. Não há remédios modernos, nem médicos, nem missionários para fazerem explodir a população. Não há espingardas para caçar, nem facões ou machados para derrubar a floresta. Nessas condições, com rotação de campos de caça e de chácaras precárias, a população indígena vive em harmonia com a natureza.

No entanto, apenas contatados, mudam seus hábitos. Remédios, vestimentas novas, regras sociais impostas pelos missionários e pelos funcionários governistas, armas de fogo, facões, machados e até motoserras, tarrafas e outras redes, motores, rádios e até televisão abrem bruscamente aos índios um novo mundo, o nosso mundo. Eles, em apenas uma ou duas gerações pulam da idade quase da pedra à idade da Coca-Cola e da Internet e multiplicam sua população. É um salto muito difícil, especialmente porque os estados amazônicos não oferecem a essas pessoas toda a proteção e apoio que deveriam para guiá-los em tão rápida transição. É a etapa em que os índios são assediados pelos bandidos de toda índole à procura de ouro, terra, mogno ou pedras preciosas que, para isso, os corrompem com álcool, com dinheiro e com qualquer coisa que os índios cogitam, na sua inocência. Ainda é a etapa em que se dão casos tão dramáticos como o massacre de garimpeiros cometido pelos Cinta Larga, em 2004. Nessa etapa, os índios, com a ajuda de outros, quebram a tradição de equilíbrio com a natureza. Como quaisquer outros seres humanos, passam a sobre-explorar os recursos naturais ou, em uma palavra, começam a destruir a natureza.

A terceira etapa de integração dos índios à sociedade nacional é aquela em que eles vão à escola e falam ou Português ou Espanhol, têm assistência médica formal, vestem-se igual aos demais cidadãos e é quando, muitas vezes, só a sua auto-declaração como índio permite reconhecê-lo como tal e diferenciá-lo da maioria dos habitantes. Nesse ponto do processo de integração, o comportamento do índio com relação à natureza é idêntico ao de qualquer membro da sociedade dominante. Assim é, apesar de tudo o que possam afirmar, obviamente sem nenhuma prova, alguns cientistas sociais.

O autor não pretende negar que o índio da terceira etapa, inclusive os indivíduos que agora vivem em centros urbanos, tenha deixado de ser índios. Existem poderosos elementos culturais que podem manter sua identidade índia por secula seculorum. Os irlandeses que também são norte-americanos há mais de um século ainda se sentem culturalmente irlandeses e a cada ano festejam suas tradições em pleno coração de Manhattan. Os catarinenses do interior do estado ainda festejam tradições germânicas e itálicas. O que o autor pretende demonstrar é simplesmente que a presença desses índios em uma unidade de conservação de proteção integral seria tão desastrosa como a presença nela de qualquer grupo de cidadãos.

Unidades de conservação e índios

Como explicado fica claro que índios podem morar em uma unidade de conservação de proteção integral se pertencer ao primeiro caso, ou seja, o dos índios em isolamento voluntário. No Peru, que tem a segunda maior população de índios isolados da Amazônia, após o Brasil, a lei permite que esses índios vivam livremente nos parques nacionais. O Parque Nacional do Manu, com 1,7 milhões de hectares, foi estabelecido conscientemente com pelo menos dois grupos de índios. Apesar da pressão de missionários e antropólogos de tendência integracionista, continuam morando no parque, como antes. O que mudou foi que a pressão do desenvolvimento (exploração de gás, madeira, garimpos e agricultura, agravados pela construção da rodovia Inter-Oceânica, promovida principalmente pelo Brasil) forçou a entrada de vários outros grupos de índios isolados para dentro do parque, que agora suporta uma população de índios arredios que é muitas vezes maior que antes, superando longamente a capacidade de carga da área. Como decorrência, é freqüente saber-se de combates com vítimas fatais entre aqueles grupos. A caça abusiva já coloca em risco algumas espécies e há maior dispersão de enfermidades trazidas do exterior pelos grupos invasores. Neste caso, o problema não é ter índios no parque, mas ter índios no parque que não deveriam ali estar.

Sempre se tem extremo cuidado em evitar a presença de população humana no momento de se estabelecer uma unidade de conservação de uso indireto. Sempre foram investidos muito dinheiro e esforço para confirmar que a área não tinha gente ou, que se havia alguma, ela poderia ser do tipo que pode ser removida sem dificuldade maior usando os procedimentos legais de desapropriação. Embora tenha quem negue isso, esse é um fato real. Para confirmá-lo é suficiente examinar os expedientes prévios ao estabelecimento da área protegida.

Não obstante, várias situações se apresentam com relação à presença de gente, especialmente de índios, nas unidades de conservação de proteção integral: (1) em unidades de grande dimensão, apesar dos estudos prévios pode ocorrer que, efetivamente, não todos foram detectados no momento do estabelecimento; (2) eles chegaram depois do estabelecimento, quer seja por pressão externa como no caso citado do Manu ou por ser parte de territórios de perambulação não conhecidos anteriormente e; (3) sem haver vivido na área da unidade, índios agora pretendem ter acesso a ela devido a que seus descendentes são muito pobres porque seus territórios foram ocupados por séculos ou décadas por terceiros.

Este último é o caso mais sério, pois, quase sempre se trata de índios na terceira etapa de assimilação à sociedade nacional e, portanto, sua presença na unidade de conservação de preservação permanente é claramente incompatível com os objetivos da unidade. Eles se assessoram com antropólogos e advogados, em geral desses bem financiados por organizações não-governamentais européias, que ainda acreditam no mito do “bom selvagem” e, muitas vezes, seus reclamos são patrocinados pelas tendências esquerdistas dos partidos políticos. São fomentados, ainda, pelos que querem eliminar obstáculos para a exploração de minérios ou madeira no local.

É evidente que, nos dois primeiros casos, em que os índios mantêm estilos de vida compatíveis com a preservação da natureza, devem se considerar soluções inteligentes que garantam seus direitos, inclusive mantendo-os na área. Lamentavelmente, a solução mais comum tem sido confrontar os direitos indígenas e os direitos da cidadania a um ambiente melhor, resultando em privilegiar os primeiros. Assim ocorreu, por exemplo, no Parque Nacional do Araguaia no Tocantins, onde a destruição do entorno natural foi extrema após a drástica redução de seu tamanho. É importante indicar que não foram os índios os que destruíram esse parque. A destruição foi ocasionada pelos pecuaristas incendiários que “alugam” as terras dos índios e por pescadores e caçadores, dentre eles muitos indígenas. O mesmo tem ocorrido, embora com populações indígenas completamente modernas, no Parque Nacional do Monte Pascoal, na Bahia.

O que mais chama a atenção neste processo, especialmente no caso brasileiro, é que menos de 900.000 índios, dos quais nem todos vivem em áreas rurais, já possuem 110.000 milhões de hectares. Eles são, sem dúvida, os maiores latifundiários do país. Não obstante, não me cabe discutir isso. É constitucional e é, sem dúvida, uma forma de ressarcimento tardio pelo fato da conquista perpetrada pelos portugueses e, em certa forma, continuada pelos brasileiros modernos. Desde o ponto de vista ambiental, esse fato é excelente, pois, como qualquer fotografia de satélite demonstra, essas reservas indígenas têm sido até agora um poderoso freio à especulação agropecuária e estão contribuindo efetivamente a frear a destruição irrestrita da natureza. Não obstante, subsiste a pergunta fundamental: Até quando? Já se conhecem os esforços de lideranças indígenas, muito justificados, diga-se de passagem, para facilitar a expansão da soja, do arroz e da pecuária nas suas terras. São brasileiros que desejam o que todos os brasileiros querem. Ou seja, prosperar economicamente. Por isso é que não se devem entregar as unidades de conservação de proteção integral. Essas terras pertencem a eles, mas, não mais que a todos os quase 200 milhões de habitantes deste país. Para provar até onde a sobre-exploração dos recursos pode chegar, basta conhecer a triste realidade das reservas indígenas do sul do Brasil, menores em tamanho e todas com populações excessivas e demandantes, onde a natureza é apenas uma lembrança.

Também resulta incompreensível o fato de que quase todo reclamo de terras pelos indígenas se dirige contra as unidades de conservação. No caso dos parques costeiros da Bahia, é evidente que as terras que foram roubadas dos índios não foram as dos pequenos parques nacionais lá criados e, sim, as terras férteis onde os senhores quase feudais do cacau e da pecuária se estabeleceram, a sangue e fogo. Mas, o reclamo vai contra os parques nacionais, que são de todos e dos índios também. Tampouco fica claro porque, para estabelecer uma unidade de conservação, que beneficia a todos os cidadãos é preciso fazer estudos detalhados, audiências públicas complexas e, toda outra classe de consultas quando, para se estabelecer fazendas sobre centenas de milhares de hectares dos quais a natureza é simplesmente extirpada, o procedimento se limita a pagar o valor e os impostos ou direitos. Os que corretamente defendem direitos indígenas deveriam levar em conta que não é justo resolver os problemas dos uns reduzindo os direitos dos outros cidadãos. Não cabe duvidar que os índios modernos prefiram receber terras agrícolas férteis ao invés de morros e ladeiras, selvas isoladas ou pântanos, que é onde está a maioria das unidades de conservação.

O futuro

A confrontação entre os direitos indígenas e as unidades de conservação de proteção integral é essencialmente artificial. Há lugar para todos e não deveria existir confronto entre as duas modalidades de uso da terra que são perfeitamente compatíveis. A situação ideal é a de se ter unidades de conservação de proteção integral rodeadas de reservas indígenas ou de unidades de uso sustentável, conformando os corredores biológicos ou os chamados mosaicos.

Mas, existem outras opções. No Peru, por exemplo, é comum que comunidades indígenas tituladas (equivalentes a reservas indígenas) sobre grandes extensões de selva, estabeleçam voluntariamente e com apoio do governo, reservas comunais no seu interior. Estas são manejadas com fins de preservação permanente, como parques e podem ser orientadas ao ecoturismo e a outras atividades compatíveis. No caso brasileiro, onde tantas reservas indígenas são enormes, isso seria uma grande contribuição à preservação da natureza e seria uma opção a mais de desenvolvimento econômico comunitário. Neste ponto, é interessante lembrar que foram os Maoris da Nova Zelândia que exigiram aos colonizadores britânicos a criação do Parque Nacional Tongariro, já em  1887, pois essa é uma área de valor espiritual para eles. Os índios Aguaruna (Ashuar) do Peru cederam parte das suas terras comunais para a criação do Parque Nacional Ichikat-Muja, precisamente pelo mesmo motivo.

Também pareceria lógico aceitar legalmente a presença de índios em isolamento voluntário dentro das unidades de conservação, sem mudar o status legal destas, especialmente naquelas de uso indireto, como no caso peruano e de outros países. Assim, não se teria que repetir o caso lamentável do Parque Nacional do Araguaia em Tocantins e de outros parques, onde tanto o meio ambiente como os índios perderam.

A principal medida que todo país deve tomar com relação a este problema é ser sério em matéria de financiamento, tanto das unidades de conservação como das instituições que se ocupam dos índios. Grande parte dos problemas acima descritos no caso do Brasil simplesmente não existiria se o Ibama, a Funai e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, estivessem sequer medianamente financiados. Os sempiternos problemas de regularização fundiária, de detecção oportuna de grupos de índios isolados, proteção efetiva dos direitos indígenas e as relações difíceis com os vizinhos das terras indígenas e das unidades de conservação, são causas centrais da situação de permanente conflito dessas áreas.  De outra parte, essas três instituições devem colaborar entre si e com o Incra, ao invés de criar estados de permanente tensão entre elas, que são bem aproveitados pelos que só pensam no lucro.

Cada vez que abordo estes temas, não posso deixar de pensar que os índios e seus defensores, assim como a natureza e seus protetores, ficam como galos de briga, empenhados em luta mortal em uma arena na qual os únicos ganhadores são os apostadores. Eles incentivam o combate, calculam seus ganhos traduzidos em ouro, mogno, pedras preciosas, comércio de espécies em extinção, drogas e armas. Ou, nos milhares de hectares que converteram em campos de agricultura transgênica para alimentar porcos e outros animais na China.

No final, as nações terão que optar entre “ter ou não ter unidades de conservação de preservação permanente”. Não se pode continuar pretendendo ter os benefícios ambientais das unidades de conservação se elas estão ocupadas e exploradas. Isso, simplesmente, não é possível. É uma utopia.

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