No último 20 de março, se realizou em Lima, Peru, o seminário internacional “América Latina: Oportunidades e Desafios” organizado pela Fundação Internacional pela Liberdade (FIL), presidida pelo Prêmio Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa. Dois ex-presidentes de países amazônicos – Jorge Quiroga, da Bolívia e Álvaro Uribe, da Colômbia – participaram, falaram e debateram. Quase nenhuma frase, palavra ou ideia sobre a Amazônia.
A única referência, digamos oblíqua, e importante, que se fez foi a do Brasil, ao citar resultados concretos da próxima Conferência “Rio+20”, que se realizará no Rio de Janeiro de 20 a 22 do próximo mês de junho. Mas foi uma referência ao meio ambiente em geral, não ao ecossistema amazônico em si. Embora esse território abranja 60% dos oito países da bacia do maior e mais longo rio do mundo.
Mas com tudo isso, talvez exista uma exceção e por ai estou exagerando. Na citada reunião de Lima, Quiroga e Uribe sim falaram da floresta – curiosamente, quase não usaram a palavra ‘Amazônia’ ou ‘amazônico’, talvez porque lhes é bastante estranha – mas para se referir ao narcotráfico ou à subversão. No caso do primeiro, para se referir à zona produtora de coca chamada Chapare; Uribe, como é óbvio, para falar de suas vitórias frente às FARC.
Incrivelmente, essas referências, com frequência ditas em um tom algo triunfalista, evidenciam um fracasso ancestral no manejo da Amazônia. Se a subversão armada está lá, ou se a coca tem se estendido como uma praga em alguns países (Peru é outro caso, já que na borda da floresta rondam bandos ligados ao narcotráfico), é justamente porque a biodiversidade deste ecossistema tem sido menosprezada.
Tanto que o outro ângulo por onde mandatários, ou ex-mandatários, costumam se aproximar da Amazônia é a exploração de hidrocarbonetos. Alan García, por exemplo, durante seu segundo mandato presidencial (2006-2011), sim, falou dela, mas a descrevendo como um grande depósito de madeira, gás ou petróleo. Em seu célebre artigo “A síndrome do cachorro do jardineiro” fomenta os investimentos em grande escala na floresta.
Não seria má ideia se esses planos estivessem direcionados à sustentabilidade. Mas acontece que sua ênfase sobre a falta de ação dos indígenas para desenvolver suas terras e, mais ainda, o entusiasmo com que distribuia novos lotes petrolíferos, estradas ou represas (em convênio com o Brasil, por um acordo com o Lula que causou controvérsia), deixou pelo menos a suspeita de que ele via o ecossistema da floresta como uma grande despensa.
O discurso político ‘amazônico’ (ou melhor, ‘não amazônico’) parece se mover nessas duas direções: ou para mostrar como se está resgatando a floresta de narcotraficantes e subversivos, ou para sugerir que é a nova Meca dos investidores. Dificilmente se escuta alguém, não só entre os presidentes, mas também entre a maioria de líderes políticos, conceber à Amazônia como um cenário de possibilidades diversas, e não só de extrair suas riquezas.
A exceção pareceu ser em algum momento, o presidente equatoriano Rafael Correa, com sua iniciativa para conservar o Parque Nacional Yasuní, em troca de financiamento para manter a floresta em pé e lutar contra as mudanças climáticas, em vez de entregá-lo às petroleiras. Só que a demora em avançar com o projeto, e as constantes suspeitas de que haveria um ‘Plano B’ para extrair os recursos, fazem duvidar de sua verde franqueza.
É interessante observar, não a troco de nada, que a vocação “extrativista”, que vê o subsolo da Amazônia quase como um delicioso botim petrolífero, não tem signo ideológico. No caso dos presidentes que se localizam mais à direita do espectro político, o fim último é o investimento liberado; no caso dos outros (Bolívia, Venezuela, Equador), o objetivo é ter um armazém de ingressos para programas sociais.
Em ambos os casos, porém, o mais “social” e inteligente, seria não ver à Amazônia como um empório, ou um território por amansar e explorar, mas sim como um ecossistema rico, mas frágil ao mesmo tempo, com população importante (o maior crescimento urbano dos últimos anos é registrado nessa zona), como povos indígenas originários, que não tem infraestrutura. E essencialmente com uma fonte de biodiversidade de múltiplas possibilidades.
Suspeito que a maior parte da classe política ignore a existência do livro ‘Geo Amazônia’, publicado em 2009 pela OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica). Ou então já o guardou na estante de sua biblioteca. A obra apresenta quatro cenários possíveis para o futuro da Amazônia: “Amazônia Emergente”, “Beirando o Precipício”, “Luz e Sombra” e “O Inferno ex-Verde”. O primeiro, sem querer parecer otimista demais, é o mais desejável.
Implicaria políticas públicas sustentáveis, forças de mercado (mas também na direção sustentável) e incentivos em ciência e tecnologia (embora não suficientes). Mas eu temo, contudo, que devido à negligência e cegueira da classe política, nos aproximamos a uma Amazônia que caminha para o precipício, cada vez mais ex-verde e que, exceto se houver uma guinada radical no discurso e na prática, nos aproximará ao inferno ambiental.
*Escobar também colabora com o diário El País da Espanha e o portal ((o))eco Amazonia do Brasil. É professor de Comunicação, Política e Jornalismo de Opinião na Universidade Peruana de Ciencias Aplicadas (UPC).
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Impossível não concordar com as opiniões e alertas do autor. Esperamos que alas progressistas consigam derrotar o golpe no Brasil e tratar as questões ligadas a preservação da região amazônica como prioritárias, em parceria com os demais governos latino-americanos envolvidos.