Para o projeto “Pedra de Ferro”, da Bahia Mineração (BAMIN) sair do papel, o governo da Bahia parece estar querendo sacrificar dois coelhos com uma só cajadada. Para fins de ilustração, as vítimas são meio ambiente e a própria democracia brasileira. O cenário de ambos é uma área de proteção ambiental, a Lagoa Encantada, detalhe que está sendo sumariamente ignorado.
Meio ambiente, como tem sido continuamente percebido em projetos de grande monta como o que está em questão, acaba por sofrer impactos irreversíveis. No caso da construção do Porto Sul, na região entre Ilhéus e Itacaré, Sul da Bahia, as perdas são irreparáveis. Segundo especialistas do Laboratório Interdisciplinar de Meio Ambiente (LIMA), da COPPE/UFRJ, a paisagem costeira, a biodiversidade e as populações que vivem nesta zona do litoral brasileiro sofrerão para sempre com a poluição atmosférica. Além disso, a supressão de centenas de hectares de Mata Atlântica compromete a integridade de corais e recursos pesqueiros. A atividade turística fica severamente alterada por conta da perda da natureza e das belezas cênicas, entre outros impactos indicados pelos especialistas.
Há, ainda, a previsão de um fluxo migratório intenso para Ilhéus e cidades vizinhas. Estima-se que 150 mil pessoas poderão se deslocar para a região em busca de oportunidades de trabalho. Mas, o que não está sendo divulgado é que o porto da BAMIN gerará no máximo quinhentos (500) empregos. Os empregos indiretos, que podem ter maior expressão, dependem de um pólo siderúrgico, também previsto para a região ao longo dos próximos dez anos (em um cenário otimista). Um detalhe que ninguém menciona, provavelmente por não interessar a argumentação que vem sendo utilizada, é que os empregos já existentes, gerados com turismo, industria de informática, produção de alimentos e pesca nesta região são muito superiores aos estimados com a construção do Porto Sul. Menos ainda se divulga que estes empregos, dos quais muitos dependem hoje para viver, serão diretamente afetados com a presença dos projetos almejados pela BAMIN para a região.
Todavia, o sacrifício ambiental e o impacto social são vistos como inexoráveis – afinal, o crescimento econômico é prioridade e o país não pode parar. Ignora-se uma reflexão cuidadosa sobre o impacto que poderá causar um projeto como este, ou quem irá se beneficiar concretamente com a construção do Porto Sul.
Talvez a mais grave perda seja a moral, pois para que o meio ambiente seja sacrificado, é preciso eliminar um outro obstáculo: a adolescente democracia baiana. Em Itajuípe, cidade a 45 Km de Ilhéus, no Sul da Bahia, no último sábado, 14 de agosto, a institucionalidade foi mais uma vez nocauteada, em um contexto que beira covardia. O município está incluído no território de uma Área de Proteção Ambiental (APA), da qual representantes deste e de outros municípios vizinhos, como Ilhéus e Itabuna, participam do Conselho Gestor desta unidade de conservação, com um papel relevante – referendar ou não projetos públicos e privados no seu território.
Neste evento, o superintendente de biodiversidade e florestas da Bahia, Sr. Ubiratan Félix, parece ter ficado o tempo todo sob o olhar atento de cinco técnicos da Bahia Mineração (BAMIN), espalhados pelo auditório. Conduziu um discurso para os presentes em nome do governador Jaques Wagner, no qual enfatizou que a anuência (ou aprovação) deveria ser dada naquele encontro. De fato, os tímidos Conselheiros, representando comunidades do interior da APA, além de técnicos governamentais, subjugados pelo contexto institucional, foram convencidos autocraticamente a uma votação pelo SIM a BAMIN. Ao final, 13 votos a favor, cinco abstenções e apenas um voto contrário definiram o resultado do dia.
A Bamin comemorou o resultado. Afinal, esta era uma das exigências do IBAMA para concluir o licenciamento do terminal privativo do Porto, nos domínios da Mata Atlântica. Para o vice-presidente da Bamin, Clóvis Torres, a anuência da APA da Lagoa Encantada/Rio Almada dá importante respaldo ao projeto. “Estamos confiantes que a licença do IIBAMA para o nosso terminal saia ainda este mês”, afirmou. Torres disse, ainda, que a decisão do Conselho demonstra compreensão “de que o nosso projeto traz embutido um conceito de promoção do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável”.
Entidades sociais, culturais e ambientalistas, em manifesto público em maio deste ano, recomendaram ao governo baiano, ao IBAMA e ao Ministério do Meio Ambiente a suspensão deste projeto, indicando outra alternativa de localidade, notadamente a região de Aratu, no interior da Baia de Todos os Santos. Os impedimentos legais para a construção de um porto privado no meio de uma Área de Proteção Ambiental parecem não ser obstáculo para a empresa, já que o governo baiano está alterando qualquer impedimento institucional, até mesmo a livre expressão de opinião de seu Conselho Gestor. A perda tange a participação cidadã brasileira, que acabou parecendo singela nos espaços da jovem democracia que foi tão ignorada. Trata-se, portanto, de um abalo moral, além das perdas ambientais e sociais que, sem dúvida, advirão da construção do Porto Sul.
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