O tempo está curto para a decisão mais aguardada pelos ambientalistas e ruralistas desde que o Código Florestal foi aprovado na Câmara no dia 25 de abril: Dilma vetará ou sancionará o novo Código? O prazo para a presidente se posicionar sobre o veto vence nessa sexta, 25 de maio. Para criticar as inconsistências do texto, na semana passada, representantes de quatro grupos de juristas ambientais se reuniram. Eles defendem o veto total. Antidemocrático por se opor a uma decisão do parlamento? Eles explicam que não.
“Esse código agrícola é destituído da discussão com a sociedade brasileira, pois foi feito por um pequeno grupo. Enquanto mecanismo jurídico, ele é destituído de sistematização, não possui princípios nem diretrizes”, afirma Norma Sueli Padilha, advogada e professora da Unisantos. “Ele é fragmentado, desarticulado e, portanto, não é um sistema”, completou. Foi esse o cerne do debate que aconteceu em 11 de maio, no auditório do Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Sua sequência foi a carta de repúdio ao Código aprovado, enviada à Dilma Rousseff em 18 de maio.
A iniciativa do encontro partiu de Guilherme José Purvin de Figueiredo, que também é colunista de Oeco. Ele chegou à conclusão que era necessário reunir organizações centrais ao direito ambiental para se posicionarem conjuntamente.
Desfiguração do projeto inicial
A mesa de debates começou com a exposição de Purvin que discorreu sobre o processo de mutação da Medida Provisória que deu origem ao projeto de reforma do Código Florestal, em 1999.
Segundo Purvin, a pressão internacional por conta do desmatamento da Amazônia, na década de 90, justificou a ampliação da reserva legal, de 50% para 80% na Amazônia Legal. A mudança veio por Medida Provisória, que naquela época podia ser reeditada sempre que necessário e, assim sendo, começaram as mutações. Principalmente quando a proposta da medida provisória passou a ser relatada pelo deputado Moacir Michelleto (PMDB-PR), membro do grupo que ficou conhecido como bancada ruralista.
A partir daí, a Medida Provisória não procurou mais aumentar a proteção, mas sim flexibilizar a legislação ambiental: “Por ocasião dessa mudança, entre o primeiro e o segundo governo FHC, houve um rearranjo de forças políticas para a obtenção de maioria do Congresso Nacional para uma emenda constitucional que permitisse a reeleição do então presidente. Até que, num dado momento, o Código Florestal acabou sendo utilizado como moeda de negociação até para aprovação de índices de correção de salário mínimo” conta Purvin.
O debate continuou com a crítica ao processo legislativo viciado, onde a voz mais veemente foi a de Raul do Valle, coordenador adjunto de Política e Direito Socioambiental do ISA (Instituto Socioambiental), que acompanhou todo o processo de tramitação do Código Florestal desde 2009, quando foi formada a comissão especial para discutir a sua mudança.
Para Raul, não houve falha da sociedade civil durante o processo de tramitação do projeto de lei: “O Código Florestal foi uma omissão do começo ao fim do governo federal, desde a formação da comissão especial [de 99]. Durante a vigência desta, o governo federal foi um ilustre ausente”. O resultado foi a aprovação com folgada vantagem de 347 votos. “Aos 45 minutos do segundo tempo na Câmara dos Deputados, o executivo foi falar com Aldo Rebelo, que já havia arregimentado o apoio de setores com interesse em detonar o Código”, lamentou Raul. “Deu no que deu”.
Licença para desmatar
O ponto considerado mais polêmico sobre o Código Florestal é o de regularização das terras já ocupadas que tenham desmatado até junho de 2008. É a anistia que Guilherme Purvin chamou de uma espécie de licença 007 dos filmes de James Bond. No caso, licença para desmatar. Norma Sueli Padilha, advogada e professora da Unisantos, disse que “a anistia desestimula o povo brasileiro a cumprir leis, traz uma desesperanças para aqueles que a cumprem e isso também é uma crise do Estado do Direito.
Patryck de Araújo Ayalla, procurador do estado do Mato Grosso e coordenador do texto final da carta enviada à Dilma, reforçou o argumento que permeou o debate. “Cabe ao estado brasileiro proteger processos biológicos essenciais”, disse ao afirmar que boa parte no texto do novo Código Florestal pode ser considerado inconstitucional, visto que vai contra o direito ao meio ambiente, garantido pela Constituição.
Segundo Solange Teles, da universidade Mackenzie, o novo Código torna inócuos os acordos internacionais ratificados pelo país. “Quando o Brasil assinou e ratificou a Convenção da Diversidade Biológica, ele o fez e se comprometeu com a conservação no local”, disse. “E os relatórios brasileiros, em relação a implementação da convenção, apontam para o cumprimento do Código Florestal, porque Área de Preservação Permanente e Reserva Legal são partes territoriais especialmente protegidos”.
Assinaram a carta enviada à presidente a Associação do Ministério Público do Meio Ambiente (Abrampa), Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil (Aprodab), Instituto O Direito por um Planeta Verde e Instituto Brasileiro de Advocacia Pública (Ibap).
A carta pode ser lida e baixada em pdf na íntegra.
Editado: 22/05, às 10h34
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