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Uma COP de interesses

O resultado (ou o não resultado) da COP 15 demonstra que estados não estão dispostos a alterar padrões de emissão sem que seus interesses nacionais estejam protegidos.

22 de dezembro de 2009 · 15 anos atrás
  • Paulo Bessa

    Professor Adjunto de Direito Ambiental da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

No nível médio da tecnologia atual, a emissão de carbono, é uma demonstração de pujança econômica. Ainda não há um padrão tecnológico capaz de substituir a emissão de gases de efeito estufa (GEE), de forma a assegurar que as temperaturas médias do planeta não venham a sofrer a elevação que tem sido prevista pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas. O resultado da COP 15, ou o não resultado da COP 15 demonstra que os estados não estão dispostos a alterar seus padrões de emissão sem que os seus interesses nacionais estejam claramente protegidos.

A postura ambígua dos Estados Unidos, liderados pelo seu Presidente precocemente laureado do com o Prêmio Nobel da Paz, Barack Obama, demonstra que a antiga posição assumida pelo ex-presidente Bush não era uma posição meramente republicana mas, de alguma forma, refletia uma compreensão dos interesses nacionais norte-americanos. O mesmo se diga da China que admite a discussão desde que os seus elevados padrões de desenvolvimento econômicos não sejam ameaçados. Certamente, o desejável seria que os estados pudessem alcançar um consenso capaz de afastar a ameaça do aquecimento global de forma conjunta. Contudo, no duro jogo da política internacional, consensos dependem da liderança das nações econômica e militarmente mais fortes que, no caso concreto, não parecem dispostas a mudar o seu padrão de desenvolvimento em curto espaço de tempo.

Há, portanto, que se indagar quais seriam os interesses nacionais brasileiros em jogo? Em primeiro lugar, parece ser indubitável que o desenvolvimento econômico ocupa lugar de destaque entre os nossos interesses nacionais. Certamente, não há uma definição precisa do que venha a ser desenvolvimento econômico, assim como não há um consenso sobre o modelo de desenvolvimento econômico que devemos trilhar. Seguramente ele deverá ter características próprias. Aqui não se pode deixar de reconhecer que a matriz energética é o elemento essencial para a definição do modelo. Contudo, a sociedade brasileira não conseguiu, como em outros pontos essenciais para um take off seguro, identificar qual a cesta energética desejável. As usinas hidrelétricas que, por longa data, foram motivos de um justificável orgulho nacional, foram acoimadas de vilãs da destruição da diversidade biológica, campeãs da ruptura de formas de vida tradicional e focos de corrupção administrativa causadas por superfaturamento, etc. Mesmo que, parcialmente, algumas das “acusações” possam ter parcela de verdade, fato é que, em uma análise custo-benefício, dadas as condições brasileiras, as hidrelétricas, presentes e futuras, ainda tem uma enorme contribuição a dar para o país. Tal contribuição, entretanto, tem sido fortemente refreada ante a prevalência de interesses particulares sobre os interesses mais amplos do país. A famosa Usina de Belo Monte é um exemplo do que estou falando. Cuida-se de projeto velho de algumas décadas que não consegue deslanchar. A última das alegações é o atraso do licenciamento ambiental que, ao que se comenta, chegou a realizar “corte de cabeças” no Ibama. Penso que a questão é mais profunda. De fato, a análise dos riscos envolvidos no projeto tem sido sempre parcial. Explico-me, ora são superdimensionados os riscos ambientais, ora os econômicos. Contudo, não se faz uma análise realista dos diferentes riscos envolvidos. O último dos apagões – motivado por um raio, conforme a versão oficial – não teve os custos sociais efetivamente avaliados. Os múltiplos prejuízos difusos caíram no esquecimento. Qual foi o prejuízo causados às milhares de famílias que ficaram sem luz elétrica, às indústrias, aos hospitais e aos demais serviços que não podem funcionar sem energia? É lógico que Belo Monte não é a solução, mas parte dela. Ainda precisamos de investimentos em linhas de transmissão e muitos outros no ciclo de geração, transmissão e distribuição de energia.

Ter o meio ambiente em boas condições é, certamente, um interesse nacional. E o é, principalmente, pelo fato de que recursos naturais adequadamente explorados significam desenvolvimento econômico e social. Qualquer país do mundo estaria extremamente feliz com os recursos energéticos que possuímos. Duvido que o Sr. Gordon Brown admitisse congelar a exploração de recursos naturais se a Velha Albion possuísse os recursos que possuímos. Se o Brasil deseja um papel de protagonismo na arena internacional tem que correr o risco de assumir posições claras. Da mesma forma como fazem Estados Unidos, China, Índia, Inglaterra e Rússia, por exemplo. É ingênuo imaginar-se que a COP 15 teve como objeto o clima. O que se debateu e se debate é uma correlação de forças políticas e econômicas internacionais.

O discurso predominante na COP 15 e nos fóruns ambientais e, certamente, a mudança do padrão de consumo. Aqui cabe uma indagação: que padrão de consumo? Se olharmos o consumo mundial veremos que uma parcela pequena da população mundial consome a maior parcela dos recursos naturais e dos bens e serviços. Os chamados países emergentes buscam elevar o padrão de consumo de suas populações. Recentemente, aqui no Brasil, foi alardeado o aumento da classe média, o ingresso de novas camadas da população no mercado consumidor, etc. Isto implica, nos atuais padrões energéticos, ampliação das emissões de carbono. Causou espanto, igualmente, o fato de que parcela significativa de nossas emissões de carbono é oriunda de atividades agropecuárias, a chamada flatulência do rebanho. É possível que, com a utilização de mecanismos de sequestro e carbono, os valores sejam reduzidos e se crie um cenário mais favorável ao “carbono zero”. Aqui surge uma questão que não pode ser relegada a segundo plano: quem arca com os custos? Certamente, a população brasileira, já sangrada por tributos excessivos e em grande parte regressivos, não tem reservas para custos adicionais, cujos benefícios só podem ser entendidos por uma minoria de especialistas que, em grande parte, é “carbono intensiva”.

Há um certo ar de “limites do crescimento” na discussão que tem sido desenvolvida até aqui, pois a ênfase na necessidade de um novo padrão de consumo não leva em conta, como dito acima, que a imensa maioria não consome. O catastrofismo associado ao debate faz com que percamos de vista que, apesar das imensas dificuldades que ora vivemos, os índices estatísticos do mundo tem passado por melhorias constantes. Veja-se a expectativa de vida, a mortalidade infantil, as doenças, etc. Hoje, malgré tout, vive-se melhor do que se viveu no passado. A máquina a vapor foi um benefício para a humanidade. A indústria beneficiou a todos, seguramente, a uns mais do que outros. O “progresso” traz em si contradições e efeitos negativos. As milhões de toneladas de carbono na atmosfera lançadas pela atividade humana são reflexo das casas, carros, bombas, indústrias e tudo o que foi feito pela humanidade, desde principalmente a revolução industrial.

Uma das principais lutas da humanidade foi pela liberdade de locomoção. O habeas corpus, garantia democrática de que ninguém será tolhido em sua liberdade de ir e vir, é uma prova eloquente disto. Curiosamente, a mobilidade é um dos fatores mais relevantes da emissão de GEE. A queima de combustíveis fósseis na indústria do transporte atinge cifras astronômicas. Na década de 50, o Brasil confundiu os seus interesses nacionais com o da indústria automobilística e, com grande maestria, “detonou” os incipientes sistemas de transporte coletivo, as linhas de trem, os bondes para dar passagem ao automóvel que, hoje, talvez seja o setor da indústria brasileira que movimenta mais recursos. Não há nenhuma marca internacional de prestígio que não esteja representada no Brasil. É possível desmontar tais estruturas? O álcool é hoje o combustível mais vendido no Brasil, sendo exemplo de diminuição de emissão de GEE. Ele, também, tem as suas dificuldades. Porém, a evolução da qualidade do combustível é notável e os problemas sociais e ambientais a ele associados tendem a diminuir. Uma política de preços do álcool pouco clara tem feito que ele perca competitividade econômica em relação à gasolina e, no nível de consciência atual da população, a gasolina mais eficiente energeticamente é imbatível se comparada com o álcool caro. Racionalidade econômica de curto prazo? Sem dúvida. Porém, não custa lembrar que no “longo prazo” todos estaremos mortos.

Industrialização, pecuária, matriz energética, educação são temas que precisam ser definidos pela sociedade brasileira que deve lutar para que os seus pontos de vista sejam reconhecidos e respeitados pela sociedade internacional. Clausewitz cuidou da guerra entre nações que, em sua época, era militar. Vencia a guerra que aniquilasse os exército inimigo e ocupasse território, firmando a paz em seguida. No atual cenário internacional existem nações e entidades não governamentais – nem por isso isentas de interesses concretos. Os novos atores internacionais, seguramente, defendem interesses bastante simpáticos e generosos. São os nossos? É preciso ter claro que uma má política é melhor do que nenhuma política. No momento, a posição brasileira é a da não política. Qualquer observador atento verá que a “política energética” é uma indefinição só. Corre-se o risco de chegar a lugar nenhum, pois todas as formas de geração de energia encontram dificuldades semelhantes para a obtenção de uma licença. As próprias “maluquices” do Ibama nada mais são do que a expressão de uma omissão das autoridades da república que preferem transferir ao analista ambiental as cargas negativas de uma indefinição que é do governo. Ninguém acreditaria que uma base de lançamentos de foguetes espaciais – interesse estratégico de desenvolvimento tecnológico e científico – foi “reduzida” em função de um imaginário quilombo. Condições geográficas para lançamento de foguetes não podem ser transferidas. Porém, dar terra a quem precisa, pode ser providenciado em outra localidade.

É possível que estejamos entrando em um novo padrão civilizatório o qual incorporará a necessidade de emissões menos agressivas de GEE. Talvez tenhamos que nos acostumar com um mundo mais quente. Se disse que “some like it hot”, que nas impagáveis traduções brasileiras virou “quanto mais quente melhor”. O fato é que, na minha opinião, Bangla Desh não terá muitas áreas inundadas por estar abaixo do nível do mar. Será inundada porque é pobre. A holanda está abixo do nível do mar e sobrevive, pois pode pagar o preço de sua sobrevivência. A discussão que não pode ser obscurecida é a da ordem econômica internacional que, inclusive, tem terceirizado a emissão de carbono. A China, no fundo, é o churrasqueiro que queima a brasa e a carne para a festa dos outros. Só que, de algum tempo para cá, a fumaça começou a entrar na sala de visitas. O dono da casa começou a chiar um pouco. Mas será que ele quer mandar os convidados embora?

O debate que precisamos fazer entre nós é muito claro: onde queremos estar em 2050?

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